Queering The Family In François Ozon’s Sitcom

CHILCOAT, Michelle. Queering The Family In François Ozon’s Sitcom______In: GRIFFITHS, Robin (Org.) Queer Cinema in Europe. United Kingdom: Intellect Boooks, 2008. p. 23-33.

sitcom poster

  • Part of an international “fin-de-millénaire” wave of arty family shocker films (others: Festen (Thomas Vinterberg, 1999), Happiness (Todd Solondz, 1998), The War Zone (Tim Roth, 1999) > end of the patriarch;
  • Women are not represented as victims, but they take active role in the film’s happy, healthy resolution of conflict;
  • A new family order is represented, organised around queer relationships realised upon the elimination of the father > queering of Freud’s Oedipal drama
  • The rat signifies or substitutes for the penis, which is itself, according to Freud, the “prototype of fetishes”;
  • For Freud, women’s “upbringing forbids their concerning themselves intellectually with sexual problems though they nevertheless feel extremely curious about them and frightens them by condemning such curiousity as unwomanly”. > “They are scared away from any form of thinking, and knowledge loses its values for them”, but in Sitcom when women do get curious, when they touch the rat, fetishize, fantasize, think > the whole Oedipus complex takes a queer turn;
  • As the rat signifies the penis, Nicola’s homosexuality is perfectly understood, because Freud, in his work “Some Neurotic Mechanisms in Jealousy, Paranoia and Homosexuality” argues that the aversion of women is derived from the fact they are castrated; in Sophie’s case is demonstrated when she awakens clutching her crotch and figured she is castrated and in Freudian terms jumping out the windows means she wanted to have a baby, but she’s paralised after the occurence; this is described in Freud’s work “The Psychogenesis of a Case of Homosexuality in a Woman”;
  • However, Sitcom imagines another scenario: the woman as a fetishist, who desires sexually and intellectually, through sadomasochism and dominatrix, involving the rat;
  • The mother, Hélène, turns to her son, considering he is ill > then, the incest, and ignores the current Sophie’s suicide attempts and self-mutilation;
  • It surrounds the movie a doubt pointed out by Sophie that her father is homosexual and the two children he had is nothing more then na alibi to heterosexuality;
  • Hélène decides to cure Nicola’s homosexuality in a transgression through seducing him in his bedroom and then went to her psychotherapists, who said that is just a dream;
  • In Sitcom, then, the mother’s transgression is pivotal, because Freud did not believe women could be fetishist (as we can see in “Three Essays on the Theory of Sexuality”) > queering the Oedipal complex;
  • Ozon points out that the incest taboo is de-dramatizated in the movie to regulate the family order; it rests in the non-recognition of woman’s desire;
  • Freud’s supposed “decoding” of
  • the Oedipal drama is really about what Gilles Deleuze and Félix Guattari called “overcoding”, or controling sexuality: subjecting sexuality to law, the law of male desire;
  • The family then enter in a group psychotherapy, taking place in a tranquil swimming pool: the watery union of mother, daughter and son signifies a rebirth that this time happens without the participation of the father, who continues pedant, only talking in proverbs > his presence is not necessary in the healing process;
  • Through group therapy mother, daughter and son realises the rat is the root of their dystopia > then they arrange to get rid of the offensive creature;
  • Jean’s idea of dealing with the rat is to consume it rather than eliminate it, and cannabilizes the animal to keep all the force of the penis (Freudian overcoding);
  • The final step to undoing the Oedipal drama is the daughter killing the rat/father, but actually it was a group effort: “We did it. We’ve managed to kill him.” > the attraction Hélène and Maria had could be expressed outright, Nicolas and Abdul in their interracial/homosexual relationship and Sophie returns her movements and choice of a partner;
  • As Ozon has summed it up, Sitcom is a “utopic film that reconstructs a new social order” in which “the bourgeois family is replaced by homosexual, lesbian and S&M couples;
  • In contrast to a reactionary film,” what must be eliminated is not the foreigner, but the “character who incarnates the ‘law,’ familial morality, that is, the father.”;
  • In Sitcom, it is the reckoning of female desire that ultimately undermines this law, opening the way for recognizing many differences (i.e., not just sexual, but also racial).
  • There is the ambiguity of the last image of the film, as a white rat scurries over the father’s tomb, a potentially ominous reminder that it may be hard to keep the penis/killer down; or perhaps this image returns us to the fetish, which Freud did, after all, associate with “artfulness.”

A Economia Política da Integração Regional

Chapter Thirteen. IN: GILPIN, Robert. Global political economy: understanding the international economic order. Princeton: Princeton University Press, 2001. p. 341-361.

  • O mundo viveu duas ondas de regionalismo, sendo a primeira nos anos 1950-60, da qual se originou a União Europeia (UE), e um novo regionalismo, do final dos anos 1980, mais global e abrangente, envolvendo não apenas integração de mercados, mas de finanças e investimentos diretos.
  • O Ato Único Europeu (1986) deflagrou o novo regionalismo em escala global, diante de um cenário em que as negociações da Rodada Uruguai (1986-94) estavam estagnadas, o que levou muitos países a acelerarem acordos regionais temendo o fracasso da Rodada e eventual perda de mercados pela evolução de outros acordos regionais, enquanto observavam Europa e América do Norte acelerarem seus processos de integração.
  • Anteriormente, iniciativas de livre-comércio regionais eram realizadas em negociações multilaterais, e as rodadas subsequentes à criação do Tratado de Roma (1957) foram respostas americanas à integração europeia (Rodada Kennedy, 1963-67; Rodada Tóquio, 1973-79). A partir do Ato Único Europeu, ficou claro para os EUA que a integração dos mercados da Europa Ocidental era uma realidade e, em resposta, criaram seu próprio arranjo regional, o NAFTA (North American Free Trade Agreement).
  • Na Ásia-Pacífico, o Japão liderou esforços para criar arranjos regionais, vendo neles vantagens de economia de escala para suas indústrias, além de contra-balancear a regionalização da Europa e dos Estados Unidos. Essa expansão dos movimentos de integração regional se justifica pelo “dilema da segurança”, em que Estados tentam através da regionalização aumentar suas posições de barganha frente a outras regiões.

Precondições de Desenvolvimento: uma Comparação entre Japão e Alemanha

BENDIX, R. Precondições de Desenvolvimento: Uma Comparação Entre Japão e Alemanha. In: BENDIX, R. Construção Nacional e Cidadania.  São Paulo: Unesp, 1996. p. 211-244.

  • marco do desenvolvimento político e econômico do mundo moderno: Inglaterra e França, século XVIII.
  • modelo de desenvolvimento nativo: considera que Inglaterra e França se industrializaram graças a mudanças predominantemente oriundas de suas próprias sociedades, posteriormente disseminadas pela Europa.
  • influências culturais cruzadas: ao longo do séc. XIX, Alemanha, Rússia e Japão receberam influências externas (da Inglaterra e da França), considerados elementos modernizadores (culturais, tecnológicos, ideológicos etc), os quais eram muitas vezes adaptados pelas forças políticas internas, para serem usados politicamente como forma de aumentar o poderio econômico e militar do país;

Alemanha e Japão – semelhanças no desenvolvimento:

  • enfrentaram problemas resultantes da simbiose tradição – modernidade;
  • apresentaram características típicas de países industrializados:
  1. mudança de tecnologia: tradicional → baseada no conhecimento científico
  2. agricultura: subsistência → produção comercial
  3. uso da força: humana e animal → mecanizada
  4. êxodo rural
  5. nova divisão do trabalho
  6. relação familiar (ou quase) → vínculos contratuais e monetários
  7. ↑ mobilidade social e avanços sociais.
  • rápidas mudanças políticas: Restauração Meiji (1868, Japão) e Unificação (1870-71, Alemanha);
  • preferência por instituições monárquicas e tradição burocrática controlada por oligarquias;
  • preferência por formas autocráticas/ditatoriais de governo para desenvolver as instituições parlamentares;
  • semelhantes aristocracias;
  • “retardatários” industriais.

Alemanha e Japão – diferenças no desenvolvimento:

JAPÃO

  • mais coeso culturalmente → tradição imperial;
  • sincretismo religioso, maior tolerância;
  • isolacionismo e posição insular → retardou o avanço científico;
  • consolidação administrativa;
  • população disciplinada;
  • desenvolvimentos internos semelhantes;
  • grupos dirigentes iniciaram reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios );
  • consenso (pacto entre elites).

ALEMANHA

  • sofreu mudanças territoriais ao longo de sua história;
  • heterogeneidade cultural e política;
  • ortodoxia cristã → conflitos religiosos no passado;
  • cosmopolitismo → ideias da Rev. Francesa;
  • fragmentação política;
  • desenvolvimentos nativos desiguais: ascensão da Prússia;
  • conflitos diante das reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios ) : grupos dirigentes resistiram.

Serão analisados três pontos na modernização japonesa e alemão:

  1. surgimento de uma autoridade nacional;
  2. destruição dos antigos privilégios;
  3. universalização da cidadania.

Duas Aristocracias

De que maneira a estrutura social anterior pode atrapalhar ou facilitar o processo de modernização?

  • Por serem dois países retardatários industriais, é apropriado analisar a linha-base da estrutura social tradicional, ou seja, os grupos dirigentes tradicionais, se estes foram determinantes no processo de reformas.
  • JAPÃO: a aristocracia japonesa iniciou a transformação do país, em razão da gradual perda de privilégios que vinha sofrendo desde a Era Tokugawa. Porém, tal insatisfação não atingiu a ideologia → ausência de polarização ideológica, atribuída ao isolamento. Por quê? O isolamento foi utilizado como instrumento político de contenção da classe guerreira japonesa, pela família Tokugawa, nos séculos anteriores, conferindo autonomia aos samurais, ao passo em que os subordinava ao governo central, impedindo que houvesse contato com o Ocidente. A aristocracia japonesa era anti-ruralista (samurais já moravam nas cidades → aumento da urbanização), relativamente desmilitarizada e burocrática.

A perda gradual de poder da nobreza guerreira japonesa

até o séc. XVI → samurais eram chefes supremos das aldeias (papel semelhante aos senhores feudais) → guerras civis → xogunato Tokugawa → fim do poder político dos samurais, que passam a ser funcionários do governo → feudos passam a ser administrados por cidades fortificadas, onde passaram a residir os samurais → Edito de 1615: destruição dos castelos, deixando só 1 por província → expulsão dos samurais da terra → expulsão das missões cristãs → isolamento efetivo → início Era Tokugawa → divisões na aristocracia → maior burocratização do governo →  samurais passam a fazer carreira → lealdade mantida, porém mudanças na ideologia → conduta pessoal e burocrata → ideologia de ambição

“[…] homens de posição inferior foram muitas vezes promovidos a um alto cargo; comerciantes e, ocasionalmente, até mesmo camponeses com qualificações especializadas foram nobilitados para que pudessem manter o cargo; e a promoção na burocracia tornou-se para os guerreiros um meio importante de melhorar sua posição.” – Smith, Thomaz. Japan Aristocratic Revolution

Por que a aristocracia japonesa não resistiu às mudanças?

  1. falta de articulação ideológica;
  2. fracasso dos guerreiros em resistir à remoção da terra;
  3. conflitos de interesses entre as fileiras da aristocracia;
  4. burocratização e desenvolvimento de novas aspirações.
  • ALEMANHA: a aristocracia não foi desafiada em seus privilégios; líderes de opinião manifestavam-se através da literatura, propagando ideias iluministas, vindas de fora, que se difundiram em uma sociedade em que a liberdade de opinião era inexistente. Na Alemanha, antes da unificação, a historiografia nos conduz a uma direção oposta à da japonesa, no tocante à estrutura social tradicional. A aristocracia prussiana era anti-urbana, em razão do fortalecimento dos laços com a terra, do consequente declínio econômico das cidades, resultando em uma queda na urbanização. Utilizaram vitórias militares no exterior para alcançar a unidade nacional, promovendo um militarismo dinástico, bem aceito pela nobreza territorial e, consequentemente, ampliando a posição do rei e de Bismarck.

Mudanças na Alemannha antes da Unificação

até final do séc. XVI → Prússia em ascendência = família Hohenzollern → cidades prósperas + camponeses livres → estabilidade gerada pela Ordem Teutônica (prosperidade econômica oriunda das hansas) → declínio comercial → 1525: extinção da Ordem → ascensão política da nobreza feudal através da coerção econômica (viram mercadores) → séc. XVII: declínio das cidades + servidão dos camponeses → empobrecimento dos Hohenzollern → variável exógena que altera o equilíbrio interno de poder: Guerra dos Trinta Anos → ocupação estrangeira → enfraquecimento da aristocracia territorial → Hohenzollern expandem privilégios à nobreza territorial e a militariza → Exército.

Tradição e Desenvolvimento da Classe Dirigente

Relações do governo local com a população

  • JAPÃO: quase impessoais, pois os samurais já haviam sidos removidos da terra e os daimios eram administrados por funcionários diretos do governo central (algumas vezes era um samurai).
  • ALEMANHA: altamente pessoal, pois a nobreza territorial permaneceu no governo local, com posição social e governamental mantida pela dinastia Hohenzollern.

Esfera Militar

  • JAPÃO: após reformas militares Meiji, houve uma certa igualdade no exército com medidas de abolição da posse de espadas pelos samurais, visando restringir seu poder militar. Os samurais passaram a ter uma militância individual, mas sempre de acordo com o governo imperial.
  • ALEMANHA: Hohenzollerns também suprimiram qualquer ação militar independente da nobreza local, mas mantinham sua posição social. As relações entre as classes militares eram interpessoais, o que atenua o abismo social entre as classes da Alemanha prussiana, pois dava a falsa impressão de ascensão, na medida em que o militarismo organizado era o principal instrumento de unidade nacional.

Cultura e Costumes

  • JAPÃO: a criação de uma lei que obrigava os samurais a residirem por um período em Edo (antiga Tóquio), proporcionou um refino cultural à aristocracia guerreira, semelhante ao da corte francesa, após a transição do feudalismo para o absolutismo. Entre os samurais havia um sentimento anti-rural e de inveja dos prósperos comerciantes, mas isso foi minimizado pela campanha nacionalista após 1868.
  • ALEMANHA: com a reintrodução da servidão, tanto a classe camponesa quanto a nobreza local (junkers), brutalizaram-se em costumes, se comparados ao restante da Europa naquela época. Mesmo os integrantes da alta aristocracia que permaneceram na terra careciam de refinamento cultural e o que predominava na sociedade da época era uma vida civil militarizada. Havia um sentimento anti-urbano, de preconceito contra os comerciantes.

Diferentes Papeis Desempenhados pelas Aristocracias

  • JAPÃO: aristocracia foi decisiva no início das reformas, participando de decisões econômicas e políticas. Não havia defesa do velho regime, logo, não havia divisão radical de duas ideologias. A preocupação japonesa com posição social era independente do sentimento de classe e, na época da Restauração, havia uma consciência de classe relativamente fraca, o que minimizou o conflito tradição x modernidade/reformas.
  • ALEMANHA: a iniciativa da reforma partiu dos funcionários de um regime absolutista, e não da aristocracia territorial. Ao longo do século XIX a Alemanha vivenciou uma divisão ideológica entre defensores da tradição x reformistas, porém havia uma elevada consciência de classe, em razão das ideias iluministas oriundas da França e Inglaterra.

A Questão do Consenso (no Japão)

  • isolamento até 1868 → consenso nacionalista → nativismo x ocidentalismo;
  • supremacia absoluta da hierarquia e autoridade sobre todos os valores e lealdades concorrentes (fomentada no período Tokugawa, pela destruição do cristianismo);
  • tipo especial de consenso entre as elites governantes → respeito à autoridade estabelecida → Meiji
  • característica típica da sociedade japonesa: respeito à autoridade hierárquica (em diversas células da sociedade) → valores de responsabilidade coletiva e solidariedade local 
  • não houve resistência da população às reformas no campo.

O Desenvolvimento como Problema Político

  • A industrialização de países retardatários, como Alemanha e Japão, envolveu um alto grau de iniciativa política → exemplo primitivo desse tipo de desenvolvimento: medidas políticas para promover mudanças econômicas e enfrentar divisões da população.

É fácil controlar os sentimentos populares de uma única aldeia, mas é difícil controlar a opinião pública de uma nação inteira. […] Hoje, as condições no Japão estão intimamente relacionadas com a condição mundial. Elas não são simplesmente assuntos de uma nação ou província. […] governantes esclarecidos, com a ajuda de sábios ministros, conduziram e controlaram essas mudanças, consolidando assim suas nações. […] é responsabilidade do governo seguir uma política conciliatória e se acomodar a essas tendências, de modo que possamos controlar mas não agravar a situação, e afrouxar nossa influência sobre o governo, mas não cedê-la. — HIROBUMI, Ito, um dos arquitetos da Restauração Meiji

  • JAPÃO: Objetivo dos líderes da Restauração Meiji: avançar economicamente e conter politicamente os resultados desse avanço.
  • ALEMANHA: tentou estratégia semelhante, mas enfrentou resistência e insatisfação política de segmentos da sociedade. Diante disso, lideranças prussas argumentavam que o modelo parlamentar inglês era inaplicável à Alemanha, Estado militar, devido a sua posição geográfica na Europa central. A estrutura militar passa a ser o eixo do Estado prussiano, com o objetivo de coagir (através da força) a influência da burguesia no governo central. A unidade nacional não é possível em razão de desenvolvimentos econômicos diferenciais (o que provoca fragmentação nas aristocracias territoriais), pelo conflito de crenças religiosas e pela oposição política (Partido Social-Democrata).

Semelhanças Japão e Alemanha

  1. ambos tinham a convicção de que o governo monárquico/imperial era o indispensável “fiel da balança” entre as forças que ameaçavam a estabilidade do país.

Contrastes Japão e Alemanha

  1. o Japão não teve a “intrusão” de ideias ocidentais, que pudessem perturbar a estabilidade política do país, devido aos seus 250 anos de isolamento; a Alemanha, por outro lado, era uma “sementeira” de ideias oriundas da Inglaterra/França, além de ter divisões demasiado difundidas em sua sociedade (religiosas, políticas e econômicas).
  2. Japão tinha uma preocupação inicial apenas em manter a unidade interna e se desenvolver economicamente; apenas após sua industrialização passou a investir em militarismo; a Alemanha, pelo contrário, utilizou o militarismo como meio de se industrializar e manter a unidade nacional, através do Estado da Prússia, justificativa para acomodar o confronto tradição x modernidade.
  3. o Japão possuía, no momento da Restauração, um grupo coeso de líderes políticos (unidade de liderança coletiva), que conseguiram implantar reformas graduais na sociedade (fim do sistema han, desmilitarização, redução dos privilégios dos samurais); a Alemanha, em contraste, desenvolveu-se a partir da ascensão de um de seus Estados (Prússia) sobre os demais, utilizando-se do militarismo e de uma constituição monárquica para fins de unidade política, conduzidos pela figura de Bismarck.
  • Ambos os países necessitaram do governo e de ideias políticas para se desenvolverem,  numa tentativa de conter as divisões de suas sociedades resultantes do confronto “tecnologia moderna” x “instituições arcaicas”.

Implicações Teóricas

  • é falacioso dizer que os desenvolvimentos similares que os dois países tiveram ocorreu devido aos contrastes/semelhanças resultantes de tomadas de decisões anteriores. Em uma abordagem mais ampla, poderíamos substituir o precário equilíbrio da tomada de decisão por um conceito de “equilíbrio” atribuído à sociedade como um “sistema”
  • estudos comparativos consideram as estruturas sociais como fenômenos duradouros, porém limitados temporalmente. Logo, tomando o “desenvolvimento parcial” como uma verdade, e considerando que os homens conseguem conciliar tradição e modernidade, então o desenvolvimento de um país depende de uma administração política dos problemas da sociedade desse país em desenvolvimento.
  • uma mistura de tradição e modernidade pode ser tanto tolerada como afetada pela “administração política”;
  • as sociedades que surgiram depois do processo de desenvolvimento são profundamente afetadas por ideias além de suas fronteiras, portanto as explicações estruturais de desenvolvimento não podem ser exclusivas.
  • Alemanha e Japão: simbiose entre tradição e modernidade, sujeita ao impacto das “artes industriais” e ao “processo de racionalização” (VEBLEN e PARSONS), cuja instabilidade resultaria na completa industrialização. Entretanto, Bendix analisa que a mudança mais drástica nesses países não ocorreu dessa forma, mas apona que a tradição foi destruída pela conquista, ocupação militar e divisão.
  • para os que aceitam a teoria de Schumpeter do “desenvolvimento parcial”, tal questão parece óbvia, pois é fácil reconhecer que a conquista militar e a ocupação foram mais relevantes do que a industrialização na destruição da tradição.
  • há ainda o argumento da influência da política externa e da conjuntura internacional como determinantes da destruição de legados tradicionais e a incorporação mais rápida ou mais lenta de tecnologia moderna, e, sob essa abordagem, não há relevância da conquista e ocupação como determinantes do desenvolvimento, pois esses países seriam modernizados de qualquer forma, em razão das mudanças no sistema.
  •  em suma, foram dois países que chegaram tarde ao processo de desenvolvimento, com estruturas sociais que devem ser compreendidas em suas particularidades, não apenas como “estágios transitórios”, tomando como referência a sociedade industrial inglesa.

Índia: Políticas, Passado e Futuro

Resumo do capítulo 7 do livro India and Pakistan – The first fifty years, de Selig Harrison, Paul Kreisberg e Dennis Kux – Relações Internacionais da Ásia – Prof. Paulo Fagundes Visentini

  • Principais objetivos da política externa indiana até o final da Guerra Fria: anti-colonialismo, justiça global redistributiva e não-alinhamento. Esses pressupostos perderam o significado com o fim do colonialismo e com o fim do sistema internacional bipolar.
  • Os desafios para as lideranças indianas é construir uma série de princípios para guiar sua política exterior no novo cenário global, o que significa que as escolhas feitas pelas elites repercutirá na posição da Índia na nova ordem internacional.

A INDEPENDÊNCIA E O PÓS-INDEPENDÊNCIA

  • Política externa no governo Nehru (1947-64): independente; não-alinhamento com nenhum dos blocos que se formaram no pós-Guerra, devido a consciência da debilidade econômica do país e da sua baixa capacidade militar, além do desejo de manter o país livre de qualquer forma de dominação externa; baixos gastos com defesa e consequente resolução de conflitos internos pela via pacífica.
  • Nehru agiu como um importante ator na expulsão do colonialismo da Ásia, além de ter contribuído para limitar a presença das grandes potências no continente. Auxiliou a Indonésia na expulsão dos holandeses e realizou uma conferência na Índia, que serviu de base para articular a independência do país.
  • Por defender o não-alinhamento, Nehru reprimiu movimentos comunistas em diversas partes da Índia, Burma, Indonésia e outras regiões da Ásia.

LEGADOS DO COLONIALISMO: A PRIMEIRA GUERRA DA CAXEMIRA

  • O não-alinhamento de Nehru não significou o abandono do uso da força, quando a Índia se sentisse ameaçada. Logo, em 1947, enviou ajuda militar ao monarca de Jammu e Caxemira, diante da ocupação paquistanesa sobre 1/3 do território.
  • O conflito foi levado pela Índia à ONU, que propôs um cessar-fogo em 1949.
  • A Índia cogitou um plebiscito à população, mas houve controvérsias sobre como ele seria feito, levando ao abandono da consulta na década de 1950.
  • O Paquistão persistiu reclamando a integração da região ao seu território.

LEGADOS DO COLONIALISMO: GOA

  • O anti-colonialismo de Nehru levou a um conflito com os portugueses, presentes em Goa, Daman e Diu, oeste da Índia.
  • Em 1949 tentou-se negociar uma solução por vias diplomáticas, mas Salazar refutava qualquer acordo, o que levou Nehru a fechar a legação indiana em Portugal, em 1953.
  • Diante de sucessivos fracassos diplomáticos para pôr fim à presença lusa na região, em 1961 as tropas indianas invadem Goa e expulsam os portugueses.

LIDANDO COM AS AMEAÇAS: CHINA

  • Nehru tinha consciência da baixa capacidade militar indiana, o que não favorecia qualquer conflito com a China, poderoso vizinho do norte. Sendo assim, passou a dar demonstrações de amizade com os chineses, como o apoio à entrada da RPC na ONU e a pronta desistência sobre privilégios indianos no Tibet.
  • Objetivos da estratégia de Nehru: diminuir os gastos indianos com defesa e simultaneamente trazer a China para o grupo de nações, por ela também adotar postura não-alinhada.
  • A partir da metade da década de 1950, as relações sino-indianas foram de amizade, embora houve períodos em que a China reclamou territórios de fronteira. Porém, diante da impossibilidade de se aumentarem os gastos com defesa, Nehru continuou negociando com os chineses até 1960.
  • 1960: rompimento de relações com a China, numa tentativa de fazer os chineses desistirem das pretensões nas fronteiras. Essa estratégia foi um desastre porque não havia preparo militar suficiente, levando o Exército indiano à derrota em 1962.

AS CONSEQUÊNCIAS DE 1962

  • A imagem de Nehru foi afetada pelo conflito com a China, tanto externa quanto internamente.
  • As potências ocidentais, que até então não se preocupavam com países não-alinhados, aprovaram a ofensiva chinesa.
  • Nehru passou a aumentar os gastos com defesa, modernizando a marinha e aumentando o exército para 1 milhão de homens, embora não tenha abandonado o não-alinhamento.
  • Sob a mediação anglo-americana, a Índia concordou em realizar conversações bilaterais com o Paquistão sobre a questão da Caxemira, porém, como nenhum dos dois lados estava disposto a ceder, as negociações fracassaram.

A SEGUNDA GUERRA DA CAXEMIRA

  • O Paquistão acreditava que estava perdendo territórios na Caxemira e, pior ainda, que a Índia estava incorporando a porção indiana da região ao seu país. Diante disso, forjaram um incidente em Srinagar, provocando violentas reações no povo da Caxemira, com a intenção de que estes buscassem proteção do governo paquistanês.
  • 1965: Paquistão realiza uma limitada ofensiva no Estado indiano de Gujarat, sem resposta vigorosa da Índia, que preferiu levar mais uma vez o conflito à arbitragem internacional, sob a mediação inglesa. Insatisfeitos, os paquistaneses cruzam no mesmo ano a linha de cessar-fogo na Caxemira, e a população alerta as autoridades locais, levando tropas indianas a expulsarem os invasores da “fronteira”.
  • Após esse primeiro incidente, agora a Índia atravessa a linha de cessar-fogo, provocando a erupção de mais uma guerra na região, que terminou com um cessar-fogo, sob a supervisão da ONU e a mediação da URSS, diante da neutralidade dos EUA no conflito.
  • Resultado: Paquistão e Índia concordaram em retomar o status quo anterior à guerra, mas a disputa segue não resolvida.

TUMULTO INTERNO E RELAÇÕES INDO-AMERICANAS

  • Indira Gandhi, filha de Nehru, assume o governo indiano em um momento de grandes dificuldades econômicas, acentuadas por duas grandes secas (1965 e 1966), levando o país a um situação de miséria e fome. Esse cenário levou Indira a pedir ajuda aos EUA, que já enviavam alimentos desde a década de 1950, porém ela pediu que se aumentasse essa assistência, diante do quadro calamitoso. Os EUA concordaram em aumentar a ajuda alimentar, mas em troca queriam reformas na política agrícola indiana.
  • Medidas tomadas por Indira: desvalorizou a rúpia, sob pressão americana e do Banco Mundial; condenou o envolvimento dos EUA no Vietnã; implementou uma série de medidas populistas, que favoreciam as castas inferiores; e, articulou com partidos de esquerda para obter apoio no parlamento.
  • O presidente Johnson diminuiu a ajuda alimentar à Índia, diante da posição de Indira com relação ao Vietnã e insistindo nas reformas prometidas na agricultura.

A GUERRA DE 1971

  • 1970: Paquistão realiza sua primeira eleição democrática, onde a Liga Awami (partido pró-autônomo do leste do país) obteve a maioria absoluta no Parlamento, iniciando uma série de disputas políticas internas e reivindicações sobre a autonomia do leste. 
  • 1971: os militares paquistaneses impõem uma lei marcial para o Leste, promovendo assassinatos em massa e desordem na região. Tais episódios foram ignorados pelos EUA, levando Indira a aproximar-se cada vez mais da URSS, o que foi concretizado pela assinatura de um pacto de paz, amizade e cooperação.
  • Indira passa a defender a criação de uma região independente no leste do Paquistão: Bangladesh.
  • Kissinger, ao retornar da China, comunica o embaixador indiano nos EUA que não haveria qualquer apoio à Índia no conflito com o Paquistão.
  • A Índia passa a apoiar e treinar guerrilhas no leste paquistanês, o que leva o Paquistão a declarar oficialmente a guerra.
  • A guerra durou 2 semanas e terminou com a criação de Bangladesh, independente.
  • 1972: Índia e Paquistão assinam o Acordo Simla, que previa também o compromisso das duas partes de abdicar da força na questão da Caxemira. 
  • 1974: Índia realiza seu primeiro teste nuclear, pondo fim à cooperação com EUA e Canadá nessa área.
O INTERREGNO DE JANATA
  • 1975: Indira declara estado de sítio para evitar as desconfianças da baixa corte de violações na lei eleitoral. Esse período foi marcado por restrição das liberdades civis e por desrespeito ao Judiciário.
  • 1977: foram feitas eleições, levando ao poder um aglomerado de partidos políticos ao governo, sob a liderança de Janata Dal, que melhorou as relações da Índia com seus vizinhos e tentou restaurar um não-alinhamento genuíno. O governo caiu dois anos depois.

A INVASÃO SOVIÉTICA DO AFEGANISTÃO E O PÓS-INVASÃO

  • 1979: URSS invade o Afeganistão. Indira retorna ao poder na Índia.
  • 1980: Indira retorna ao poder na Índia, sem condenar a invasão soviética no Afeganistão, embora tenha sido contra na ONU.
  • O presidente Carter declara que o Paquistão está na linha de front do conflito com os soviéticos e oferece ajuda militar e econômica ao ditador paquistanês Zia.
  • O presidente Reagan conclui a estratégia de Carter e transfere uma quantia de mais de 3 bilhões de dólares em armamentos ao Paquistão.
  • Anos 1980: Índia e URSS firmam diversos acordos sobre transferência de armamentos, cimentando suas relações. As relações indo-americanas também melhoram, com a visita de Indira aos EUA (1982), mas não havia muito interesse dos EUA pelo país, diante de sua proximidade com os soviéticos e pela sua pouca importância econômica.

RUMO AO FIM DA GUERRA FRIA

  • Rajiv Gandhi: não estipulou uma política externa clara para o sul da Ásia; iniciou uma série de reformas econômicas, visando à liberalização econômica; promoveu a modernização das forças militares, produzindo mísseis balísticos de alcance intermediário; envolveu-se em um conflito no Sri Lanka, retirando-se de lá em 1991.
  • As relações com o Paquistão: incidente conhecido como Brasstacks, quase levou os dois países a uma guerra, em virtude das desconfianças que persistem entre os dois países. A Índia acusa o Paquistão de apoiar a insurgência em Punjab.
  • As relações com a China: houve um incidente na fronteira na trijunção do Nepal, Butão e Índia, que acabou sendo resolvido diplomaticamente. As relações com os chineses no período de Rajiv foram boas, chegando ao ápice em 1988, quando ele visitou o país.
  • Em 1990, houve outra tensão com o Paquistão: a Índia acusou o Paquistão de apoiar os insurgentes na Caxemira, que cruzaram a Linha de Controle. Diante da ameaça de um conflito possivelmente nuclear, os EUA enviaram negociadores para as capitais dos dois países, impedindo a eclosão da guerra.
O FIM DA GUERRA FRIA
  • A Índia enfrentou uma das suas maiores crises econômicas, em virtude do modelo econômico adotado até então, o que deixou como herança déficits enormes nas contas públicas e dívida externa.
  • A Guerra do Golfo (1990-91) também contribuiu para um cenário crítico na Índia, em virtude da alta nos preços do petróleo e da necessidade de se repatriar 130 mil trabalhadores expatriados do Golfo.
  • 1991: eleição leva ao poder Rao, que promove reformas econômicas, levando o país a um considerável crescimento econômico. Em termos de política externa, Rao aproxima-se dos EUA, embora houvesse divergências entre os dois quanto à manutenção da capacidade nuclear indiana.

As Fronteiras do Império na Amazônia

Resumo do capítulo 8 do livro Navegantes, Bandeirantes e Diplomatas, de Synesio Sampaio Goes – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

A Independência e o “Uti Possidetis”

  • A América do Sul, antes das independências estava assim dividida: 4 vice-reinos e 4 capitanias gerais.
  1. Vice-Reinado de Nova Espanha: capital na Cidade do México.
  2. Vice-Reinado de Nova Granada: compreendia os territórios hoje da Colômbia, Venezuela e Equador; capital: Bogotá.
  3. Vice-Reinado do Peru: subdividido em várias Audiências; capital: Lima.
  4. Vice-Reinado do Rio da Prata: criado para conter a expansão portuguesa; compreendia os atuais Uruguai, Paraguai, Bolívia e Argentina; capital: Buenos Aires.
  5. Capitania Geral de Cuba: capital São Domingos.
  6. Capitania Geral da Guatemala: capital Guatemala.
  7. Capitania Geral da Venezuela: capital Caracas (subordinada ao Vice-Reinado de Nova Espanha).
  8. Capitania Geral do Chile: capital Santiago.
  • Cenários pós-independência:
  1. Vice-Reinado de Nova Granada: passar a se chamar Vice-Reinado da Grã-Colômbia.
  2. Bolívia se separa do Vice-Reinado do Rio da Prata.
  3. Equador se separa da Grã-Colômbia e disputa a província de Mainas com o Peru.
  4. Bolívia forma uma confederação com o Peru de 1836 a 39.
  5. os imprecisos tratados coloniais dificultavam o estabelecimento de limites entre as novas nações.
  6. o bolivarismo era um fator candente na época, tentando integrar os novos países em uma federação.
  • Não havia nenhum tratado em vigor nesta época sobre fronteiras. O último tinha sido Santo Ildefonso (1777), reconhecido por uns, ignorado por outros. A solução para o Império brasileiro foi utilizar o princípio do “uti possidetis”.
  • UTI POSSIDETIS: cada parte deveria ficar com o que possui em seu terreno.
  • UTI POSSIDETIS JURIS: adotado por muitas nações hispano-americanas, era o uti possidetis de direito, ou seja, tentava-se comprovar que certo território era de direito da parte que o ocupava, através de documentos coloniais considerados válidos no momento da independência.
  • O uti possidetis passa a ser norma geral da diplomacia imperial brasileira a partir de 1849.
  • O Visconde de Rio Branco declarou, em 1857, que o Império adotaria o uti possidetis onde esse existisse e o Tratado de Santo Ildefonso onde as áreas fossem ao encontro das possessões atuais de uma ou outra parte contratante.
  • Sob a ótica do Direito Internacional, o uti possidetis só é admitido quando uma nação está em processo de formação de fronteiras, não mais quando o território nacional já está definido – aplicação subsidiária e transitória.
  • Entretanto o Império brasileiro ainda tinha dificuldades em identificar seus limites com as nações vizinhas na fronteira amazônica.

Duarte da Ponte Ribeiro

  • Filho de portugueses, veio para o Brasil com a corte de D. João VI, pois seu pai era médico, carreira que viria a seguir alguns anos depois. Tornou-se diplomata em 1825, realizando diversas missões na América Latina e se especializando em questões fronteiriças. Percorreu diversos rios, principalmente da região amazônica, onde paralelamente desenhava mapas e demais importantes documentos cartográficos, que viriam a ser utilizados para resolver disputas de fronteiras na Amazônia.

De toda a orla de fronteira do Brasil, do Cabo Orange ao arroio do Chuy, longa de mais de 16.000 km, correndo sobre cumiadas de serras, pelos talvegues de rios, pelas margens de lagoas, por pântanos e terras enxutas, talvez não haja fração de metro que não tenha sido objeto de estudo de Ponte Ribeiro, que por ele não tenha sido desenhada ou feito riscar, sobre cujos direitos não tenha meditado à vista dos documentos que reuniu e que prestassem a cotejo entre si ou com elementos que porventura possuíssem as soberanias confinantes.” – Castilhos Goycochêa

O Tratado de 1851 com o Peru

Este mapa, apesar de conter o Acre, já passa uma ideia dos limites após todas as negociações com os países vizinhos ao Brasil, especialmente em território amazônico.

  • Fronteiras Brasil-Peru: as mais ocidentais do território, estavam mais próximas do Pacífico que do Atlântico. Os tratados de Madri e Santo Ildefonso estipulavam como fronteiras os rios Javari, Amazonas e Japurá.
  • Em Santo Ildefonso não foi entregue aos espanhois o município de Tabatinga, porque estes não entregaram postos no alto do Rio Negro que, por direito, seriam dos portugueses.
  • O tratado (Ildefonso) também fala da “boca mais ocidental do Japurá”, rio que gerou divergências entre cartógrafos e geógrafos da época, pois este, ao se comunicar com o rio Solimões,  abria vários “braços”. As dúvidas surgiram porque não se sabia ao certo o que eram rios e o que eram canais naquela região.
  • O Tratado de Badajós (1801) nada discorreu sobre as fronteiras entre os dois impérios coloniais, o que, após a independência tanto do Brasil quanto das Repúblicas do Pacífico, geraria atritos nas zonas limítrofes, indefinidas.
  • Convenção Especial de Comércio, Navegação Fluvial, Extradição e Limites aka Tratado de Limites com o Peru (1851): merece atenção ao modo como se deram as negociações desse tratado, pois serviu de modelo para acordos posteriores com outras nações vizinhas. Características do tratado:
  1. utilizou como moeda de troca a navegação no Rio Amazonas por vantagens territoriais;
  2. adotou pela primeira vez a versão brasileira do “uti possidetis” para o estabelecimento de limites bilaterais;
  3. estabeleceu a prática de se negociar apenas com uma república de cada vez, mesmo tendo outras disputando a região.
  • O Tratado foi criticado pelos peruanos, por parecer que o Peru cedeu territórios ao Brasil e, também, por não ter fechado completamente a fronteira no trecho a leste do rio Javari, o que daria brecha para os brasileiros se expandirem em território peruano. 
  • Porém se entende que o tratado beneficiou as duas partes, pois além de ter permitido a navegação peruana no Amazonas, Equador e Colômbia disputavam com o Peru e o Brasil o norte do Amazonas e o acordo beneficiou a posição do Peru.

O Tratado de 1859 com a Venezuela e Negociações com a Colômbia

  • Após a Grã-Colômbia se fragmentar em Venezuela e Colômbia, os limites destes com a Amazônia ficaram indefinidos.
  • O que dizia o Tratado de Madri com relação às fronteiras amazônicas do Vice-Reinado de Nova Granada com o Brasil? A fronteira seria do rio Solimões até a boca mais ocidental do Japurá, continuando pelo próprio Japurá e demais rios que nele deságuam, até uma cordilheira de montes entre o Orinoco e o Amazonas. Não se tinha um conhecimento preciso da área, pois o próprio Pico da Neblina, hoje ponto mais alto do Brasil, só foi descoberto em 1964.
  • O que dizia o Tratado de Santo Ildefonso com relação às fronteiras amazônicas do Vice-Reinado de Nova Granada com o Brasil? Foi um pouco mais preciso que o Tratado de Madri, pois reconheceu os povoados fundados tanto por portugueses como espanhois, além de seus estabelecimentos e comunicações. O principal objetivo era deixar a Bacia do Orinoco à Espanha e a do Amazonas a Portugal, conservando os limites nas montanhas divisoras de águas e preservando as posses (povoados, feitorias etc) de cada império. Porém nada discorreu sobre os rios que deságuam diretamente no Atlântico.
  • 1851: acordo de fronteiras com o Peru, considerando limite a linha Tabatinga-Rio Apapóris.
  • 1852: acordo baseado no “utis possidetis” com a Venezuela. Não ratificado pelo governo venezuelano.
  • 1853: acordo mediado pelo Barão do Japurá com a Colômbia. Não ratificado pelo governo colombiano.
  • Tratado de Limites e Navegação Fluvial (1859): acabou oficializando o acordo já feito em 1852. O limite começa em um ponto fixado a leste do rio Negro e segue até a Sera Imeri (onde fica o Pico da Neblina). As posses portuguesas no alto do Solimões foram mantidas e o forte de São Carlos ficou para a Venezuela.
  • A Colômbia protesta sobre o tratado de 1859, alegando que dividia territórios colombianos.
  • O Brasil continuou seguindo a regra de negociar com o país que considerava detentor da posse efetiva da região em litígio.

O Tratado de 1867 com a Bolívia

  • 1825: a província de Chiquitos, contrária à independência boliviana, pede para ser anexada ao Mato Grosso, o que acaba sendo aceito pelo Comandante da Guarnição mato-grossense. O Governo Central, no entanto, imediatamente desautoriza tal anexação.
  • O incidente infelizmente desencadeia uma antipatia generalizada nas repúblicas hispânicas com relação ao império brasileiro, inclusive de Simón Bolívar.
  • 1860: tentativa de um tratado de limites com a Bolívia, baseado no princípio do “uti possidetis” e em mapas de Ponte Ribeiro. Entretanto a Bolívia queria que o Tratado de Santo Ildefonso fosse utilizado como base para o novo acordo, o que estagnou as negociações.
  • Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição aka Tratado de Ayacucho (1867): graças às negociações do Barão de Lopes Neto, o prévio acordo de 1860 foi finalmente assinado pelo governo boliviano. Como ficaram as fronteiras:
  1. NORTE: linha geodésica da foz do rio Beni (que deságua no rio Madeira) até as nascentes do Javari. 
  2. SUL: limites corriam por linhas quebradas que asseguram ao Brasil seus estabelecimentos na área e o Rio Paraguai, enquanto que assegurava também para os bolivianos suas possessões (povoados, etc). 
  3. INTERMEDIÁRIA: confirmava o limite do rio Guaporé, que já constava no Tratado de Madri. 
  • Como ficaram, em suma, estabelecidos os limites pelo Tratado de 1867? Os limites seguem pelo Guaporé e pelo meio deste e do Mamoré até o Bin, onde principia o rio Madeira. Deste, para oeste, segue a fronteira por um paralelo (10º 20’ S) até o rio Javari.
  • O Peru protestou contra o Tratado de 1867, arrependendo-se de ter aceitado a adoção do “uti possidetis” no tratado firmado com o Império brasileiro em 1851 e argumentando que a linha Madeira-Javari dividia entre a Bolívia e o Brasil terras consideradas suas.
  • O Brasil teve pressa nessa época em resolver suas fronteiras com a Bolívia, em razão da Guerra do Paraguai. Houve, entretanto, muitas críticas de historiadores hispano-americanos, que consideraram o tratado uma “desmembração em favor do Brasil”.

A Amazônia e a Política de Limites no Século XIX

  • Havia sempre dificuldade em se conhecer e se comunicar com a Amazônia. Na época da independência do Brasil a comunicação Belém-Rio não era muito diferente da do século anterior, pois o Governo Central sempre empreendeu mais esforços na região do Prata.
  • Fatores que contribuíram para a integridade territorial brasileira:
  1. as tradições unitárias portuguesas transplantadas para o Brasil;
  2. a forma imperial de governo;
  3. as comunicações fluviais, como as monções, que acabaram ligando o Centro-Oeste ao Norte.
  • A notícia da independência só chegou um ano depois na Amazônia e não foi recebida positivamente, pois muitos habitantes da região eram pró-portugueses.
  • Não havia muito interesse por parte dos estadistas imperiais brasileiros com relação a Amazônia, pois estes eram homens do Nordeste, Sudeste e Sul, que, por isso e outras razões, se preocupavam mais com as questões platinas, que os afetavam mais diretamente.
  • Década de 1850: início da navegação a vapor, tornando mais fácil o acesso fluvial na Amazônia e ciclo da borracha, atraindo contingentes nordestinos, com a descoberta de novos seringais, a áreas até então inabitadas. 
  • Em se tratando de política externa, foi uma época de delineamento dos limites territoriais brasileiras, especialmente os amazônicos, baseados em alguns princípios básicos:
  1. recusa ao Tratado de Santo Ildefonso como base para direitos atuais;
  2. uso do princípio do “uti possidetis” nas negociações;
  3. adiamento da solução de conflitos, quando o cenário não fosse favorável;
  4. conceder a navegação no rio Amazonas às nações amigas, como moeda de troca;
  5. não negociar com mais de uma potência ao mesmo tempo, ou com vários litigantes.
  • Os resultados da política externa imperial para limites amazônicos foi considerado um sucesso, reconhecido até por autores não-brasileiros.
“Os hábeis diplomatas do Império dedicaram muito de sua energia a esse problema de limites na Amazônia. Uma vigorosa continuidade política, característica notavelmente ausente nas vizinhas repúblicas hispano-americanas, facilitou-lhes o trabalho.”  – Bradford Burns
 

Introdução – Relações Exteriores do Brasil (1808-1930)

Resumo da introdução do livro Relações Exteriores do Brasil I (1808-1930): A Política Externa do Sistema Agroexportador, de José Luiz Werneck da Silva e Willians Gonçalves – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

As Relações Internacionais

  • A política externa do Brasil Monárquico tem duas faces: dependente (da Inglaterra) e dominante/hegemônica (sobre as questões do Prata). Em alguns momento, como na questão platina, as duas políticas coincidiam.
  • O que é História Diplomática? É a história das relações entre Estados independentes, porém abordando apenas as relações oficiais, entre agentes credenciados pelos governos (diplomatas).
  • O que é História das Relações Internacionais? É, além da história das relações entre Estados, a relação ou influência não apenas interestatal, mas com indivíduos, grupos, instituições, entidades, ligados ou não aos governos.
  • O que é, então, História da Política Externa? É uma explicação sobre que orientação determinado Estado tem a respeito de outros, em certas conjunturas.
  • Quem formula e quem executa a política externa de um determinado governo? Os homens de Estado, interagindo com as forças profundas (condições econômicas, sociais, psicológicas coletivas, psicologia individual dos protagonistas), de acordo com Duroselle e Renouvin. Mas, também, podemos incluir a influência relativa de grupos hegemônicos integrados no pacto social do poder. Não há como todos os blocos integrantes de um governo participarem da política externa, mas eles atuam – em maior ou menor grau, dependendo do assunto – através de lobbies. Deve-se lembrar que nem sempre a política interna é simétrica à externa.
  •  O Estado Imperial Brasileiro não era um típico Estado moderno, capitalista em sua plenitude, pois havia a escravidão, uma economia primária-exportadora. Assim, a política externa do Brasil Monárquico ficava a cargo do Conselho de Estado.
  • Conselho de Estado: órgão consultivo do Poder Moderador, formado pelos Ministros de todas as pastas e por conselheiros de confiança do Imperador, independentemente de posição político-partidária. Os senhores que compunham o Conselho eram especialistas em assuntos diversos (política internacional, negócios estrangeiros etc).

Periodização da Política Externa Brasileira

  • A história das relações internacionais do Brasil conduz a uma política externa orgânica e estruturalmente dependente, mesmo que possa ser conjunturalmente autônoma.
  • O tempo usado na periodização é o tempo longo, das estruturas.
  • 1º MOMENTO: definição do espaço territorial brasileiro, que vai do Tratado de Tordesilhas (1494) à atuação do Barão de Rio Branco como Ministro das REL na República das Oligarquias (1902-1912). Os limites do Brasil foram definidos através do domínio efetivo (utis possidetis), que serviu de base para os tratados coloniais. O espaço fica definido com a anexação do Acre, em 1903.
  • Dependências por que passou o Brasil: mercantilismo ibérico (séc. XV – XVIII), capitalismo industrial liberal-concorrencial inglês (séc. XVIII – XIX), imperialismo inglês (séc. XIX – XX) e imperialismo americano (1920-1940).
  • 2º MOMENTO: diplomacia com os vizinhos americanos (todas as Américas, incluindo os EUA), que vai da Chancelaria de Rio Branco (1902-12) à presidência de Juscelino Kubitschek (1956-61), especificamente a Operação Pan-Americana, em 1958.  É marcado pela “aliança não-escrita com os Estados Unidos”, para uma projeção no sistema interamericano e, posteriormente, no sistema mundial. Inicialmente a aliança com os EUA servia como defesa contra os colonialismos europeus e como um importante apoio em um continente predominantemente hispânico.
  • 3º MOMENTO: iniciou-se com a OPA (1958), que foi uma tentativa de transformar o Brasil em um parceiro privilegiado dos EUA no sistema interamericano (possibilidade rechaçada pelos EUA, que não admitiam a superação do subdesenvolvimento brasileiro) e continua até hoje, marcada agora por não mais priorizar as relações com os americanos. Esse momento caracteriza-se pela busca de uma posição no sistema mundial e não apenas no próprio continente.

A Política Externa do Brasil Monárquico

  • As duas fases se situam no Primeiro Momento da periodização.
  1. 1830-1850: ainda submetido aos ingleses, através de tratados livre-cambistas; preocupava-se em sufocar as rebeliões internas e, por isso, não intervinha nas Repúblicas Platinas.
  2. 1850-1870: revogavam-se os tratados livre-cambistas, adotando-se o protecionismo; o Império enfrente a Inglaterra na Questão Christie e passa a intervir nas Repúblicas Platinas.

Tratado de Madri


Resumo do cap. 7 – O Tratado de Madri, do livro Bandeirantes e Diplomatas, de Synésio Sampaio Goes – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

Um Acordo Favorável a Portugal?

  • séc. XVI: colonização portuguesa dedicou-se à ocupação de pontos isolados na costa leste do Brasil e quando ocorreram as primeiras entradas.
  • séc. XVII: períodos das bandeiras paulistas (para o sul, oeste e Amazônia), primeiras missões de religiosos no Amazonas e afluentes.
  • séc. XVIII: mineração, monções para o MT, consolidação da presença portuguesa no norte da Amazônia e monções do norte (partindo de Belém).
  • 1750: marco na história do Brasil. Por quê?
  1. declínio da produção aurífera;
  2. morte de Dom João V;
  3. Portugal torna-se um estado de despotismo esclarecido, com Dom José I e o Marquês de Pombal;
  4. fim das bandeiras paulistas;
  5. assinatura do Tratado de Madri (1750).
  • Tratado de Madri: legalizou a posse do sul e oeste brasileiros e da área amazônica, que estavam à esquerda de Tordesilhas. Foi um tratado sem precedentes no direito internacional, possível graças à relação amigável entre os dois Estados envolvidos, ambos beneficiados pelo acordo. Houve uma compensação global, pois Portugal adquiriu territórios pertencentes à Espanha na América e a Espanha ficou com regiões portuguesas na Ásia (Filipinas).
  • Portugal possuía uma relativa superioridade em regiões disputadas.
  • Por que os portugueses ocuparam a Amazônia, ao invés dos espanhois?
  1. os espanhois estavam fixados nas montanhas andinas, de onde obtinham metais preciosos e outras riquezas oriundas da organização do império Inca, por eles conquistados. não haveria interesse em descer para a região Amazônica, hostil e pouco conhecida → inadaptabilidade física.
  2. os portugueses tinham posse de regiões estratégicas para entrar na planície Amazônica: SUL, trilhas feitas pelos bandeirantes e monções para o sul da bacia amazônica; NORTE, foz do Rio Amazonas estava sob a posse lusa, permitindo a penetração no território. Ainda, para defender a região de holandeses, franceses e ingleses, Portugal fundara a Capitania do Cabo Norte (hoje AP).
  3. o Tratado de Utrecht (1713) assegurou a posse da margem esquerda do Amazonas aos portugueses, negociada com a França, com a ajuda dos ingleses.
  4. relativa prosperidade econômica de Portugal, graças ao finalmente encontrado outro no Brasil (década de 1740).
  5. estabilidade política do reinado de D. João V, que propiciou prestígio internacional a Portugal.
A Obra de Alexandre de Gusmão
  • Alexandre de Gusmão, nascido em Santos, dotado de conhecimentos históricos e geográficos sobre o Brasil, atuou como Secretário del Rei, para D. João V e, em virtude da defasagem do Tratado de Tordesilhas (com as bandeiras e posse da Amazônia), agiu como advogado dos interesses brasileiros no século XVIII para a constituição do Tratado de Madri.
  • 1729: renascimento dos estudos geográficos sobre o Brasil – chegada de especialistas de várias nações europeias para elaborar um Novo Atlas do Brasil.
  • Havia um desnível de conhecimento cartográfico entre Portugal e Espanha, que pesaria nas negociações do Tratado de Madri. Portugal tomava a dianteira, solicitando estudos sobre o quanto havia ultrapassado a linha de Tordesilhas no oeste.
  • A Espanha não reagiu efetivamente à implantação da Capitania de Mato Grosso (1748) e à consequente fixação luso-brasileira na região. Sua única ação foi elaborar planos a partir de missões jesuíticas próximas ao Rio Paraguai e Guaporé, pois estava satisfeita com suas possessões ultramarinas (quase toda a América do Sul, além dos territórios na Ásia, tomados de Portugal). Preocupava-se mesmo era com a questão do Prata.
  • O Tratado de Tordesilhas deveria ser abandonado por ser indemarcável e por ambas as partes terem violado o acordo.
  • A solução – que viria através do Tratado de Madri – era uma negociação global baseada em duas regras: 1. uti possidetis (quem ocupa a região fica com ela) e 2. fronteiras naturais (ligado ao mito da “ilha Brasil”, que levaria a uma consonância com as fronteiras fluviais).
  • Portugal já estava preparado antes de 1750 (em grande parte graças a Gusmão) para negociar com a Espanha os limites do Brasil.
  • 1746: Fernando VI assume o trono espanhol (genro de D. João V).
  • O que os portugueses queriam com o novo tratado?
  1. abandonar o meridiano de Tordesilhas;
  2. “arredondar e segurar o país” (segundo Gusmão), baseado no utis possidetis;
  3. fronteiras deveriam ser rios/montes notáveis;
  4. Colônia de Sacramento: é portuguesa, mas poderia ser usada como moeda de troca para preservar territórios no oeste e Amazônia.
  • O que os espanhois queriam com o novo tratado?
  1. que Portugal abdicasse de suas posses nas Filipinas;
  2. conter o expansionismo português;
  3. boas relações com Portugal, para não atrair nações inimigas à Espanha;
  4. Colônia de Sacramento: consideravam trocar por um equivalente, porém se preocupavam com o controle da região, em virtude do forte contrabando das riquezas do Peru que por ali passavam;
  • No curso das negociações Os Sete Povos das Missões passaram a ser vistos como equivalente de troca pela Colônia de Sacramento.  
  • Alexandre de Gusmão enviava cartas e mapas, de seus estudos aqui no Brasil, para o negociador português na Espanha e, assim, foi-se delineando o futuro tratado.
  • Mapa das Cortes: desenhado por Gusmão, a área intra-Tordesilhas foi aumentada para dar a impressão de que as perdas para os espanhois eram menores do que na realidade foram. Foi, portanto, propositadamente alterado para fins diplomáticos.
  • Após a assinatura do Tratado, houve resistência de jesuítas e indígenas dos Sete Povos das Missões a migrarem – Guerra Guaranítica (1755-56).
  • Tratado de Madri (1750) foi uma obra de Alexandre de Gusmão e serve de base até hoje para definir os limites territoriais do Brasil. 
“A linha divisória é, assim, considerada como um todo, uma linha razoavelmente natural, em correspondência com a configuração da superfície.” – Brandt, geógrafo alemão
Os Tratados de El Pardo, Santo Ildefonso e Badajós
  • Motivos que levaram à anulação do Tratado de Madri: 1. Guerras Guaraníticas; 2. dificuldades de demarcação no norte; 3. ascensão de Marquês de Pombal como Primeiro-Ministro de Portugal, pois ele era contrário à cessão da Colônia de Sacramento.
  • Tratado de El Pardo (1761): anula, cancela e cassa o Tratado de Madri e os atos decorrentes dele. Significou uma pausa para um cenário mais propício à assinatura de um tratado melhor para as partes envolvidas.
  • 1777: ascensão de D. Maria I ao trono português, anti-pombalina.
  • Tratado de Santo Ildefonso (1777): tratado preliminar de limites entre Portugal e Espanha, conservando as fronteiras oeste e norte do Brasil obtidas com o Tratado de Madri, mas deixava os Sete Povos para a Espanha.
  • ao encerrar o século XVIII ainda não se tinha demarcado as fronteiras da Amazônia, ficando a mercê do mais ousado (Portugal).
  • Guerra de 1801 (Guerra de las Naranjas): Portugal x França + Espanha. Termina com a assinatura do Tratado de Paz de Badajós.
  • Tratado de Badajós (1801): os Sete Povos das Missões e outras regiões amazônicas que não constavam em Ildefonso passam para o domínio português, porém a Espanha mantém o território de Olivença, invadido no início da guerra. Muitos historiadores hispanico-americanos não reconhecem Badajós, mas Ildefonso como  último tratado assinado entre as duas coroas na questão.

A Amazônia no Final da Colônia

  • Com Pombal, os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759.
  • A política pombalina para a Amazônia consistia em valorizar o índio, usando-o como mão-de-obra do Estado, ensiná-los português e promover a miscigenação. Foi o período de maior interesse pela região.
  • 1755: criação da Companhia de Comércio Grão-Pará e Maranhão, importante para a economia amazônica.
  • Construção de diversos fortes com localização estratégica para defesa das fronteiras: Macapá, São Joaquim e Príncipe da Beira.

Política Interna e Política Externa


Resumo do cap. 12 do livro Por Uma História Política, de René Rémond – Política Externa Brasileira I – Prof. André Reis da Silva

  • duas correntes:
  1. a da história política propriamente dita (Aron, Merle): analisavam as escolhas de política interna e as que se supõem ligadas aos assuntos externos.
  2. a das relações internacionais contemporâneas (Renouvin, Duroselle): consideravam a política interna dos Estados como uma das principais explicações para o jogo internacional.
  • questões apresentadas ao historiador político sobre política externa e relações com os assuntos internos:
  1. a política externa constitui uma categoria distinta e autônoma?  – alguns teóricos fazem uma distinção entre “assuntos de dentro” e “assuntos de fora”, com primazia dos assuntos internos, por questão de soberania; – outros (como Aron) vão mais além e reforçam a dicotomia política externa x interna, de forma análoga à oposição social compatriota x estrangeiro; – alguns, ainda, recusam essa dicotomia, como Hoffmann, que aponta as semelhanças entre as duas políticas, Duroselle, que, ao mesmo tempo que recusa a oposição dentro x fora e reconhece que não há clivagens herméticas (que assuntos internos estão ligados aos externos e vice-versa, embora existam alguns atos “puros” de uma política ou outra). em suma, há uma primazia do interno, mesmo alguns teóricos considerando ou não a relação entre as duas esferas.
  2. prevalecendo o interno sobre o externo, a política externa é orientada em torno dele? – a) injunções de tempo longo: considera fatores como demografia, economia, ideologias internas, aspectos sociais, culturais e históricos do país (principalmente a questão de “identidade nacional”), os quais repercutem na abordagem externa (França e EUA são exemplos dessa orientação na política externa). A questão da identidade choca-se com os interesses de certas elites internas, quando estas pretendem invocar modelos externos de sucesso (ex.: Itália implantou o modelo alemão na reunificação, mas durante o período de Mussolini, voltou a ouvir as elites internas tradicionais, “aburguesando” o fascismo e entrando na II Guerra ).  Os países socialistas e do Terceiro Mundo, principalmente, foram acometidos por disputas internas sobre a adoção de modelo X ou Y (URSS, China, países islâmicos), em que a ideologia, utilizada pelos grupos dirigentes para perpetuar e reproduzir determinado modelo, torna-se um dos principais aspectos da relação entre o interno e o externo. Ainda, pode-se justificar a opção pela “primazia” da política externa como forma de se obter consenso entre opinião pública, elites divergentes etc e preservar a ordem social, favorecendo a unidade da nação (ex.: política externa de De Gaulle). – b) a influência da política interna sobre a externa é percebida em vários níveis no curto prazo: 1º nível) das grandes famílias políticas, que têm sua própria concepção de política externa e que contribuem para a elaboração das escolhas políticas internas; 2º nível) dos grupos de pressão parlamentares: geralmente não coincidem com os interesses dos governos, exceto quando o grupo dirigente (Executivo) possui autonomia suficiente para realizar seus projetos internacionais; 3º nível) do ambiente: significa que os condutores da política externa de um país analisam a conjuntura interna em suas tomadas de decisões.
  3. como as injunções externas e outros elementos das relações internacionais podem interferir na política interna? – primeiramente através da geopolítica, onde certos dados geográficos repercutem na ordem interna (posição bastante dogmática); – o estado do sistema internacional (conjuntura) pode alterar as opções de política interna, seja por uma tendência a determinada corrente, seja por um acontecimento recente que afeta a dinâmica doméstica.

Integração Regional

Resumo do cap. 5 do livro Organizações Regionais, de Monica Herz & Andrea Ribeiro Hoffmann  – Relações Internacionais Contemporâneas – Prof. José Miguel Quedi Martins

  • Integração regional envolve:
  1. integração: processo ao longo do qual atores (governamentais, não-governamentais, nacionais, subnacionais, transnacionais) unificam-se em um determinado nível.
  2. região: definida por critérios econômicos, sócio-culturais, político-institucionais, climáticos etc; remete imediatamente à localidade territorial em que o processo integracionista ocorre (geográfica).
A integração regional é um processo dinâmico de intensificação e abrangência das relações entre atores, levando à criação de novas formas de governança político-institucionais de escopo regional.”  (HERZ & HOFFMANN, 2004, p.168).
  • A criação de uma organização de integração regional envolve a assinatura de um documento básico constituinte e a determinação de uma sede com secretariado permanente.
  • Acordos de integração regional não necessitam estabelecer organizações regionais com sedes permanentes para administrar suas atividades.
  • Regionalismo é um termo designado para definir o surgimento concomitante de acordos de integração econômica e organizações regionais funcionais, de segurança e de integração regional.
  • Duas ondas de regionalismo:  1ª) pós-guerra: até a década de 1970; 2ª) pós-Guerra Fria.
TIPOS DE INTEGRAÇÃO REGIONAL
  • Área de Livre Comércio – ALC (Free Trade Area): tarifas comerciais entre membros são eliminadas, mas cada um pode possuir tarifas comerciais diferentes com países externos à área.
  • União Aduaneira – UA (Customs Union): área de livre comércio com tarifa externa comum (TEC).
  • Mercado Comum – MC (Common Market): além da TEC, promove também a harmonização da política comercial e livre circulação de serviços, capitais e pessoas.
  • União Monetária – UM (Monetary Union): além do MC, há uma moeda comum e harmonização da política econômica, fiscal e monetária.
ONDAS DE REGIONALISMO
  • Primeira Onda de Regionalismo (1944-1970): em termos de segurança, foi influenciada pela estratégia americana de contenção do comunismo, com a criação da OTAN e da SEATO (Southeast Asia Treaty Organization); em termos econômicos, ficou conhecida como regionalismo fechado, pois os países menos desenvolvidos, que não podiam competir com os mais industrializados, decidiram agrupar-se entre si para se tornarem mais competitivos no plano internacional (influência das ideias da CEPAL e UNCTAD).
  • Segunda Onda de Regionalismo (1989-…): conhecida como nova onda de regionalismo, marcada pela intensificação da globalização, levando a um regionalismo aberto, visto como etapa intermediária à liberalização multilateral; em termos de segurança, as organizações regionais eram vistas como complementares aos esforços do nível multilateral (UNSC).
INTEGRAÇÃO REGIONAL NA EUROPA: A UNIÃO EUROPEIA
  • A ideia de integração do continente europeu remonta ao século XIX (Saint-Simon, Mazzini, Pierre Leroux, Frédéric Bastiat, Proudhon etc).
  • No final da I Guerra, através da Liga das Nações, as ideias integracionistas foram retomadas, mas interrompidas pelas divergências que levaram à II Guerra.
  • 1944: criação da BENELUX (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), que constituía uma UA.
  • 1947: Plano Marshall incluía entre seus requisitos a cooperação entre os Estados europeus.
  • 1948: criação da Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OECE), entre os países receptores da ajuda do Plano Marshall, para facilitar a cooperação entre eles.
  • 1948: através do Tratado de Bruxelas, criou-se a União Ocidental (depois, União da Europa Ocidental – WEU), visando à cooperação econômica, social e cultural, além de um artigo de defesa coletiva. Membros: BENELUX + Reino Unido + França.
  • Movimento Europeu: havia consenso sobre a institucionalização da integração regional, mas divergências quanto ao tipo de integração (intergovernamental, supranacional etc).
  • 1949: criação do Conselho da Europa (CdE), excluindo questões de defesa. Membros: BENELUX + Itália + Irlanda + Dinamarca + Noruega + Suécia. Sede: Estrasburgo, França.
  • 1950: Plano Schuman, que previa a criação de um mercado comum setorial (para o carvão e o aço). Para a França, o Plano conciliava interesses nacionais (acesso francês aos recursos alemães da região do Ruhr) e europeus (era conciliador, pois resolvia a “Questão da Alemanha” e contribuía para a integração).
  • 1951: criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), graças à declaração de 9 de Maio de 1950, por Schuman. Membros: BENELUX + Alemanha Ocidental + França + Itália. Principal instituição: Alta Autoridade.
  • 1952: tentativa de cooperação na área de segurança através do Plano Pleven, que previa a construção da Comunidade Europeia de Defesa (CED), porém fracassou pela questão do rearmamento da Alemanha, sobre o qual a população francesa era contra. Ademais, o Reino Unido retirou-se das discussões por não estar interessado em cooperar na área de segurança e por ser contra o supranacionalismo.
  • 1954: WU passa a ser WEU, composta por  países do BENELUX + Itália + França + Alemanha Ocidental + Reino Unido.
  • 1956: aprofundamento do processo de integração, através dos Tratados de Roma, que previam a criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE ou CE) e da Euratom, ambos assinados no ano seguinte.
  • Tanto a CEE quanto a Euratom seguiram instituições já utilizadas na CECA: Conselho de Ministros (intergovernamental) e Comissão (supranacional, substituíndo a Alta Autoridade).  No âmbito legislativo criou-se uma Assembleia e, no jurídico, a Corte Europeia de Justiça (CEJ), ambas válidas paras as 3 organizações.
  • Principal êxito da CEE: Política Agrícola Comum (PAC), proposta francesa, com o objetivo de criar um mercado agrícola comum, baseado na garantia de preços através de subsídios concedidos pela Comunidade.
  • 1961: De Gaulle apresenta o Plano Fouchet, propondo uma confederação intergovernamental, independente dos EUA, inclusive na área de defesa e segurança.
  • Divergências entre De Gaulle e Reino Unido com relação à CAP e ao projeto integracionista levaram primeiramente à França vetar a entrada do Reino Unido na CE e, além disso, abster-se das reuniões – Crise da Cadeira Vazia (1965).
  • 1969: De Gaulle renuncia à presidência da França, dando lugar a George Pompidou.
  • 1969: Plano Werner – projeto de integração monetária e apoio à expansão da CE.
  • 1973: adesão da Dinamarca, Irlanda e Reino Unido.
  • 1981: adesão da Grécia.
  • 1986: adesão de Portugal e Espanha.
  • 1986: Ato Único Europeu – diante da estagnação das negociações, em virtude da conjuntura desfavorável (fim do sistema Bretton Woods, desvalorização do dólar, crises do petróleo, recessão, desemprego na Europa), a CE estipulou metas para concluir o mercado comum até 1993.
  • 1989: queda do Muro de Berlim.
  • 1990: reunificação da Alemanha.
  • 1991: dissolução da URSS.1992: assinatura do Tratado de Maastricht, que criaria a UE no ano seguinte. O tratado previa a criação de 3 pilares institucionais: 1) comunitário: competências exclusivas (membros perderam capacidade de formular e implementar políticas nacionais) e competências não-exclusivas da Comunidade (membros ainda podem formular e implementar certas políticas); 2) cooperação em política externa e segurança comum: intergovernamental; 3) questões policiais/judiciais internas (imigração, asilo, política sobre drogas, terrorismo, etc).
  • 1995: criação do Acordo Schengen, reconhecido pelo Tratado de Amsterdam (1997), que significou uma zona de livre-circulação de pessoas entre os signatários. Integrantes (atualmente): Áustria, República Tcheca, Bélgica, Holanda, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Islândia, Itália, Hungria, Látvia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Polônia, Portugal, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia e Suíça.

Instituições da União Europeia (este parágrafo foi retirado do livro The European Union: How Does It Work?, de BOMBERG, Elizabeth et al., por eu não ter considerada clara ou suficientemente atual a definição da autora do texto em estudo)

  1. COMISSÃO EUROPEIA:  híbrido entre executivo (Colégio de Comissários, ou Comissão executiva) e burocracia (Comissão administrativa); inicia políticas e representa o interesse geral da UE; age como guardiã dos tratados; garante a correta aplicação da legislação da UE; encarrega-se das negociações comerciais internacionais da UE e de acordos de cooperação; controla políticas de competição (tem poder de vetar fusões de empresas europeias, mesmo que com estrangeiras, por exemplo). A Comissão Executiva é composta por um presidente (nomeado pelos governos nacionais e aprovado pelo Parlamento europeu + 27 Comissários (indicados por cada país-membro da UE). Cada comissário possui um Gabinete (staff privado, composto de conselheiros) e é responsável por um ou mais Diretórios Gerais (DGs), que seriam departamentos ligados ao portfolio ao qual o comissário pertence (agricultura, competição, meio ambiente etc). Os DGs equivalem ao que seriam Ministros no plano nacional. Problemas enfrentados: número escassos de funcionários para tamanha demanda e a questão das traduções de toda a documentação. Localização da Comissão Europeia: Bruxelas, Bélgica. 
  2. CONSELHO DA UE (Conselho de Ministros): corpo de tomada de decisões primárias da UE; representa os interesses dos governos nacionais que englobam a UE; sozinho ou com o Parlamento, decide quais legislações são adotadas e de forma, por isso se diz que compartilha a função Legislativa com o PE (Parlamento Europeu). O Conselho tem 9 configurações diferentes: Assuntos Gerais e Relações Externas; Assuntos Econômicos e Financeiros; Justiça e Assuntos Internos; Competitividade; Transportes, Telecomunicações e Energia; Agricultura e Pesca; Ambiente; Educação, Juventude e Cultura; Emprego, Políticas Sociais, Saúde e Consumidores.  Os trabalhos do Conselho são preparados por delegações nacionais que compõem o Coreper ( Comité des Représentants Permanents), espécie de embaixadas dos ministros de cada país em Bruxelas (há 27).  Os coreper’s também auxiliam os Ministros a tomarem as melhores decisões possíveis. O Conselho também dispõem de um Secretariado (cerca de 3 mil oficiais), que realiza funções tradicionais porém importantes para que os compromissos entre os membros sejam firmados. A presidência do Conselho dura 6 meses e é rotativa entre os Estados membros; o Presidente é o responsável por coordenar toda a política externa da UE. As decisões no Conselho são, em sua maioria, tomadas através do sistema QMV (Qualified Majority Voting), o que significa que países mais populosos tem maior peso nas votações. Assuntos delicados (considerados sensíveis à União), como questões fiscais, constitucionais etc exigem unanimidade para serem aprovados. Localização: Bruxelas, Bélgica (Edifício Justus Lipsius).
  3. CONSELHO EUROPEU (dos Chefes de Estado e de Governo): foi criado em 1970 para realizar conversações informais entre os chefes de Estado/governo dos Estados membros. Atualmente, integra o complexo sistema do Conselho da UE, atuando em  situações que não puderam ser resolvidas pelo sistema normal. Reúne-se 4 vezes ao ano, nas chamadas cúpulas, que ocorriam até 2001 no país do Presidente vigente no Conselho e, agora, acontecem no edifício Justus Lipsius, na Bélgica.  Este conselho não emite decisões formais, apenas declarações, que precisam ser aprovadas por unanimidade.
  4. PARLAMENTO EUROPEU: é a única instituição da UE em que os componentes são eleitos diretamente pela população dos Estados membros; possui 785 membros eleitos a cada 5 anos nos 27 países integrantes da União; os parlamentares se organizam em grupos políticos (não em blocos nacionais), representando cerca de 200 partidos nacionais; os poderes do Parlamento são divididos em três linhas: fiscalizadora (de controle), legislativa e orçamentária. O PE exerce supervisão/controle sobre a Comissão e o Conselho, através do seu direito de questionar, examinar e debater os relatórios produzidos por aquelas instituições.  O seu poder sobre o Conselho é fraco, exceto em questões de aprovação de novos membros na UE, mas possui notável influência sobre a Comissão, pois é o Parlamento que aprova o candidato do Conselho para ser presidente da Comissão Europeia.  Os poderes legislativos do PE, desde Maastricht, compreendem 1) Procedimento de Consulta: a Comissão submete uma proposta ao Conselho, que é obrigado a consultar a opinião do Parlamento; 2) Procedimento de Cooperação: pode rejeitar determinada legislação, embora isso possa ser indeferido pelo Conselho (ocorre em assuntos econômicos e da união monetária); 3) Procedimento de Co-decisão: compartilha responsabilidade legal pela Legislação europeia com o Conselho de Ministros; 4) Procedimento de Consentimento:  usado para o PE aprovar a maioria das decisões relacionadas a tratados internacionais, alargamento da UE, etc. Localização: Estrasburgo (França) e Bruxelas (Bélgica). 
  5. CORTE EUROPEIA DE JUSTIÇA: composta por 27 juízes (um de cada Estado membro) + 8 Procuradores Gerais. O papel da CEJ é garantir que, na interpretação e aplicação dos tratados, a lei seja observada, além de constituir um árbitro final nas disputas entre as instituições da UE e entre instituições e Estados membros. É, ainda, responsável por garantir que as instituições não ultrapassem o poder a que elas foi designado. O direito comunitário desenvolvido pela CEJ contribuiu para o processo de integração, devido ao estabelecimento da doutrina do efeito direto, por exemplo, que garante a aplicação imediata  das leis criadas pela UE em territórios nacionais, o que, na prática, estabelece a supremacia do direito da UE sobre os nacionais. O relacionamento entre a Corte os três pilares da UE (Comissão, Conselho e Parlamento) se altera através e entre as instituições, por relações de poder, o que leva à conclusão de que o poder da CEJ é limitado. Localização: Luxemburgo. 

A Geopolítica da Mudança Climática

Resumo do capítulo 9 do livro A Política da Mudança Climática, de Anthony Giddens – Relações Internacionais Contemporâneas – Prof. José Miguel Quedi Martins

  • RIs e as mudanças climáticas: 1) acordos internacionais para conter emissões; e, 2) implicações da alteração do clima para a geopolítica.
  • Manifestações de mudanças climáticas têm levado a conflitos de interesses e atritos internacionais. Exemplo: o derretimento do Ártico, agora disputado pela navegação.
  • Questões ligadas às mudanças climáticas aliadas à disputa por energia podem comprometer a segurança internacional, especialmente quando Estados/grupos de Estados exploram essas alterações para seus próprios fins regionais. Exemplos:
  1. tentativa de preservação ou conquista de poder em lutas internas através de tensões induzidas pelas mudanças climáticas;
  2. atacar um país enfraquecido pelas consequências das alterações do clima;
  3. proliferação de conflitos armados, pela busca do controle de recursos naturais cada vez mais escassos e dos conflitos de subsistência (exemplo de Darfur).
  • Darfur é considerada a primeira guerra da mudança climática, pois o ressecamento do lago Chade gerou a migração que levou ao conflito.
  • Estados Axiais: nações que exercem influência significativa sobre toda uma região, como Brasil, México, África do Sul, Nigéria, Egito, Paquistão e Coreia do Sul. Quando estáveis, são apaziguadores; quando em dificuldades, afetam toda a área circundante a eles.
  • Os EUA têm focado seu planejamento estratégico e militar na competição pelos recursos naturais e, por isso, observam atentamente as incursões geopolíticas chinesa e russa nessa área. Essa estratégia está baseada em uma visão pessimista acerca da futura disponibilidade de recursos vitais.
  • Dentro dessa estratégia, os EUA impulsionaram um retorno ao investimento no poderio naval, pois 75% do petróleo é transportado por rotas marítimas.
  • As bases militares americanas migraram para o Leste Europeu, centro da Europa, centro e SO da Ásia e algumas regiões da África, locais estes onde se encontram 3/4 das reservas mundiais de petróleo e gás natural, além de quantias de urânio, cobre e cobalto.
  • A China está envolvida no Sudão, na África Setentrional, Angola, Chade e Nigéria, fornecendo equipamentos militares para essas regiões.
  • Rússia e China, através SCO (Shangai Cooperation Organisation), tem contrabalanceado a OTAN no centro e leste da Ásia, pois muitos dos membros dessa organização são regiões ricas em recursos naturais. Exemplo: Cazaquistão e demais “tãos”.
Uma Comunidade Mundial Ilusória?
  •  O cenário pós-Guerra Fria revelou-se uma utopia, pois a crença em uma multipolaridade, onde haveria cooperação entre os países através do reforço das instituições internacionais está retrocedendo.
  • O que se verifica é uma espécie de retorno a um tipo de nacionalismo autoritário, protagonizado pela China e pela Rússia e seguido pelas nações ricas em petróleo.
  • Uma ordem mundial baseada nas OIs e na colaboração entre os países não passa de um sonho, para Robert Kagan, pois o que se verifica na prática são Estados nacionais fortes, nações que competem entre si, rivalidades entre as potências e disputas por recursos energéticos.
  • Reemergiram os conflitos liberalismo x autocracia e islamismo radical x democracia.
  • A União Europeia foi a líder nesse movimento de mudança de postura global, através da interdependência econômica e cooperação entre as nações. Chegou, inclusive, a reduzir gastos militares, crente no poder de seu projeto em detrimento do poder da força armada, que tanto assombrou a Europa em outras épocas.
  • Por que o modelo implantado pela UE não poderia ser reproduzido em outras regiões?
  1. as associações criadas em diferentes partes do mundo (Nafta, Mercosul, ASEAN) mantiveram-se apenas como grupos soltos de comércio.
  2. a Rússia tratou de fechar acordos bilaterais e exercer forte influência sobre o Leste Europeu, jogando com a questão energética, o que tornou a UE suscetível.
  • Extinção da comunidade internacional (Kagan): fracasso da ONU e demais OIs, motivado pela rivalidade entre autocracias e democracias aliada à disputa por energia.
  • Solução: criação de um Concerto de Democracias, de caráter intervencionista, reunindo países democráticos (desenvolvidos e em desenvolvimento).
  • Os países autocráticos (Rússia, China e outros) têm problemas de legitimidade; os democráticos, por sua vez, não poderão exercer influência apenas por seus valores e ideias.
  • A análise de Kagan importa para os problemas de segurança energética e da mudança climática, pois as grandes potências que agem de maneira tradicional certamente entrarão em batalhas por recursos naturais, gerando conflitos. Esses conflitos poderão se acentuar, principalmente se envolverem países com potencial nuclear.
  • A ONU poderia ser um árbitro para resolver esses conflitos, que, na verdade, ela deveria ajudar a evitar. Porém os países continuam acreditando na ONU, por falta de uma alternativa melhor.
  • A comunidade internacional não é ilusória, pois atualmente há uma interdependência entre os países nunca antes vista e a ONU e demais organismos internacionais desempenham papel essencial na coordenação dessas relações.
  • Analisando historicamente, a ONU obteve mais sucessos (ECO-92, intervenções humanitárias, gestão de conflitos) que fracassos (questão da Bósnia e Ruanda, por exemplo).
  • Há um novo cenário atualmente, onde o próprio conceito de soberania se alterou e, por isso, as nações agem de uma forma diferente da do pós-guerra.
  • Bush tentou reintroduzir o mundo esboçado por Kagan, onde o que importa é o poder e no qual os EUA preponderam esse exercício de poder, ignorando a ONU e demais OIs e também a mudança climática.
  • O que se conclui é que os EUA, agindo como pretendia Bush (unilateralmente), não foi capaz de atingir seus objetivos: fracasso nas intervenções no Oriente Médio (mesmo com ajuda de aliados) e capacidade restrita de influenciar o mercado mundial.
  • Kagan, porém, está certo ao considerar as rivalidades entre as nações que decorreriam de uma possível colaboração internacional para conter as mudanças climáticas.

A Teoria Psicológica do Comportamento Eleitoral: o Modelo Michigan de Decisão

Resumo do capítulo 1 do livro A Decisão do Voto – Democracia e Racionalidade, de Marcus Faria Figueiredo – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luis Gustavo Grohmann

Modelo Michigan

  • Indivíduos semelhantes, do ponto de vista social e de atitudes, tendem a ter comportamentos políticos semelhantes, independentemente de contextos históricos → Ci = f (Ai, Si)
  • Ci = comportamento político dos indivíduos
  • Ai = atitudes políticas dos indivíduos = fazem parte da psicologia humana, são integradas ao sistema político através de um sistema de personalidades e se consolidam através da socialização política
  • Si = ambiente social em que ocorre a socialização política = ambiente de construção de personalidade, geralmente a família (onde se forma ou não opinião política)
  • A teoria psicológica do comportamento eleitoral, através do Modelo Michigan, baseia-se em um método indutivo (generalização) – coleta de dados comportamentais particulares que são aplicados ao comportamento político geral + análise das motivações psicológicas destes indivíduos observados.
  • Si é determinado por um conjunto de atitudes expostas pelos outros (influência do meio) → Si = f [Cj = g(Aj, Sj)], onde Cj é o comportamento político dos indíviduos que influenciam, Aj são as atitudes dos indivíduos do meio “influenciador” e Sj é o próprio ambiente que influencia.
  • Logo, Ci = f [Ai, Cj(Aj, Sj)], ou seja, é um ciclo de influências que tem poder de alterar o comportamento político de indivíduos, que, por sua vez, também são influenciados por outros dentro de um mesmo ambiente social, mas não necessariamente o mesmo ambiente geográfico/temporal.
  • Portanto:

“O comportamento dos indivíduos é função da interação das atitudes a que esses indivíduos estão sujeitos em suas experiências sociais e políticas.”

  • o grau de interesse pela política vai estar associado diretamente a Aij e Sij, ou seja, pela intensidade de reação aos estímulos políticos (atitude política, que é individual) e a importância da política no seu ambiente (influência do ambiente social).
  • pessoas em ambientes sociais semelhantes têm comportamentos políticos parecidos, assim como pessoas em ambientes sociais díspares têm comportamentos políticos distintos.
  • a condição social dos indivíduos não tem influência no comportamento político destes, mas sim o sistema de atitudes compartilhado por indivíduos com características demográficas semelhantes é que permite esta análise (sistema atitudinal).

Teoria da Crença de Massa

  • Philipe Converse: o que une as ligações psicológicas individuais com as ações políticas são variáveis endógenas (sistema de crenças políticas) desenvolvidas pelo público e isso tudo depende da capacidade de compreensão da política. Assim, para entendermos/prevermos o comportamento eleitoral, é preciso interpretar as inter-relações entre atitudes e opiniões que podem ser manifestadas pelo povo.
  • A previsibilidade do comportamento político, segundo Converse, só é aplicável à porção altamente politizada da sociedade (aproximadamente 15% nos PD’s); a maior parte do eleitorado age segundo suas próprias convicções, o que não permite muita previsão acerca de seu comportamento político.
  • Converse estabelece dois métodos para solucionar essa falta de previsibilidade da parte não-politizada da sociedade:
  1. Grau de centralidade: elemento que endogenamente dá maior coerência aos níveis de conceituação; as questões relacionadas à política não são igualmente politizadas na sociedade; observam-se níveis de abrangência das questões públicas, conforme certos níveis de conceituação.
  2. Grau de motivação para a política: extremamente dinâmico; varia de acordo com os estímulos/situações; condicionam estabilidade (ou instabilidade) ao sistema atitudinal.
  • é uma condição necessária, segundo Converse, mas não suficiente, conhecer o campo ideológico dos indivíduos para prever seus comportamentos futuros.
  • opiniões contrárias ou favoráveis originam-se das motivações psicológicas (do campo atitudinal), que estão na base da formação de identidades, mas isso também não é suficiente para levar ao engajamento político ou à alienação.

Teoria da Alienação Política

  • Incorporada ao Modelo Michigan em fins dos anos 50 através da  via psicanalítica e da psicologia social; defensores: Robert Lane, Melvin Seeman, Joel Aberbach e Ada Finifter.

“Alienação Política implica mais do que desinteresse; ela implica rejeição, no sentido psicanalítico do termo ‘alienação’, mas não na versão marxista.” (LANE, 1962)

  • alienação política seria rejeição consciente de todo o sistema político, através da apatia → Síndrome das 3 Atitudes:
  1. Eu sou objeto e não sujeito da vida política (não tenho influência);
  2. O governo não cuida nem administra no meu interesse;
  3. Eu não aprovo o processo de tomada de decisões, as regras são injustas, ilegítimas e a Constituição parece fraudulenta.
  • Seeman apresenta um caráter multidimensional para o conceito de alienação:
  1. POWERLESSNESS: impotência do indivíduo frente ao sistema político
  2. MEANINGLESSNESS: ininteligibilidade (difícil de se compreender)
  3. NORMLESSNESS: anomia (descrença nas regras/leis do sistema)
  4. ISOLATION: isolamento
  5. SELF-ESTRANGEMENT: auto-alienação/auto-indiferença.
  • Aberbach e Finifter dividem o eleitorado entre não-alienados (engajados) e alienados (isolados), mas esse comportamento não é fixo para a determinação dos comportamentos futuros.
  • “Sentimentos de impotência política influenciam o comparecimento, mas não a escolha dos eleitores.” (ABERBACH)
  • Finifter identifica quatro fatores da alienação política:
  1. Political Powerlessness: impotência política, ou seja, eu não tenho influência alguma no que o governo faz.
  2. Political Meaninglessness: ininteligibilidade política, ou seja, as decisões políticas são imprevisíveis e não se vê sentido no rol de decisões.
  3. Political Normlessness: as normas são desrespeitadas pelos políticos.
  4. Political Isolation: rejeitar objetivos e normas políticas aceitos pela maioria da sociedade, votar é mera formalidade.
  • As dimensões 1 e 3 são as que melhor refletem a síndrome da alienação política e, analisando-as relacionadas com várias sociais, percebe-se que o grau de confiança das pessoas, a idade, a educação e a etnia influenciam sobre esses sentimentos.
  • grupos mais alienados (segundo Finifter): idosos, jovens, minorias sociais, pessoas com baixa escolaridade.
  • os sistemas políticos vão ser estáveis ou não, conforme o grau de pertencimento e de participação que as pessoas têm com relação a eles.
  • o sistema atitudinal, base para o comportamento dos indivíduos, tem dois níveis de profundidade:
  1. desenvolvimento de um sistema de crenças particulares, que orientam a formação de identidades (predisposição para agir em certa direção)
  2. desenvolvimento de um sistema atitudinal propriamente dito, que leva as pessoas a se situarem no continuum “engajamento-alienação” (predisposição para agir ou não).
  • os dois níveis apresentados por Finifter estão ligados por forças psicológicas interativas.
  • Assim, após a incorporação dos preceitos de Converse, Lane, Seeman, Aberbach e Finifter, podemos reformular a lei causal do comportamento dos indíviduos como: Ci = f (IPi, APi)
  • IPi = identidades políticas (pelo sistema de crenças)
  • APi = estado psicológico motivacional de aderência-alienação política
  • Ou seja, conhecendo os níveis de adesão-alienação e compreensão-identidade políticas do indivíduo, podemos prever comportamentos futuros; e, por indução, conhecendo as propensões comportamentais dos indivíduos, podemos prever o comportamento dos agregados sociais.

Por que os Indivíduos Votam: a Flutuação nas Taxas de Comparecimento

  • Eleitores assíduos: engajados, com alto grau de interesse político.
  • Eleitores periféricos: o engajamento depende de forças momentâneas.
  • Não-eleitores alienados: alienam-se e quase nada os motiva a participarem do processo eleitoral (no caso de países onde o voto não é obrigatório, isso implica comparecimento ou não nas eleições; onde o voto é obrigatório, pode ser refletido em votar nulo ou em branco).

“O comparecimento a uma eleição específica é basicamente uma questão de quantos entre os menos interessados são suficientemente estimulados pelas circunstâncias políticas momentâneas para fazerem o esforço de votar.” (CAMPBELL, 1967)

  • Ato de votar : Vti = f (IPi, APi, N)
  • IPi = grau de identidade político-partidária
  • APi = grau de engajamento/alienação
  • N = fatores momentâneos
  • Taxa de comparecimento/abstenção :  TxC = f (IP, AP, N)
  • Temos, portanto, 2 fatores endógenos (IP e AP) e 1 fator exógeno (N). Este último vai motivar ou não o indíviduo a participar de uma eleição específica.
  • Normal Vote: proporção de votos estimável a partir do conhecimento das variáveis identificação e envolvimento político – Converse:
  1. respostas a forças momentâneas variam inversamente com o grau de identificação partidária
  2. respostas a forças momentâneas variam inversamente com o nível de envolvimento político.
  • a identificação partidária origina-se de uma adesão psicológica aos partidos existentes, o que confere estabilidade ou não ao comportamento, pois os partidos funcionariam como catalisadores da síndrome adesão-alienação.
  • indivíduos engajados politicamente posicionam-se no espectro político-partidário mais facilmente que os demais (posição política mais rígida)
  • indivíduos menos envolvidos respondem mais rapidamente a estímulos de campanhas políticas (posição política extremamente variável)
  • por esta razão, um gráfico das respostas a forças momentâneas e participação eleitoral seria uma curva exponencial decrescente.

A Decisão do Voto no Modelo Michigan

  • Funnel Causality Analogy: a decisão final dos eleitores é produto de um complexo feixe de causalidades.
  • No nível mais amplo estariam as influências originárias: nível educacional, idade, posição de classe, origens étnicas, religiosas e demográficas e conformações institucionais (do sistema partidário). Estas influências são inseridas na socialização política, através do campo atitudinal.
  • A variável classe social é pouco considerada, por estar associada à educação, que se torna variável-chave para a formação dos níveis de conceituação da política.
  • No entanto, a relação entre classe social e identidade partidária pode ser mais intensa quando os partidos políticos têm ligações históricas com determinadas classes.
  • Os fatores sociológicos têm influência variável na orientação da opção partidária dos indivíduos.
  • Os efeitos das variáveis sociológicas manifestam-se indiretamente através da adesão partidária.
  • O indivíduo é (ou não) atraído psicologicamente pelos elementos centrais do processo político (partidos e candidatos), ou seja, a relação eleitor-candidato é de empatia.
  • O grau de fidelidade partidária dos eleitores é desafiado pelas forças mobilizadoras durante as campanhas e é o que vai comandar a direção do voto.
  • Eleições normais (não-estimulantes): os votos seguem a distribuição das identidades partidárias.
  • Eleições atípicas (estimulantes): maior grau de infidelidade partidária e concentração maior de não-identificados numa certa direção.
  • Por que os eleitores fiéis respondem menos aos apelos das forças mobilizadoras de uma campanha? A resposta está nos fatores psicológicos que formam o campo atitudinal desse eleitorado, ou seja, no mapeamento das transferências das motivações psicológicas na relação indivíduo-partido. Assim, tal comportamento segue a mesma lógica do comparecimento para votar (os menos engajados são mais influenciados que os engajados politicamente).
  • Para a teoria psicológica do voto, a participação e a volatilidade eleitorais são função da distribuição do grau de adesão-alienação política e partidária na sociedade e o peso desses últimos é determinado por fatores ad hoc. Logo, pela analise do que orienta os indivíduos no mundo político, pode-se prever suas reações à atração política e seus comportamentos eleitorais.

Sobre a Burocracia e as Elites

1. O Problema e as Teorias das Elites

  • As teorias das elites abordam dois problemas:
  1. O da classe politicamente dominante – nem sempre se pode considerar que a classe política é dominante economicamente, devido às transformações do sistema capitalista, segundo as teorias das elites.
  2. O do aparelho de Estado e da burocracia – há uma concentração de todas as funções políticas na classe econômico-politicamente dominante, segundo as teorias das elites, mas, para Poulantzas, o fundamento do poder político está dentro do aparelho de Estado e a burocracia (para as teorias) pode ser vista como relativamente autônoma.
  • Fazendo referência a Wright Mills, a expressão “classe dominante” abarca dois conceitos – um econômico e um político – e não permite reconhecer autonomia suficiente à ordem política e aos seus agentes, nem diz nada sobre a ordem militar.
  • Para Poulantzas, esse “determinismo econômico” deve ser completado por um “determinismo político” e por um “determinismo militar”, cada um com um grau de autonomia.

Quais são as relações admitidas entre o grupo social que controla o aparelho de Estado (em particular a burocracia) e as outras elites políticas?

A) Pluralidade das elites políticas ou classes dirigentes: impede a afirmação de que há luta de classes, pois se fossem coesas então se estaria afirmando que há sim uma classe dominante (que domina outra – a dominada). Segundo Aron, são plurais porque representam um conjunto de interesses de grupos sociais divergentes pluralmente mas integrados somente no conjunto social (para fins de poder político). Para Poulantzas isso é excessivo, pois ao aparelho de Estado (à burocracia) é atribuído um poder político próprio, que é partilhado.

B) Unidade das elites políticas: nos dá a noção de classe política; foi estabelecida, por Mosca, por exemplo, como resultado da influência do poder político institucionalizado, sendo a burocracia uma elite entre outras. Por Burnham, como unificadas através de uma tecnoburocracia dos dirigentes, a qual controla a produção, promove separação da propriedade do controle das grandes empresas ou pela participação no aparelho do Estado. Por Weber, a unidade é relacionada à dominância, sobre as outras elites, da elite que detém o poder baseado no próprio controle do aparelho do Estado. O principal erro em todas essas tentativas de teorias foi, para Poulantzas, não fornecerem explicação para o fundamento do poder político e assim acabaram simplesmente constatando a unidade das elites através de uma concepção marxista deformada, tampouco examinam o funcionamento próprio da burocracia.

2. A Posição Marxista e a Questão da Atribuição de Classe do Aparelho de Estado

  • A concepção marxista rigorosa não afirma de forma alguma que o conceito de classe dominante concentra diversas funções políticas nas mãos dos próprios membros de uma classe.
  • A burocracia, em primeiro lugar, põem para funcionar as instituições do poder político, mas isso não significa que ela seja um prolongamento deste ou seja formada por membros da classe detentora do poder.
  • Burocracia é uma categoria específica dentro do aparelho de Estado, formada por classes ou frações de classe de onde provém os membros da administração.
  • Burocracia não é uma classe tampouco uma fração de classe.
  • Burocracia pode ser constituída por cúpulas da classe dominante ou de frações de classes do mesmo tipo, mas isso não significa que ela vai ser um bloco hegemônico de poder. Neste caso, a burocracia vai ter autonomia relativa, graças à mediação do Estado, único que detém poder político em seus aparelhos constitutivos.
  • Burocracia tem unidade política mas não poder de classe próprio.
  • Burocracia é o efeito de duas relações:  1) entre Estado e estruturas econômicas;  2) entre classes sociais e frações de classe.
  • Burocracia atribui categoria de classe (atribuição de classe) a frações da classe detentora, quando confere a estas frações (detentoras não-hegemônicas) poder para acessar o poder dentro do aparelho do Estado. Esse poder conferido não é poder político efetivo, é um meio para atingi-lo.
  • Segundo Gramsci, as camadas subalternas, a partir da atribuição de classe (pela burocracia) tornam-se extensão do aparelho burocrático de Estado pelas seguintes razões:
  1. Econômicas: a super-população necessita trabalhar e se submete ao funcionalismo público – quer ocupar cargos para não morrer de fome.
  2. Políticas: a extensão do aparelho burocrático permite que a classe dominante conquiste as subalternas.
  3. Ideológicas: as classes-apoio (subalternas) querem ascender socialmente, mesmo que se contentando em ficar nesse patamar inferior.
  • Burocracia é efeito da instância regional do Estado na formação social, o que explica a relação BUROCRACIA (categoria social) → CLASSES DA PEQUENA PRODUÇÃO (subalternas).

3. Estado Capitalista – Burocratismo – Burocracia

  • Burocratismo – sistema de organização particular do aparelho de Estado.
  • Análise weberiana:
  1. BUROCRATISMO: relação com o sistema capitalista se dá pela racionalidade formal, o que, para Poulantzas, é vago e restrito demais.
  2. BUROCRACIA: criadora do poder político moderno e responsável pelo desenvolvimento político. Essa concepção, segundo Poulantzas, combate a luta de classes.
  • Análise marxista clássica (Marx, Engels, Lenin e Gramsci):
  1. BUROCRACIA: caráter constitutivo do aparelho de Estado, considerada “corpo parasitário” pelas contradições entre essa categoria específica e a formação capitalista. As contradições são verificadas no funcionamento da burocracia com relação às classes sociais.
  2. BUROCRATISMO: sistema de organização do aparelho de Estado também com contradições, que estão no seio da ideologia política capitalista. Que contradições? a) legitimidade da democracia política  X  ideologia capitalista no funcionamento burocrático;  b) ideologia capitalista na burocracia  X  aspecto pequeno-burguês do funcionamento burocrático.
  • Como os marxistas clássicos referem-se apenas ao sistema capitalista, aí sim, admite Poulantzas, o fenômeno burocrático (burocratismo-burocracia) é especificamente um fenômeno político.

A Classe Dirigente

  • Em todas as sociedades há duas classes de pessoas:
  1. classe dirigente – menos numerosa, exerce todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens deste.
  2. classe dirigida – mais numerosa, controlada pela dirigente (legal, arbitrária ou violentamente), supre a classe dirigente através de meios de subsistência e submetendo-se ao poder daquela.
  • todo organismo político se organiza em torno de um ou mais líderes da classe dirigente (testa do Estado), que não necessariamente são os líderes máximos, como presidente, soberano, etc.
  • esses líderes da classe dirigente, que controlam por influência política as massas, podem ser primeiros-ministros, mordomos de paço ou um “simples” político.
  • as massas, através da pressão social, influenciam na política da classe dirigente.
  • o homem que está à frente da classe dirigente considera a pressão popular e governa de modo a impor respeito às suas ordens e às suas deliberações.
  • a classe dirigente possui estrutura variável, o que é chave para a determinação do tipo político e do estágio de civilização em que os povos se encontram: monarquia constitucional, monarquia absoluta, república etc.
  • a doutrina moderna considera que princípios democráticos, aristocráticos e monárquicos coexistem em todo organismo político.
Como as minorias governam a maioria?
  1. pela organização – são mais organizadas por serem menos numerosas.
  2. porque a maioria não é coesa em interesses (a minoria também não, mas pelo menos é mais coesa que a maioria).
  3. pela coordenação desses interesses – mais eficaz num grupo menor.
  4. por haver menores divergências internas.
  5. por serem constituídas de membros superiores em relação às massas – intelectual, material ou moralmente.
  • Um fator de relevância analisado ao longo da História é a superioridade militar, que abre facilmente acesso à classe dirigente. Isso ocorre frequentemente em sociedades primitivas ou em civilizações que recentemente entraram em estágio agrícola, como ocorreu na Polônia e na Rússia. Nestes dois casos a classe política era a própria classe militar.
  • A classe guerreira dirigente adquire quase que exclusivamente a posse de terras. Isso se verificou na Rússia, na Polônia, na Índia e na Europa medieval.
  • Com o desenvolvimento do capitalismo, a acumulação auferida da terra pelas classes dirigentes, em diferentes lugares, converteu-se em riqueza, o que passa a definir a partir de então quem pertence à classe dirigente – os ricos.
  • Para que a classe dirigente fosse determinada pelo poder econômico, era necessário que a propriedade privada estivesse bem garantida, através das leis, o que se verificou na transição do “Estado feudal” para o Estado burocrático.
  • Os meios de exercer influência social em todos os países são sempre de mais fácil acesso aos ricos que aos pobres.
  • Nas sociedades em que o fator religioso é muito forte, cria-se uma aristocracia clerical, que passa a deter uma parcela significativa da riqueza e do poder político. Exemplos: Egito antigo, Índia brâmane e Europa medieval.
  • Dentro da classe dirigente, através da experiência em dirigir organizações civis e militares, pode surgir uma aristocracia de funcionários, especializada na arte de governar. E o grau de domínio dessa arte é difícil de ser percebido, principalmente quando a pessoa não o demonstra.
  • A presença de castas hereditárias é outra característica de como se manifestam as classes governantes. Exemplos: China, Egito antigo, Índia, etc.
  • Todas as classes dirigentes, mesmo não tendo origem num modelo de castas, tendem a se tornar hereditárias, porque riqueza e valor militar (principais alicerces da dominação) são facilmente mantidos pela herança. Essa manutenção no poder por hereditariedade – inércia da força política – dificulta a democratização do acesso a estas classes por parte do resto da população.
  • Em se tratando de superioridade social, a superioridade intelectual não tem qualquer relação com a hereditariedade.
  • Mosca refuta a teoria evolucionária (hereditariedade orgânica ou etnológica) da dominação por parte da classe dirigente, pois se a seguíssemos a história política seria muito mais simples do que de fato se apresenta, já que simplesmente os descendentes de dirigentes  perpetuar-se-iam no comando (o que nem sempre acontece).
  • O que ocorre ao longo da história política é uma situação de constante alteração nas forças políticas, qual seja, processos de exosmose e endosmose entre classes altas e porções das baixas, em momentos de ascensão e declínio.
  • Quando as classes dirigentes declinam? No momento em que cessam as capacidades de subir (ou de pelo menos se manter) no poder, em virtude de uma superação por outrem daquilo que garantia o seu status de dirigente.
  • A sociedade humana é constituída por momentos em que produz classes dirigentes fechadas (inerciais) e outros em que há uma rápida substituição e organização de uma nova dominância.
  • A classe dirigente se mantém em hereditariedade, costumes e sob a protela das leis em sociedades mais fechadas, que passaram períodos de relativo isolamento ou crentes em seu próprio sistema. Exemplo: Baixo Império Romano, Índia após o Budismo, Europa medieval, etc.
  • Por outro lado, quando há um contato com outras civilizações (descobrimentos, comércio com povos estranhos, migrações forçadas) há a incorporação de novos elementos intelectuais, morais, técnicos, científicos, que colaboram para a destruição da classe dirigente em vigência a instauração de novas forças políticas. Exemplo: Europa após o século XV e, consequentemente, África e América.
  • A rápida reestruturação de classes dirigentes é um fenômeno recorrente em sociedades recém colonizadas.
  • Muitos povos resignaram-se a uma posição inferior, ao passo que membros de antigas classes dirigentes (mais ainda privilegiados) continuaram a crescer convencidos da sua posição de superioridade e de comando – força do hábito – o que justificaria a lentidão do desenvolvimento dos países antes colonizados.

Os Tipos de Dominação

Ficha de resumo de trechos do livro Economia e Sociedade – Esboço de Sociologia Compreensiva, de Max Weber – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luis Gustavo Mello Grohmann

I. As Formas de Legitimidade

  • Dominação: probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo determinado.
  • Para haver dominação, a condição básica é que haja vontade de obedecer, ou seja, interesse (externo ou interno) em consentir com tal ato.
  • Toda dominação requer um quadro administrativo, que encaminhará a subordinação de uns com outros através de diferentes laços: o econômico (para Weber não tão importante); o de obediência por costumes; o afetivo; o de interesse material ou o de motivos ideais (ligado a valores).
  • Há diferentes graus de dominação. Para Weber, os mais fortes são os que implicam motivos ideais (motivos racionais com arranjos valorativos/afetivos) aliados à legitimidade. Em segundo lugar, os laços por interesses materiais e por costumes são fortes e, em menor grau, as ligações apenas por motivos racionais e materiais, que são as mais frágeis de todas.
  • Todo tipo de dominação desperta e fomenta a crença em sua legitimidade.
  • A legitimidade da dominação tem uma importância que não é puramente “ideal” (mesmo que outra relevante seja apenas a ligação com a legitimidade da propriedade).
  • Nem toda pretensão convencional ou juridicamente garantida deve chamar-se “relação de dominação”.
  • Nem mesmo uma situação de extrema restrição de liberdades (sob um poder autoritário) constitui uma verdadeira dominação.
  • A única forma em que não há voluntariado é a escravista, aí sim constitui uma dominação absoluta.
  • A legitimidade de uma dominação deve ser encarada como uma probabilidade.
  • As pessoas em geral cedem à dominação por interesses materiais próprios, mas esse “oportunismo”, por um lado, não serve para classificar como uma dominação, já que as partes “dominadas” estão sendo favorecidas.
  • Por outro lado, essa pretensão de legitimidade se faz válida com relevância, pois consolida a existência da dominação (consentida) e co-determina a natureza desse meio pelo qual ela se dá.
  • Nesses casos de consentimento de certos grupos, a dominação pode chegar a ser absoluta (como por exemplo nas hierarquias eclesiásticas, militares, etc).
  • Obediência significa que a ação do que obedece transcorre como se o conteúdo do mandado se convertesse, por si mesmo, numa máxima de sua conduta.
  • As influências autoritárias das relações sociais e dos fenômenos culturais também têm importância: a escola, os dialetos (oriundos de uma associação política e cultural local), o clero, são também exemplos de dominação.
  • Tipos puros de dominação legítima
  1. Legitimidade de caráter racional: crença na legalidade das instituições e os direitos de comando destas para exercer a autoridade.
  2. Legitimidade de caráter tradicional: crença nas tradições herdadas e consolidadas pelo tempo, que são usadas pela autoridade tradicional.
  3. Legitimidade de caráter carismático: entrega à santidade, ao heroísmo e ao exemplo de uma pessoa (autoridade carismática) e às ordenações por ela criadas.
  • Não são verificadas ao longo da História formas puras de cada um destes tipos ideais, mas sim um pouco de cada deles.

II. A Dominação Legal com Administração Burocrática

  • Todo direito é instituído de modo racional, com visas a ser respeitado, pelo menos pelos membros da associação e por todas as pessoas dentro do âmbito de poder da associação (dentro do domínio territorial).
  • Todo direito é um cosmos de regras abstratas, instituídas intencionalmente, que a judicatura se encarrega de serem cumpridas na associação e que tem aprovação ou carecem de desaprovação dentro das ordenações desta associação.
  • O soberano legal típico obedece a uma ordem impessoal, pela qual suas disposições são orientadas.
  • Aquele que obedece somente o faz enquanto membro da associação e só obedece ao direito. Esse membro é o cidadão.
  • As categorias fundamentais de dominação são:
  1. um exercício contínuo, sujeito a leis, de funções dentro de
  2. uma competência, ou seja: a) deveres e serviços limitados pela distribuição de funções; b) atribuição dos poderes necessários para o desempenho dessas funções; c) fixação estrita dos meios coercitivos eventualmente administráveis e a possível previsão de sua aplicação.
  3. o princípio da hierarquia administrativa, fixada pela regulação e inspeção e com o direito de queixa junto às autoridades superiores pelas inferiores.
  4. as regras de procedimento, que podem ser técnicas ou normas, só são realizadas por um quadro administrativo composto de profissionais qualificados para que assim, sejam racionais.
  5. predomina a separação plena entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção, ou seja, separação total entre o patrimônio público (do cargo ocupado) do privado (capital individual obtido).
  6. não há apropriação do cargo por quem o exerce: mesmo no caso de “direito ao cargo” (juízes, burocratas, proletários), isso se dá pela garantia, de modo objetivo e segundo normas, através do seu trabalho no posto que ocupa.
  7. a dominação legal pode adotar formas muito distintas.
  • O tipo mais puro de dominação legal é aquele que se exerce através de um quadro administrativo burocrático.
  • dirigente da associação – autoridade máxima, obtida por apropriação, sucessão ou eleição, além de competências legais.
  • funcionários individuais do quadro administrativo – monocracia -, os quais:
1) são livres (devem apenas aos objetivos do seu cargo);
2) trabalham sob uma hierarquia rigorosa;
3) possuem competências determinadas;
4) estão sujeitos a um contrato;
5) possuem qualificação profissional que fundamenta sua nomeação;
6) são pagos em dinheiro com salários fixos e direito à pensão na maioria das vezes;
7) exercem o cargo como única ou principal profissão;
8) têm diante de si uma carreira ou perspectiva de ascensão e avanço;
9) trabalham em completa separação dos meios administrativos;
10) estão submetidos a uma rigorosa disciplina e vigilância administrativa.
  • Onde encontramos exemplos de dominação burocrática? Em hospitais privados ou religiosos, em empresas capitalistas (quanto maiores mais burocratizados), nos partidos políticos e nos exércitos.
  • Onde se verifica a forma mais pura de dominação burocrática? Nos lugares em que impera o princípio da nomeação dos funcionários.
  • Qual o melhor método de instituição da moderna burocracia? Através da livre seleção de funcionários, por contrato administrativo.
  • Por que os políticos são os únicos funcionários de corpo burocrático que não necessitam de qualificação profissional? Pois  são funcionários apenas no sentido formal, não no material e representam um quadro administrativo especial.
  • Como se dá a retribuição na burocracia? Normalmente por pagamentos fixos e em dinheiro.
  • O funcionário tipicamente burocrático tem seu cargo como profissão fundamental.
  • A separação dos meios administrativos se dá da mesma forma tanto na burocracia pública quanto na privada.
  • As magistraturas colegiais dão lugar às direções monocráticas na burocracia.
  • A administração burocrático-monocrática é a forma mais racional de se exercer uma dominação no sentido de precisão, disciplina, rigor, confiança, calculabilidade (para o soberano e os interessados), intensidade, extensão no serviço, aplicabilidade formalmente universal a toda sorte de tarefas e suscetibilidade técnica de perfeição para alcançar o melhor resultado.
  • O desenvolvimento e incremento crescente da administração burocrática é o germe do Estado moderno ocidental.
  • Para o funcionamento da burocratização é preciso de todo um aparato burocrático constituído por interesses compulsivos (materiais e objetivos) – ideais.
  • Quem domina o aparato burocrático existente? O empresário capitalista (?) – não estou seguro da resposta. Todos os demais – nas associações de massas – estão submetidos ao império burocrático.
  • A administração burocrática significa dominação graças ao saber.
  • Significado social da dominação burocrática:
  1. tendência ao nivelamento, alicerçada no recrutamento dos mais qualificados profissionalmente;
  2. tendência a plutocratização (whatever it means);
  3. predomínio da impessoalidade formal.
  • Um tipo normal de burocracia nacional possui duas características principais: A) formalismo – exigido para garantir as oportunidades; e, B) inclinação dos burocratas de conduzirem suas tarefas através de critérios utilitários-materiais.

III. Dominação Tradicional

  • a legitimidade na dominação tradicional se baseia na santidade de ordenações e poderes de mando herdados de tempos passados.
  • a associação de dominação é uma associação de piedade.
  • não obedece a disposições instituídas, mas apenas segue as determinadas pela tradição (soberano tradicionalmente determinado).

Mais uma Teoria de Democracia

Ficha de resumo do capítulo 22 do livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, de Joseph A. Schumpeter – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luis Gustavo Mello Grohmann

I. A LUTA PELA LIDERANÇA POLÍTICA

  • é questionável dizer que o povo tem a opinião certa e racional a respeito de todas as questões e que manifesta sua vontade na democracia, através da escolha de representantes.
  • o papel do povo é formar um corpo intermediário, que formará o executivo nacional (governo).
  • o método democrático é um sistema institucional para a tomada de decisões políticas, onde o indivíduo adquire poder decisório nesta luta competitiva pelos votos do eleitor.
  • as escolhas do povo nem sempre levam a um governo efetivamente democrático – a História prova isso.
  • o método democrático é realista quando o eleitorado, através dos corpos coletivos que o formam, atua no sentido de aceitar a liderança.
  • não basta a execução da vontade geral, mas há de se explicar como ela surge e como ela é substituída.
  • as vontades coletivas autênticas só são atendidas quando um líder favorável a elas chega ao poder e as transforma em fatores políticos (põem em prática).
  • situação política – conjunto de circunstâncias resultantes da interação entre interesses regionais e opinião pública.
  • a luta pela liderança se dá pela concorrência livre pelo voto livre, mas nem nem sempre há uma concorrência “justa” – democracia ideal. O que se verifica é a presença de uma competição muitas vezes desleal, fraudulenta, semelhante ao que ocorre na vida econômica.
  • relação democracia – liberdades individuais: não há um governo que garante todas as liberdades nem um que suprima todas elas, porém a democracia é a forma governamental que mais garante liberdades, principalmente as de expressão e de imprensa.
  • o eleitorado, além da função de formar o governo, também tem o poder de dissolvê-lo, quer através da pressão social visando a forçar os líderes a seguirem certa linha de ação, quer (de forma radical) derrubando o governo não-mais-desejável.
  • a democracia não atende a absolutamente todos, ou seja, não representa de fato a vontade do povo, mas apenas a vontade da maioria.
  • o argumento da representação proporcional (para evitar a “injustiça da democracia”) cai por terra quando consideramos que a verdadeira função do voto é a simples aceitação da liderança.
  • Princípio da Democracia: o governo é entregue àqueles que conquistaram maior apoio que seus concorrentes.

II. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

  • Schumpeter analisa o governo nacional, ou seja, no qual a eleição do governo significa quem vai ser o líder (primeiro-ministro).
  • Apenas nos EUA o eleitorado realiza função direta de escolher o primeiro-ministro, presidente no caso. Nos demais países, os eleitores escolhem um órgão intermediário – o parlamento.

Como o parlamento forma o governo?

  • Método simples: elege-se o primeiro-ministro e depois a lista de ministros por ele apresentada – método raramente usado.
  • Método inglês clássico: após uma eleição geral, o partido com maior número de cadeiras no Parlamento, logo, o vitorioso, aprova um voto de desconfiança contra qualquer indivíduo, menos seu próprio líder. Assim, o primeiro-ministro é designado pelo parlamento para liderar o país,  é formalmente nomeado pelo monarca, para o qual apresenta a lista de ministros. Nesta lista estão cargos honoríficos (para veteranos de partidos), cargos secundários (para homens estratégicos nos debates do parlamento), cargos para elementos promissores (intelectuais) e cargos de indicação (para alianças, apadrinhamentos, troca de favores, etc).

Como se forma a liderança política do primeiro-ministro?

  • O primeiro-ministro toma posse como principal figura do seu partido no parlamento.
  • O primeiro-ministro após empossado torna-se líder do parlamento.
  • O primeiro-ministro adquire influência sobre os demais partidos ou desperta antipatia sobre eles ou sobre membros isolados.
  • A influência como primeiro-ministro é muito maior do que como líder do partido, pois pode elevar a opinião partidária à liderança nacional.
  • O parlamento, apesar de escolher o primeiro-ministro, não é independente em tal escolha, porque seus membros estão atrelados por fidelidade partidária ao suposto candidato antes e depois de eleito.
  • A revolta ou a resistência passiva contra o líder é essencial no processo democrático.
O Gabinete
  • constituído por um órgão duplo: o parlamento e o primeiro-ministro.
  • há um consenso interno e que visa à igualdade (não é desejável que um dos membros do gabinete se recuse a colaborar).
  • o gabinete constitui uma liderança intermediária, pela sua articulações intestinas e diárias que ocorrem entre os seus membros.
  • o objetivo primeiro é articular para os interesses do primeiro-ministro (líder máximo) que convergem para os da classe dominante e, em segundo plano, para o cumprimento da vontade do povo (muitas vezes não cumprida).
O Parlamento
  • elege o primeiro-ministro;
  • derrota o governo quando lhe convém;
  • função legislativa: elabora leis formais;
  • função administrativa: quando cuida de questões orçamentárias – aprova ou não propostas do ministro da Fazenda;
  • as manobras políticas internas, por parte dos partidos, são as que definem uma maior ou menor aceitação do governo e do próprio reconhecimento do primeiro-ministro.
  • o primeiro-ministro seleciona a pauta das discussões, porém herda muitas de outros governos e dificilmente consegue deliberar apenas segundo seus próprios interesses (sem enfrentar grupos opositores ou divergências intestinas de seu partido).
Exceções ao Princípio de Liderança Governamental
  • nenhuma liderança é absoluta.
  • a competição dentro da democracia pode resultar na substituição do líder, o qual não soube articular com eficiência o jogo político.
  • o líder reage às pressões negativas dentro do seu governo, adotando medidas equilibradas entre insistir na política que vinha desempenhando e ceder à oposição.
  • o jogo político na democracia, para Schumpeter, significa uma considerável liberdade, pois acaba atendendo os vários interesses.
  • quando um problema não é abordado pela máquina pública, há duas possibilidades:
  1. pode ser resolvido por um estranho, que de uma forma singular chega ao poder, independentemente, sem envolvimento com um partido.
  2. pode ser resolvido por um homem que simplesmente quer solucionar tal problema, mas sem intenção de fazer carreira política (exceção).
  • Schumpeter faz uma analogia entre o fim social e os verdadeiros objetivos na Economia e na Política. Na Economia, poderíamos dizer que o verdade objetivo é obter lucros, enquanto que o fim social seria a necessidade de produção para atender aos desejos humanos. Na política, por outro lado, podemos pensar que o significado social (do parlamento) é legislar e administrar, mas o verdadeiro objetivo seria a luta competitiva pelo poder e por cargos.
O Eleitorado
  • os eleitores possuem poder limitado, pois apenas aceitam os candidatos propostos e não podem escolher membros dos gabinetes, por exemplo.
  • a escolha de quem vai ser ou não uma liderança política é do próprio candidato (desconsiderando-se apelo popular).
  • a escolha dos candidatos por parte do eleitorado também é restringida pelos partidos políticos, pois os partidos têm princípios e plataformas pré-definidos, o que limita de uma forma ou outra a candidatura por parte de um ou outro aspirante a líder.
  • os eleitores, em última análise, são conduzidos de maneira limitada, tanto pelos partidos quanto pela máquina política.

A Formação dos Intelectuais

Ficha de resumo do texto do livro Os Intelectuais e a Organização da Cultura, de Antonio Gramsci – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luis Gustavo Mello Grohmann

Como se formam as diversas categorias intelectuais?

  1. De dentro de cada grupo social (intelectuais orgânicos), que cria de forma orgânica uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da sua própria função. Isso ocorre em diferentes campos: político, econômico, social etc. Um exemplo recente: parques tecnológicos (associação de empresas + universidades).
  2. De categorias de intelectuais preexistentes (intelectuais tradicionais), que, apesar de transformações históricas das formas sociais e políticas, resistem e continuam atuando no modo de produção atual. Exemplo: os eclesiásticos, que ligados à aristocracia fundiária, criaram uma camada de administradores, cientistas, teóricos, filósofos não-eclesiásticos, etc. Esses tipos consideram-se autônomos em relação à classe originária.

Quais são os limites máximos da acepção de intelectual? É possível encontrar uma maneira de diferenciar todas as variadas formas de atividades intelectuais e distingui-las dos outros grupos sociais?

  • a resposta deve ser investigada no conjunto geral de relações sociais e não no que é intrínseco às atividades intelectuais.
  • “Todos os homens são intelectuais […], mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais.” (pag. 7)
  • A distinção entre intelectuais e não-intelectuais se refere à imediata função social da categoria profissional dos intelectuais.
  • Existem graus diferentes de atividade específica intelectual.
  • Não se pode falar em não-intelectuais, pois todo homem, fora de sua profissão, desenvolve alguma atividade intelectual: não há separabilidade. (Lembremo-nos: homens são animais racionais).
  • O novo intelectual age ativamente na vida prática como construtor, organizador, persuador permanente – e não apenas orador-, elevando-se a uma categoria de dirigente. Se ficasse apenas superior em alguma técnica-trabalho, seria apenas um especialista.
  • As categorias especializadas para exercer função intelectual se formam em conexão com todos os grupos sociais (principalmente os mais importantes), sofrendo elaborações amplas e complexas em ligação com o grupo dominante.
  • O que caracteriza um grupo social dominante é a assimilação e conquista ideológica dos intelectuais tradicionais.
  • O fator educacional é decisivo na formação dos intelectuais: quanto maior o número de escolas especializadas e mais alta for sua hierarquização, maior a complexidade cultural de uma sociedade, que se reflete, por sua vez, nas outras esferas – a industrial, por exemplo.
  • A preparação dos intelectuais vem da especialização técnico-cultural, a qual depende de uma base educacional sólida (em quantidade e qualidade das escolas em todos os níveis).
  • A formação de camadas intelectuais não é democrática, mas se origina de um processo histórico tradicional. Logo, a ampliação da base para a seleção de intelectuais numa estrutura democrática gera inconvenientes: desemprego, por exemplo.
  • A capacidade do sistema de absorver os intelectuais não é instantânea, como ocorre com os outros grupos sociais, mas é mediada por um conjunto de superestruturas:
  1. Sociedade civil (organismo privado) – hegemonia do grupo dominante sobre toda a sociedade.
  2. Sociedade política (Estado) – domínio direto (de comando) no Estado e sobre o governo jurídico.
  • Os intelectuais são instrumentos do grupo dominante para o exercício das funções subordinadas da hegemonia social e do governo político. Essa conexão se dá por um consenso histórico das massas com relação ao grupo dominante (consenso espontâneo) e pelo aparato de coerção estatal, que garante legalmente a disciplina dos grupos reacionários (não consensuais).
  • Essa função organizativa da hegemonia social e do domínio estatal dá lugar a uma certa divisão do trabalho, logo, a uma gradação de qualificações. Assim, há de se diferenciar a atividade intelectual em graus, inclusive do ponto de vista intrínseco.
  1. Intelectuais de alto grau: criadores de várias ciências, da filosofia, da arte, etc.
  2. Intelectuais de mais baixo grau: administradores e divulgadores mais modestos da riqueza intelectual já existente.
  • Outro aspecto do sistema social democrático-burguês com relação à categoria dos intelectuais diz respeito à concorrência, ao desemprego, à emigração, superprodução escolar, devido a uma formação em massa de intelectuais.
Posição diversa dos intelectuais de tipo urbano e de tipo rural
  • Intelectuais de tipo urbano: originam-se da indústria e estão vinculados a ela; não possuem iniciativa autônoma; articulam a massa instrumental com o empresário; são bastante padronizados; há um espírito de grupo nos baixos estratos; as massas instrumentais, através de seus intelectuais orgânicos, podem influenciar politicamente os técnicos industriais.
  • Intelectuais de tipo rural: são tradicionais, ligados à massa camponesa e pequeno-burguesa das cidades; aproximam a massa social rural com a administração estatal ou local (mediação político-social); há uma relação de admiração e desprezo dos camponeses para com os intelectuais: admiram, quando aspiram à ascensão social, mas fingem ao mesmo tempo desprezá-los.
O partido político moderno

O que é que o partido político se torna em relação ao problema dos intelectuais?

  1. Para alguns grupos sociais, o partido político é um modo particular de construir a categoria de intelectuais orgânicos destes grupos, diretamente no campo político e filosófico.
  2. Para todos os grupos sociais, o partido político é o mecanismo que representa na sociedade civil aquilo que o Estado representa na sociedade política, fundindo intelectuais orgânicos de um certo grupo com intelectuais tradicionais. Porém o partido desempenha sua função muito mais completa e organicamente que o Estado desempenha a sua em âmbito maior.
  • Todos os membros de um partido político são intelectuais.
  • Faz-se importante a função dentro do partido, que é diretiva e organizativa, logo, intelectual.
  • Os membros de um partido político superam elementos econômicos de seu desenvolvimento histórico para se tornarem agentes de atividades gerais.
Questão histórica da formação dos intelectuais tradicionais
  • Origens no mundo grego e na organização social do Império Romano.
  • O catolicismo e a organização eclesiástica preservaram, através do monopólio cultural, as atividades intelectuais, da queda de Roma até o século XVIII.
  • Itália: intelectuais de caráter internacional e cosmopolita – desagregados, remonta à queda do Império Romano.
  • França: após a Revolução ocorre um desenvolvimento harmônico dos intelectuais, movido pelo caráter nacional – integrados. Assim, vão expandir sua cultura e cosmopolitismo nos séculos seguintes.
  • Inglaterra: originados da base industrial moderna, os intelectuais orgânicos predominam, mas os tradicionais se conservam, através de uma evolução inédita da aristocracia fundiária em intelectuais tradicionais.
  • Alemanha: agrega características da formação inglesa e italiana. Dos ingleses herdaram a conversão dos Junkers (aristocracia rural) em intelectuais tradicionais, porém com influência política e militar muito maior do que a correspondente classe na Inglaterra. Dos italianos herdaram a fragmentação, graças ao Sacro Império, o que lhes conferia um caráter cosmopolita-universal, e não nacional.
  • Rússia: forças nacionais passivas, inertes, que sofrem influência de grupos externos e, ao mesmo tempo, assimilam as influências estrangeiras, adaptando-as. Os intelectuais russos possuem caráter nacional-popular, mesmo que o conhecimento tenha sido buscado fora do país e significa uma reação à inércia histórica vivida.
  • Estados Unidos: formação da elite intelectual por imigrantes anglo-saxões, que são por si próprios uma elite moral, cultura importada, mas que se desenvolve bem mais rápido que na Europa. Não há intelectuais tradicionais e isso permitiu o equilíbrio dos intelectuais e a formação maciça de todas as superestruturas modernas no país, com base em intelectuais orgânicos.  Ressalta-se ainda a influência de intelectuais negros.
  • América do Sul e América Central: não há uma ampla categoria de intelectuais tradicionais nem de intelectuais orgânicos. O clero e uma casta militar são categorias intelectuais tradicionais fossilizadas da herança ibérica. Como a base industrial é restrita, não desenvolveram superestruturas como os EUA. Há uma composição ainda muito subordinada a interesses clericais e militaristas.
  • Japão: formação do tipo inglês e alemão, ou seja, civilização de comportamento industrial desenvolvida dentro de uma estrutura feudal-burocrática, mas com características próprias.
  • China e Índia: há uma distância enorme entre os intelectuais e o povo, causada principalmente pelas religiões (escritura).

As Lutas Políticas: o Estado, Condensação de uma Relação de Forças

Ficha de resumo sobre a segunda parte do livro O Estado, O Poder, O Socialismo, de Nícos Poulantzás – Política II: Teoria Política Contemporânia – Prof. Luiz Gustavo Mello Grohmann

  • O Estado deve ser analisado em termos de dominação política e de luta política.
  • Uma teoria do Estado capitalista deve considerar, além das relações de produção, a reprodução histórica desse Estado e as transformações por que ele passou quanto à constituição e reprodução das classes sociais, de sua luta e da dominação política.
  • Poulantzas refuta a teoria do Estado capitalista que prioriza a análise da estrutura econômica, deixando a luta de classes e a dominação política como causas que explicam àquela.
  • O autor critica ainda o teoricismo formalista que trata de concepções marxistas clássicas sobre o Estado como uma “teoria geral”, levando a banalizações do tipo “Todo Estado é um Estado de classes”. Tais formas são incapazes de expressar a realidade concreta e podem ser desastrosas, como foi no Entre Guerras, na estratégia do Komintern, fundamentada em uma concepção estatal inapta a diferenciar entre Estado democrático-parlamentar e Estado de exceção (o Fascismo).
  • O que Poulantzás propõe é uma análise no cerne das instituições estatais para, assim, compreender a inscrição da luta de classes, muito particularmente da luta e da dominação política, explicando as formas diferenciais e transformações históricas desse Estado.

I. O Estado e as Classes Dominantes

  • O Estado representa e organiza as classes dominantes.
  • O Estado representa e organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder, que é composto de frações de classe burguesas.
  • Classes oriundas de outros modos de produção participam junto com a burguesia deste bloco no poder. Exemplo: proprietários de terras.
  • O Estado é a unidade política das classes dominantes e é ele que as instaura como dominantes, através do conjunto de seus aparelhos (partidos políticos, polícia, exército etc)
  • O Estado tem autonomia relativa, devido à materialidade desse Estado em sua separação relativa das relações de produção e à especificidade das classes e lutas de classes sob o capitalismo que essa separação acarreta.
  • Poulantzas tenta fazer uma análise geral e atemporal, que abrange todos os tipos de capitalismos, argumentando que o Estado capitalista deve representar o interesse político a longo prazo da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações, variando conforme a época.
  • A burguesia, como classe dominante apresentada, apresenta-se sempre dividida em frações de classe.
  • Essas frações constituem, em conjunto, o bloco no poder, em graus de desigualdade no campo da dominação política.
  • O Estado detém autonomia relativa em relação a qualquer fração do bloco no poder, assegurando a organização do interesse geral da burguesia sob a hegemonia de uma das frações.

Como se estabelece concretamente essa política do Estado em favor do bloco burguês no poder?

Através da condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe no seio do Estado.

  • Refuta a ideia de o Estado ser Objeto (concepção instrumentalista do Estado, instrumento passivo, quase neutro, manipulado por uma das classes) ou de ser Sujeito (com autonomia plena, corrente institucionalista-funcionalista, racionalidade estatal, burocracia).
  • Poulantzás analisa as teorizações do Partido Comunista Francês (PCF), através de Fabre, Hincker e Sève, que rompem com o instrumentalismo e entendem o Estado como uma condensação da luta de classes. No entanto, tais pensadores apenas confrontam 2 teorias (a do Estado-objeto e a do Estado-sujeito), mas não conseguem perceber a materialidade própria do Estado como aparelho.
  • As duas teorias não precisam ser totalmente refutadas, argúi Poulantzas, mas fusionadas, já que o Estado é formado tanto pelas relações de produção como pela divisão social do trabalho, concentradas na separação capitalista do Estado e dessas relações, constituindo a ossatura material de suas instituições.
  • Mudanças de poder do Estado não bastam para transformar a materialidade do aparelho do Estado.
  • As teorias anteriores, quais sejam, do Estado-coisa e do Estado-sujeito, analisam o Estado como um bloco monolítico sem fissuras, ignorando suas contradições internas, sendo as contradições do Estado consideradas exteriores às classes sociais, neste; e, as contradições de classe consideradas exteriores ao Estado, naquele.
  • O Estado é constituído e dividido de lado a lado pelas contradições de classe e elas armam, assim, sua organização: a política estatal é o efeito de seu funcionamento no seio do Estado.
  • A organização do Estado é possível graças ao jogo de contradições (relações de força no interior do bloco no poder) na materialidade do Estado.
  • A política atual do Estado é resultado de contradições interestatais entre setores e aparelhos de Estado e intestinas a cada um deles:
  1. Trata-se de um mecanismo de seletividade estrutural da informação dada por parte de um aparelho e de medidas tomadas, pelos outros. (significa o lugar de cada aparelho na configuração da relação de forças);
  2. Representa um trabalho contraditório de decisões e de não-decisões (ausência sistemática) por parte dos setores e segmentos do Estado;
  3. Trata-se de uma série de prioridades e contra-prioridades contraditórias entre si;
  4. Há uma filtragem escalonada por cada ramo e aparelho, no processo de tomada de decisões, de medidas propostas pelos outros ou de execução efetiva.
  5. Verifica-se um conjunto de medidas pontuais, conflituais e compensatórias.
  • A política do Estado é constituída por contradições interestatais. Logo, o capitalismo está longe de ser organizado formalmente. No entanto, essas contradições inerentes ao processo de reprodução e acumulação do capital (e também à estrutura e cerne material do Estado) permitem a organização do bloco no poder e a autonomia relativa do Estado em relação a uma ou outra de suas frações.
  • A autonomia é resultante do que se passa dentro do Estado e não das contradições exteriores a ele.
  • As contradições interiores do bloco no poder atravessam a burocracia e o pessoal do Estado, segundo clivagens complexas, ramos e aparelhos do Estado (exército, administração, magistratura, partidos, igreja, etc).
  • O Estado deve ser entendido como um campo e um processo estratégicos, atravessado por núcleos e redes de poder repletas de contradições internas e compensações.
  • O Estado possui uma unidade de aparelho (centralismo) ligada à unidade do poder de Estado (atravessando suas fissuras).

Como foi estabelecida a unidade-centralização do Estado em favor do capital monopolista?

  1. Por transformações institucionais do Estado: alguns centros de decisão, dispositivos e núcleos dominantes só foram permeáveis aos interesses monopolistas.
  2. Esses centros passaram a orientar a política do Estado.
  3. A unificação de interesses gera hegemonia da classe ou fração, que se instala como aparelho dominante.
  4. No longo prazo, esse aparelho dominante passa a ser o próprio aparelho do Estado, estabelecendo-se por toda a cadeia de subordinação dos demais aparelhos interiores, consolidando os interesses hegemônicos.

Como deve se dar a ascensão das massas populares e suas organizações políticas ao poder, numa transição para o socialismo?

  1. Deve ser pela tomada do poder de Estado e pela transformação dos aparelhos de Estado.
  2. A esquerda tomar o poder não significa que ela vai controlar realmente (ou pelo menos alguns) aparelhos de Estado.
  3. A organização do Estado burguês permite funcionar por deslocamentos e substituições sucessivas, dando condições do deslocamento do poder da burguesia de um aparelho para outro.
  4. Como o Estado não é um bloco monolítico, as permutações do papel dominante entre os aparelhos (dado que os aparelhos são rígidos) constituem um processo mais ou menos longo.
  5. A rigidez e ausência de maleabilidade nas trocas entre aparelhos é desfavorável à burguesia, abrindo espaço para a esquerda no poder.
  6. As contradições internas e os deslocamentos entre poder real e poder formal estão também no seio de cada aparelho.
  7. Logo, é preciso raciocinar em termos de núcleos e focos de poder real em lugares estratégicos dos diversos setores e aparelhos de Estado.
  8. Não basta para a esquerda, portanto, tomar o poder, controlar o cume da hierarquia formal, mas se faz necessário, ainda, controlar núcleos de poder real.

II. O Estado e as Lutas Populares

  • O Estado concentra não apenas as relações entre forças do bloco no poder, mas também a relação de forças entre estas e as classes dominadas.
  • As lutas populares e os poderes atravessam o Estado e, por mais que elas sejam políticas, não constituem uma força exterior ao Estado, mas intrínsecas a ele.
  • Também as lutas que extrapolam o Estado (“fora do poder”), na verdade, originam-se dos aparelhos de poder, que as materializam e condensam-nas numa relação de forças. Logo, em virtude do encadeamento estatal complexo com os dispositivos de poder, sempre essas lutas são causadas (mesmo que indiretamente) por motivos intestinos.
  • A organização hierárquica-burocrática do Estado e sua estrutura material relativamente às relações de produção visam a reproduzir internamente a relação dominação-subordinação das classes populares, na qual o inimigo destas está sempre dentro do Estado.
  • Além de exercer hegemonia sobre as demais classes e frações de classes no poder, um aparelho dominante no seio do Estado também detém poderes político-ideológicos sobre as classes dominadas.
  • Não é possível, argumenta Poulantzas, uma relação de duplo poder dentro do Estado (das classes dominantes e das classes dominadas) – no caso de uma fração de classe popular participar do Estado.
  • É  preciso transformação radical do Estado para que a classe popular, adentrando no poder, efetivamente exerça poder real sobre os demais aparelhos. E, mesmo assim, a curto ou longo prazo, o Estado tende a restabelecer a relação de forças em favor da burguesia.
  • A ação das massas no interior do Estado é condição necessária, mas não suficiente.
  • Há diferenças nas estratégias políticas das diversas frações do capital para com as massas populares, que são fatores primordiais de divisão no seio do bloco no poder.
  • As várias frações do bloco no poder, muitas vezes, tentam assegurar-se no Estado com o apoio de massas populares (ou de frações delas contra outras).
  • As lutas populares estão inscritas na materialidade do Estado, não estando, portanto, em posição de exterioridade, mas derivam da configuração estatal através da relação existente nos aparelhos constitutivos.

A Assim Chamada Acumulação Primitiva

Resumos sobre um enfoque político do capítulo XXIV de O Capital, de Karl Marx – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luiz Gustavo Groham

  • a estrutura econômica da sociedade feudal proveio da sociedade feudal, pois a decomposição desta liberou elementos para aquela.
  • a classe produtiva (antes escravos, servos) foi transformada ao longo do curso histórico em trabalhadores assalariados (proletariado) através da libertação dos regimes alienadores a terra e da coação corporativa. Os trabalhadores rurais (camponeses) foram, assim, expropriados da base fundiária.
  • a classe dominante (nobreza e mestres-artesãos corporativos principalmente) também teve de ser deslocada de sua acomodação inicial pelos capitalistas burgueses.
  • A Inglaterra apresenta a forma clássica dessa transição, que iniciou já no final do século XIV.
  • O poder de um senhor feudal (poder político) baseava-se na partilha de suas terras entre o maior número possível de súditos e não no montante de sua renda.
  • O rei, buscando consolidar sua monarquia absoluta, e, assim, considerado por Marx como “produto do desenvolvimento burguês”, colaborou para o processo de dissolução da estrutura feudal e a expulsão do campesinato do campo.
  • A nobreza, em oposição à realeza e ao Parlamento, teve uma parcela significativamente maior de colaboração no processo de expulsão dos camponeses da base fundiária, quando passou a usurpar as terras antes comunais para si.  O marco disso é o fenômeno da transformação das lavouras em pastagens de ovelhas para o fabrico da lã, na Inglaterra do século XV.
  • As mudanças que se seguiram a partir dos inclosures assustaram Henrique VII, pois nesta fase inicial o Estado não tinha ainda conhecimento sobre a gestão desse novo sistema que estava emergindo com formação de capital, exploração inescrupulosa e empobrecimento das massas. Como lidar com isso? Desafio para a dinastia Tudor. Formação de políticas públicas para lidar com o novo sistema ou não?
  • O rei e o Parlamento (com o apoio da Igreja) adotaram, sim, algumas medidas legislativas para conter o movimento de arrendamentos (usurpação despovoadora dos mansos comunais) – depopulating inclosurese contra a exploração pastoril despovoadoradepopulating pasture.
  • O Estado tentou evitar a concentração de terras, através de leis que limitavam o tamanho das propriedades ou dos rebanhos.
  • A Reforma foi outro fator que acelerou a expulsão violenta da massa do povo, pois agora integrantes da Igreja Católica perderam seus bens, terras, etc que foram vendidos a preços irrisórios. Além disso, um importante pilar do sistema feudal acabara de ruir e ele estava ligado através de relações de propriedade.
  • A Dinastia Stuart, sob pressão de proprietários fundiários, impôs legalmente a usurpação da terra em todo o continente e também aboliu a constituição feudal. Os proprietários exigiram direito da propriedade privada dos bens, pois possuíam títulos feudais e leis de assentamento, que na prática alienava os camponeses novamente.
  • Com a Revolução Gloriosa e Guilherme III de Orange, a iniciativa privada (por parte de capitalistas e extratores fundiários) sobrepos-se ao controle estatal das transformações graduais que até então vinham ocorrendo. Passaram agora, como diz Marx, a proporções “em escala colossal”.
  • Capitalistas: nova aristocracia fundiária (“extratores de mais-valia fundiários”); burgueses (comercial, industrial) e banqueiros (nova classe emergente oriunda dos manufatureiros e suas medidas restritivas). – pg. 348
  • Século XVIII: 2 formas de usurpação da terra:
  1. Pelo governo: através de leis – Leis Para o Cercamento da Terra Comunal (a terra deveria ser passada para os fundiários, pois eles estavam substituindo os senhores feudais).
  2. Por métodos privados: arrendamentos de capital ou de mercador – foi por esse tipo de “roubo” (segundo Marx) da terra que a maior parte da população foi deslocada para a indústria. – pg. 349
  • Século XIX: último grande processo de expropriação dos camponeses, que ocorreu também na Irlanda e Escócia – neste último o notável trabalho da radical Duquesa de Sutherland. O processo foi apontado por Max como Clearing of Estates (clareação das terras). – pg. 353
  • Desde o final do século XV foram criadas leis sanguinárias contra os expropriados e leis de rebaixamento dos salários, tanto em Inglaterra quanto em França. Os salários eram adequados às necessidades de valorização do capital e aos interesses do capitalista sobre o trabalhador. – pg. 358
  • Já no século XIV havia um Estatuto dos Trabalhadores na Inglaterra e na França (criado em virtude da peste negra), que ditava um salário máximo, mas nunca o mínimo, abrindo assim passagem para a exploração do trabalhador. No século XVI, a situação piorou, pois o salário monetário subiu, enquanto havia depreciação da moeda e suba dos preços, logo, os salários caíram efetivamente. – pg. 360
  • Em 1813, as leis sobre a regulação dos salários caíram, pois não eram mais necessárias, já que o capitalista regulava a fábrica com uma legislação privada.
  • Em 1871, o Parlamento inglês reconheceu legalmente a existência das Trades’ Unions, diante da movimentação do proletariado (greves e lock-outs). – pg. 361-362
  • Percebe-se, portanto, que as ações dos soberanos e dos Estados contribuíram significativamente para elevar a exploração do trabalhado e a acumulação do capital.
  • Os arrendatários na Inglaterra, no século XVI, enriqueceram rapidamente (aumento da renda total) graças aos seguintes fatores:
  1. desvalorização dos metais – queda efetiva nos salários;
  2. elevação dos preços dos produtos (inflação);
  3. preço das terras eram defasados (queda dos preços absolutos). – pg. 364

Do Espírito das Leis

Resumos sobre capítulos do livro Do Espírito das Leis, de Charles de Montesquieu – Política I: Teoria Política Clássica – Prof. Carlos Schmidt Arturi

  • A democracia e a aristocracia não são Estados livres. Só governos moderados apresentam liberdade política.
  • Para evitar o abuso de poder é preciso frear o poder através do próprio poder.
  • Em cada Estado há 3 espécies de poderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Poder Executivo das que dependem do direito civil.
  • A liberdade política provém da opinião que cada um possui de sua segurança.
  • Quando poder Legislativo está unido ao Executivo, não há liberdade, pois isso pode gerar tirania quando o Monarca faz leis tirânicas e as executa.
  • Quando o poder Judiciário (poder de julgar) estiver unido ao Legislativo e ao Executivo, também não há liberdade, pois, quando ligado ao Legislativo, o juiz é legislador, logo, as liberdades individuais estão passíveis à arbitragemquando ligado ao Executivo, o juiz tem força de opressor.
  • Não liberdade alguma, ou seja, “tudo estaria perdido”, como diz Montesquieu, se os 3 poderes estivessem nas mãos de um mesmo homem ou de um mesmo corpo político.
  • O poder de julgar (Judiciário) deve ser formado pelo povo através de tribunais ad hoc para que seja íntegro. Porém os julgamentos devem ser fixos para que se façam interpretações exatas das leis.

Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político

Ficha de estudos sobre o livro Do Contrato Social – Ensaio sobre a Origem das Línguas de Jean-Jacques Rousseau – Política I: Teoria Política Clássica – Prof. Carlos Schmidt Arturi

LIVRO I

Capítulo I

  • No capítulo introdutório, Rousseau apresenta a questão da ordem social como um direito sagrado que não se origina da natureza. É, portanto, fundado em convenções, ou seja, na sociedade organizada de forma consciente e aceita voluntariamente.

Capítulo II

  • Aqui Rousseau apresenta a dicotomia sociedade natural x sociedade convencional. Esta, organizada com consciência e aceita voluntariamente e aquela, baseada nos instintos dos indivíduos.
  • A família é o exemplo mais clássico de sociedade natural, onde a ligação entre pais e filhos se dá pelo amor.
  • O Estado é um exemplo de sociedade convencional, onde governante e povo estão unidos pelo poder.
  • Quando o poder humano vai de encontro ao dos que são governados surgem formas como a escravidão, conforme Grócio.
  • Rousseau introduz o conceito de poder pela força (causa dos primeiros escravos) que gera escravidão perpetuada (efeito pela aquiescência de uns).

Capítulo III

  • A força faz o direito.
  • O direito do mais forte: ceder a força é por necessidade ou prudência.
  • Pode-se estabelecer o seguinte esquema: força (causa1) – direito (efeito1 e causa2) – força maior (efeito 2).
  • O direito pela força não tem caráter moral, pois se obedece pela coerção e não por dever.
  • Obedecemos aos poderes, sendo a força um deles.

Capítulo IV

  • Grócio: se um homem pode alienar sua liberdade a outro e tornar-se escravo, por que um povo não?
  • Um homem ou um povo não se entrega a um governante gratuitamente.
  • Se cada um quiser alienar-se sozinho, não poderá de qualquer forma alienar seus filhos, pois todos nascemos livres. Somente cada um pode gozar de sua própria liberdade.
  • Não é racional renunciar à liberdade para aqueles que tudo exigem, pois estes não têm compromisso algum.
  • Grócio tenta justificar a escravidão pelo direito da guerra, na qual o vencedor teria o direito de matar o vencido e este de resgatar sua vida pelo preço de sua liberdade. Rousseau contra-argumenta dizendo que os homens não são naturalmente inimigos e que guerras se travam entre Estados.
  • A relação vencedor-estado de guerra supõe um contínuo estado de guerra baseado no poder da força.
  • O direito de escravidão é NULO por ser ilegítimo, absurdo e insignificante.

Capítulo V

  • Não se pode fazer uma associação entre governante e seu povo, pois seu líder sempre tende a prevalecer seus interesses sobre o bem comum, o que se propõe é uma agregação.
  • Grócio: um povo torna-se povo porque houve uma deliberação pública e não a um rei necessariamente.
  • A lei da pluralidade dos sufrágios é uma convenção e supõe unanimidade, pois estamos falando de um todo e não de indivíduos um a um.

Capítulo VI

  • A passagem do estado de natureza para o estado civil supõe agregação das forças já existentes por necessidade para sua sobrevivência e para superar a resistência.
  • Pacto Social: soma das liberdades individuais garantidas (natural) que se mantenham associadas a uma força comum (coletivo) de modo a obedecer cada um a sua própria liberdade (convencional).
  • No Estado civil há uma alienação total à comunidade toda.
  • Em uma sociedade civil todos devem renunciar a seus direitos naturais para gozarem de suas liberdades dentro da coletividade, pois “cada um dando-se a todos, não se dá a ninguém.”
  • Estamos alienados à vontade geral que é a manifestação de múltiplas vontades individuais como parte indivisível do todo.
  • O “todo” seria o corpo moral e coletivo, o “eu comum” = a unidade, para Rousseau.

Capítulo VII

  • O soberano não pode fazer contrato com ninguém, pois ele não é outra coisa senão a manifestação da vontade dos particulares.
  • O soberano não pode fazer contrato consigo mesmo, assim como um particular também não pode contratar consigo próprio.
  • O indivíduo tem que fazer o contrato, pois os homens são vários e de várias vontades, as quais podem divergir da vontade geral.
  • O ato de associação é um compromisso entre o público e os particulares através de uma dupla relação:  1) como membro do soberano em relação aos particulares e 2) como membro do Estado em relação ao soberano.
  • A teoria política de Rousseau toca ao mais fundo dos princípios gerais, abordando questões éticas e de educação, por exemplo, e difere-se dos demais contratualistas (como Hobbes e Locke, por exemplo) por incutir no comportamento individual a consciência da vontade geral, que prevaleceria sobre a vontade particular.
  • Após estabelecido o contrato, um indivíduo que se recusar à vontade geral estará negando o domínio do corpo político e cairá na dependência de alguém.

Capítulo VIII

  • Quando os homens passam do estado de natureza (sociedade natural) para o estado civil (sociedade convencional) estão abdicando do instinto pela justiça (típico do estado de natureza) em detrimento da primazia das ações morais, o dever-ser (constituinte do estado civil), que implica em observar o todo – a sociedade.
  • A liberdade natural é marcada por forças do indivíduo, enquanto que a liberdade civil é limitada pela vontade geral, justamente pela preocupação ética.
  • Estado civil: o homem renuncia aos seus direitos naturais (ilimitados) e obtém a liberdade civil e a propriedade garantida, além da liberdade moral.
  • A obediência a uma lei que se impõe a si mesmo é liberdade, para Rousseau. Nota-se aqui que sua teoria claramente influenciou Immanuel Kant em sua conceituação de imperativo categórico.

Capítulo IX

  • No estado de natureza imperava a posse, que era efeito da força e direito do ocupante.
  • No estado civil impera a propriedade, que é resultado da tranquilidade que o contrato oferece.
  • Aborda o conceito de uti possidetis como usado no estado de natureza.
  • O pacto não destrói a igualdade natural, mas substitui por uma igualdade moral e legítima aquilo que no estado de natureza poderia tornar-se desigual devido às diferenças de força e gênio. Isso, no estado civil, torna todos iguais por convenção e direito garantindo a propriedade.

LIVRO II

Capítulo I

  • Só a vontade geral conduz o Estado para a finalidade de sua instituição, que é o bem comum.
  • Não é impossível que uma vontade particular coincida com a vontade geral, porém isso é inconstante e difícil de se manter.
  • A vontade particular tende à preferência por alguma coisa e a vontade geral, à igualdade.

Capítulo II

  • A soberania é indivisível e inalienável, pois a vontade ou é geral ou não o é.
  • Para que uma vontade seja geral é necessário que todos os votos sejam contados, não precisando necessariamente ser unânime. Portanto, a unanimidade não garante a manifestação da vontade geral.

Capítulo III

  • A vontade geral é sempre certa e tende sempre à utilidade pública.
  • Deseja-se sempre o próprio bem, mas nem sempre se sabe onde ele está.
  • Jamais se corrompe o povo, mas às vezes o enganam e aí ele parece desejar o mau. Nota-se nesse ponto uma influência do pensamento de Sócrates acerca da tendência natural dos homens ao que considerem seu bem, só podendo errar, pois, no discernir esse bem.
  • Rousseau revela-se contrário a facções, partidos, cooperativas ou quaisquer associações de particulares dentro do Estado civil, pois considera que a vontade de cada uma dessas agregações torna-se geral em relação aos seus membros, mas particular em relação ao Estado.
  • É necessário que cada cidadão só opine de acordo consigo mesmo.

Capítulo IV

  • A soberania é o poder do corpo político, estabelecido através do pacto social, sobre todos os homens, conduzido pela vontade geral.
  • O que define vontade geral é o interesse comum que une os homens no pacto, pois cada um se submete às condições que impõe aos outros.

Capítulo VI

  • Quando o Estado traduz a vontade geral não há contradição entre as leis dos indivíduos e as do Estado.
  • República é todo Estado regido por leis, sob qualquer forma de administração que possa conhecer, pois só nesse caso governa o interesse público e a coisa pública passa a ser qualquer coisa.
  • As leis representam as condições da associação civil.

LIVRO III

Capítulo IV

  • Rousseau diz que jamais existiu e jamais existirá uma democracia verdadeira, pois é contra a ordem natural governar o grande número e ser o menor número governado. O que se vê são formas mistas.
  • A democracia é o governo mais instável de todos, por estar sempre sujeito a guerras intestinas e à insegurança, já que é continuamente propensa a mudar de forma.

Capítulo V

  • Há duas pessoas morais: o Governo e o soberano. Logo, duas vontades gerais distintas: uma relativa a todos os cidadãos e outra unicamente aos membros da administração.
  • O Governo jamais poderá falar ao povo a não ser em nome do próprio povo.
  • Há 3 espécies de aristocracia:  1) Natural: só conveniente em povos simples; 2) Eletiva: o melhor governo, pois é a aristocracia propriamente dita e 3) Hereditária: a pior de todas as formas. Percebe-se aqui o caráter antidemocrático de Rousseau.