BENDIX, R. Precondições de Desenvolvimento: Uma Comparação Entre Japão e Alemanha. In: BENDIX, R. Construção Nacional e Cidadania. São Paulo: Unesp, 1996. p. 211-244.
- marco do desenvolvimento político e econômico do mundo moderno: Inglaterra e França, século XVIII.
- modelo de desenvolvimento nativo: considera que Inglaterra e França se industrializaram graças a mudanças predominantemente oriundas de suas próprias sociedades, posteriormente disseminadas pela Europa.
- influências culturais cruzadas: ao longo do séc. XIX, Alemanha, Rússia e Japão receberam influências externas (da Inglaterra e da França), considerados elementos modernizadores (culturais, tecnológicos, ideológicos etc), os quais eram muitas vezes adaptados pelas forças políticas internas, para serem usados politicamente como forma de aumentar o poderio econômico e militar do país;
Alemanha e Japão – semelhanças no desenvolvimento:
- enfrentaram problemas resultantes da simbiose tradição – modernidade;
- apresentaram características típicas de países industrializados:
- mudança de tecnologia: tradicional → baseada no conhecimento científico
- agricultura: subsistência → produção comercial
- uso da força: humana e animal → mecanizada
- êxodo rural
- nova divisão do trabalho
- relação familiar (ou quase) → vínculos contratuais e monetários
- ↑ mobilidade social e avanços sociais.
- rápidas mudanças políticas: Restauração Meiji (1868, Japão) e Unificação (1870-71, Alemanha);
- preferência por instituições monárquicas e tradição burocrática controlada por oligarquias;
- preferência por formas autocráticas/ditatoriais de governo para desenvolver as instituições parlamentares;
- semelhantes aristocracias;
- “retardatários” industriais.
Alemanha e Japão – diferenças no desenvolvimento:
JAPÃO
- mais coeso culturalmente → tradição imperial;
- sincretismo religioso, maior tolerância;
- isolacionismo e posição insular → retardou o avanço científico;
- consolidação administrativa;
- população disciplinada;
- desenvolvimentos internos semelhantes;
- grupos dirigentes iniciaram reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios );
- consenso (pacto entre elites).
ALEMANHA
- sofreu mudanças territoriais ao longo de sua história;
- heterogeneidade cultural e política;
- ortodoxia cristã → conflitos religiosos no passado;
- cosmopolitismo → ideias da Rev. Francesa;
- fragmentação política;
- desenvolvimentos nativos desiguais: ascensão da Prússia;
- conflitos diante das reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios ) : grupos dirigentes resistiram.
Serão analisados três pontos na modernização japonesa e alemão:
- surgimento de uma autoridade nacional;
- destruição dos antigos privilégios;
- universalização da cidadania.
Duas Aristocracias
De que maneira a estrutura social anterior pode atrapalhar ou facilitar o processo de modernização?
- Por serem dois países retardatários industriais, é apropriado analisar a linha-base da estrutura social tradicional, ou seja, os grupos dirigentes tradicionais, se estes foram determinantes no processo de reformas.
- JAPÃO: a aristocracia japonesa iniciou a transformação do país, em razão da gradual perda de privilégios que vinha sofrendo desde a Era Tokugawa. Porém, tal insatisfação não atingiu a ideologia → ausência de polarização ideológica, atribuída ao isolamento. Por quê? O isolamento foi utilizado como instrumento político de contenção da classe guerreira japonesa, pela família Tokugawa, nos séculos anteriores, conferindo autonomia aos samurais, ao passo em que os subordinava ao governo central, impedindo que houvesse contato com o Ocidente. A aristocracia japonesa era anti-ruralista (samurais já moravam nas cidades → aumento da urbanização), relativamente desmilitarizada e burocrática.
A perda gradual de poder da nobreza guerreira japonesa
até o séc. XVI → samurais eram chefes supremos das aldeias (papel semelhante aos senhores feudais) → guerras civis → xogunato Tokugawa → fim do poder político dos samurais, que passam a ser funcionários do governo → feudos passam a ser administrados por cidades fortificadas, onde passaram a residir os samurais → Edito de 1615: destruição dos castelos, deixando só 1 por província → expulsão dos samurais da terra → expulsão das missões cristãs → isolamento efetivo → início Era Tokugawa → divisões na aristocracia → maior burocratização do governo → samurais passam a fazer carreira → lealdade mantida, porém mudanças na ideologia → conduta pessoal e burocrata → ideologia de ambição
“[…] homens de posição inferior foram muitas vezes promovidos a um alto cargo; comerciantes e, ocasionalmente, até mesmo camponeses com qualificações especializadas foram nobilitados para que pudessem manter o cargo; e a promoção na burocracia tornou-se para os guerreiros um meio importante de melhorar sua posição.” – Smith, Thomaz. Japan Aristocratic Revolution
Por que a aristocracia japonesa não resistiu às mudanças?
- falta de articulação ideológica;
- fracasso dos guerreiros em resistir à remoção da terra;
- conflitos de interesses entre as fileiras da aristocracia;
- burocratização e desenvolvimento de novas aspirações.
- ALEMANHA: a aristocracia não foi desafiada em seus privilégios; líderes de opinião manifestavam-se através da literatura, propagando ideias iluministas, vindas de fora, que se difundiram em uma sociedade em que a liberdade de opinião era inexistente. Na Alemanha, antes da unificação, a historiografia nos conduz a uma direção oposta à da japonesa, no tocante à estrutura social tradicional. A aristocracia prussiana era anti-urbana, em razão do fortalecimento dos laços com a terra, do consequente declínio econômico das cidades, resultando em uma queda na urbanização. Utilizaram vitórias militares no exterior para alcançar a unidade nacional, promovendo um militarismo dinástico, bem aceito pela nobreza territorial e, consequentemente, ampliando a posição do rei e de Bismarck.
Mudanças na Alemannha antes da Unificação
até final do séc. XVI → Prússia em ascendência = família Hohenzollern → cidades prósperas + camponeses livres → estabilidade gerada pela Ordem Teutônica (prosperidade econômica oriunda das hansas) → declínio comercial → 1525: extinção da Ordem → ascensão política da nobreza feudal através da coerção econômica (viram mercadores) → séc. XVII: declínio das cidades + servidão dos camponeses → empobrecimento dos Hohenzollern → variável exógena que altera o equilíbrio interno de poder: Guerra dos Trinta Anos → ocupação estrangeira → enfraquecimento da aristocracia territorial → Hohenzollern expandem privilégios à nobreza territorial e a militariza → Exército.
Tradição e Desenvolvimento da Classe Dirigente
Relações do governo local com a população
- JAPÃO: quase impessoais, pois os samurais já haviam sidos removidos da terra e os daimios eram administrados por funcionários diretos do governo central (algumas vezes era um samurai).
- ALEMANHA: altamente pessoal, pois a nobreza territorial permaneceu no governo local, com posição social e governamental mantida pela dinastia Hohenzollern.
Esfera Militar
- JAPÃO: após reformas militares Meiji, houve uma certa igualdade no exército com medidas de abolição da posse de espadas pelos samurais, visando restringir seu poder militar. Os samurais passaram a ter uma militância individual, mas sempre de acordo com o governo imperial.
- ALEMANHA: Hohenzollerns também suprimiram qualquer ação militar independente da nobreza local, mas mantinham sua posição social. As relações entre as classes militares eram interpessoais, o que atenua o abismo social entre as classes da Alemanha prussiana, pois dava a falsa impressão de ascensão, na medida em que o militarismo organizado era o principal instrumento de unidade nacional.
Cultura e Costumes
- JAPÃO: a criação de uma lei que obrigava os samurais a residirem por um período em Edo (antiga Tóquio), proporcionou um refino cultural à aristocracia guerreira, semelhante ao da corte francesa, após a transição do feudalismo para o absolutismo. Entre os samurais havia um sentimento anti-rural e de inveja dos prósperos comerciantes, mas isso foi minimizado pela campanha nacionalista após 1868.
- ALEMANHA: com a reintrodução da servidão, tanto a classe camponesa quanto a nobreza local (junkers), brutalizaram-se em costumes, se comparados ao restante da Europa naquela época. Mesmo os integrantes da alta aristocracia que permaneceram na terra careciam de refinamento cultural e o que predominava na sociedade da época era uma vida civil militarizada. Havia um sentimento anti-urbano, de preconceito contra os comerciantes.
Diferentes Papeis Desempenhados pelas Aristocracias
- JAPÃO: aristocracia foi decisiva no início das reformas, participando de decisões econômicas e políticas. Não havia defesa do velho regime, logo, não havia divisão radical de duas ideologias. A preocupação japonesa com posição social era independente do sentimento de classe e, na época da Restauração, havia uma consciência de classe relativamente fraca, o que minimizou o conflito tradição x modernidade/reformas.
- ALEMANHA: a iniciativa da reforma partiu dos funcionários de um regime absolutista, e não da aristocracia territorial. Ao longo do século XIX a Alemanha vivenciou uma divisão ideológica entre defensores da tradição x reformistas, porém havia uma elevada consciência de classe, em razão das ideias iluministas oriundas da França e Inglaterra.
A Questão do Consenso (no Japão)
- isolamento até 1868 → consenso nacionalista → nativismo x ocidentalismo;
- supremacia absoluta da hierarquia e autoridade sobre todos os valores e lealdades concorrentes (fomentada no período Tokugawa, pela destruição do cristianismo);
- tipo especial de consenso entre as elites governantes → respeito à autoridade estabelecida → Meiji
- característica típica da sociedade japonesa: respeito à autoridade hierárquica (em diversas células da sociedade) → valores de responsabilidade coletiva e solidariedade local
- não houve resistência da população às reformas no campo.
O Desenvolvimento como Problema Político
- A industrialização de países retardatários, como Alemanha e Japão, envolveu um alto grau de iniciativa política → exemplo primitivo desse tipo de desenvolvimento: medidas políticas para promover mudanças econômicas e enfrentar divisões da população.
É fácil controlar os sentimentos populares de uma única aldeia, mas é difícil controlar a opinião pública de uma nação inteira. […] Hoje, as condições no Japão estão intimamente relacionadas com a condição mundial. Elas não são simplesmente assuntos de uma nação ou província. […] governantes esclarecidos, com a ajuda de sábios ministros, conduziram e controlaram essas mudanças, consolidando assim suas nações. […] é responsabilidade do governo seguir uma política conciliatória e se acomodar a essas tendências, de modo que possamos controlar mas não agravar a situação, e afrouxar nossa influência sobre o governo, mas não cedê-la. — HIROBUMI, Ito, um dos arquitetos da Restauração Meiji
- JAPÃO: Objetivo dos líderes da Restauração Meiji: avançar economicamente e conter politicamente os resultados desse avanço.
- ALEMANHA: tentou estratégia semelhante, mas enfrentou resistência e insatisfação política de segmentos da sociedade. Diante disso, lideranças prussas argumentavam que o modelo parlamentar inglês era inaplicável à Alemanha, Estado militar, devido a sua posição geográfica na Europa central. A estrutura militar passa a ser o eixo do Estado prussiano, com o objetivo de coagir (através da força) a influência da burguesia no governo central. A unidade nacional não é possível em razão de desenvolvimentos econômicos diferenciais (o que provoca fragmentação nas aristocracias territoriais), pelo conflito de crenças religiosas e pela oposição política (Partido Social-Democrata).
Semelhanças Japão e Alemanha
- ambos tinham a convicção de que o governo monárquico/imperial era o indispensável “fiel da balança” entre as forças que ameaçavam a estabilidade do país.
Contrastes Japão e Alemanha
- o Japão não teve a “intrusão” de ideias ocidentais, que pudessem perturbar a estabilidade política do país, devido aos seus 250 anos de isolamento; a Alemanha, por outro lado, era uma “sementeira” de ideias oriundas da Inglaterra/França, além de ter divisões demasiado difundidas em sua sociedade (religiosas, políticas e econômicas).
- o Japão tinha uma preocupação inicial apenas em manter a unidade interna e se desenvolver economicamente; apenas após sua industrialização passou a investir em militarismo; a Alemanha, pelo contrário, utilizou o militarismo como meio de se industrializar e manter a unidade nacional, através do Estado da Prússia, justificativa para acomodar o confronto tradição x modernidade.
- o Japão possuía, no momento da Restauração, um grupo coeso de líderes políticos (unidade de liderança coletiva), que conseguiram implantar reformas graduais na sociedade (fim do sistema han, desmilitarização, redução dos privilégios dos samurais); a Alemanha, em contraste, desenvolveu-se a partir da ascensão de um de seus Estados (Prússia) sobre os demais, utilizando-se do militarismo e de uma constituição monárquica para fins de unidade política, conduzidos pela figura de Bismarck.
- Ambos os países necessitaram do governo e de ideias políticas para se desenvolverem, numa tentativa de conter as divisões de suas sociedades resultantes do confronto “tecnologia moderna” x “instituições arcaicas”.
Implicações Teóricas
- é falacioso dizer que os desenvolvimentos similares que os dois países tiveram ocorreu devido aos contrastes/semelhanças resultantes de tomadas de decisões anteriores. Em uma abordagem mais ampla, poderíamos substituir o precário equilíbrio da tomada de decisão por um conceito de “equilíbrio” atribuído à sociedade como um “sistema”.
- estudos comparativos consideram as estruturas sociais como fenômenos duradouros, porém limitados temporalmente. Logo, tomando o “desenvolvimento parcial” como uma verdade, e considerando que os homens conseguem conciliar tradição e modernidade, então o desenvolvimento de um país depende de uma administração política dos problemas da sociedade desse país em desenvolvimento.
- uma mistura de tradição e modernidade pode ser tanto tolerada como afetada pela “administração política”;
- as sociedades que surgiram depois do processo de desenvolvimento são profundamente afetadas por ideias além de suas fronteiras, portanto as explicações estruturais de desenvolvimento não podem ser exclusivas.
- Alemanha e Japão: simbiose entre tradição e modernidade, sujeita ao impacto das “artes industriais” e ao “processo de racionalização” (VEBLEN e PARSONS), cuja instabilidade resultaria na completa industrialização. Entretanto, Bendix analisa que a mudança mais drástica nesses países não ocorreu dessa forma, mas apona que a tradição foi destruída pela conquista, ocupação militar e divisão.
- para os que aceitam a teoria de Schumpeter do “desenvolvimento parcial”, tal questão parece óbvia, pois é fácil reconhecer que a conquista militar e a ocupação foram mais relevantes do que a industrialização na destruição da tradição.
- há ainda o argumento da influência da política externa e da conjuntura internacional como determinantes da destruição de legados tradicionais e a incorporação mais rápida ou mais lenta de tecnologia moderna, e, sob essa abordagem, não há relevância da conquista e ocupação como determinantes do desenvolvimento, pois esses países seriam modernizados de qualquer forma, em razão das mudanças no sistema.
- em suma, foram dois países que chegaram tarde ao processo de desenvolvimento, com estruturas sociais que devem ser compreendidas em suas particularidades, não apenas como “estágios transitórios”, tomando como referência a sociedade industrial inglesa.