O eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da América Latina [Capítulo I]

Capítulo I. In: MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O eixo Argentina-Brasil: o processo de integração da América Latina. Brasília: Universidade de Brasília, 1987. p. 15-21.

Evolução econômica, social e política do Brasil e da Argentina no início do século XX – Rio Branco, Roque Saénz Peña e o Tratado do ABC – As relações do Brasil e da Argentina com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – O intercâmbio entre o Brasil e a Argentina

  • Brasil e Argentina nas primeiras décadas do séc. XX: essencialmente agrícolas, exportadores de matérias-primas e importadores de manufaturados; economias complementares; relações bilaterais de comércio desde a colonização; ambivalência nas relações, marcadas por tendências tanto ao conflito quanto à cooperação, mas que se neutralizavam; processos de industrialização pós-I Guerra com diferenças intrínsecas.
  • ARGENTINA: desde a segunda metade do séc. XIX converteu-se no “quinto domínio” britânico, ocupando posição de dependência sem paralelo; a Grã-Bretanha era seu principal parceiro econômico e comercial (exportação de carne bovina, trigo e outros cereais e importação de manufaturados); excedentes exportados para a GB retornavam à Argentina como capitais, sob a forma de empréstimos e investimentos; migração (últimas décadas séc. XIX – início do séc. XX) sobretudo da Itália e Espanha → crescimento populacional; área cultivada no país triplicou de 1900 a 1915; crescimento urbano; responsável no período por 1/3 do comércio exterior da América Latina; renda per capita aumentou 5x, comparada a de países da Europa Ocidental.
  • Início do processo de industrialização argentino: iniciado por volta de 1880 graças a fatores como 1) crescimento da renda, 2) formação de poderosa pequeno-burguesia; 3) desenvolvimento urbano de Buenos Aires, 4) expansão da malha ferroviária, que criaram condições para o surgimento de um mercado interno.
  • Cenário em 1929: a indústria argentina já representava quase 23% do PIB e produzia 90% dos bens de consumo e era financiada principalmente pelo excedente agropastoril, além da participação dos imigrantes (85% do empresariado e 65% dos trabalhadores). A elite criolla, no entanto, articulou-se mais com o capital financeiro e o complexo exportador-importador, em razão dos altos lucros com as exportações de carne e cereais para a GB. Não havia fomento à industria nascente em razão de as políticas econômicas de Estado atenderem aos interesses a oligarquia latifundiária.
  • Pós-1930: queda nas exportações e redução do poder de compra dos argentinos, levando a elite a criar quotas de importação para manufaturados estrangeiros (proteção da indústria nacional).
  • Não se executou a nível do Estado um projeto coerente de desenvolvimento nacional, pois não havia coesão social (oligarquia criolla x classes médias e proletariado).
  • Mesmo durante governos de corrente militar/radicais (Hipólito Yrigoyen e Marcelo T. Alvelar) a base de sustentação do poder político não se modificou e continuou-se priorizando os interesses da oligarquia latifundiária.
  • A Argentina possuía poucos recursos minerais (ferro e carvão, por exemplo) e fontes de energia hidráulica se localizavam longe dos centros de produção de consumo, como Buenos Aires, além de pouca produção de petróleo. Daí a ideia de se construir uma hidrelétrica com as forças da Cataratas de Iguaçu, projeto que remonta a 1907, mas que contou com dificuldades logísticas e a oposição do empresariado britânico no país, quanto na tentativa de implementá-lo em 1922.
  • As termoelétricas continuaram então a responder por 90% do fornecimento de energia para a Argentina e continuou-se importando carvão e petróleo para atender à expansão dos automóveis.
  • Crente de que havia petróleo na região do Chaco, apoiou ativa mas indiretamente o Paraguai na guerra contra a Bolívia (1932-35).
  • Com a intensificação do processo de industrialização, a Argentina necessitava cada vez mais importar petróleo e maquinário, porém enfrentava dificuldades para equilibrar sua balança comercial com os recursos oriundos das exportações de matérias-primas para a Grã-Bretanha.
  • Relações Argentina e EUA: desde 1925, os Estados Unidos eram os principais exportadores para a Argentina de automóveis, combustíveis, pneus, equipamentos para a indústria e maquinário para a agricultura, embora as relações econômicas e políticas historicamente não fossem boas (oposição à proposta americana de criação de uma zollverein continental, na Conferência Pan-Americana de 1890 e nas outras subsequentes). Competiam ambos os países internacionalmente como produtores de alimentos e matérias-primas semelhantes.
  • Brasil – EUA – Argentina: o Brasil possuía um acordo com os EUA no qual reduziu em 20% a tarifa de importação sobre a farinha (de trigo) americana em troca de redução semelhante para a importação de café brasileiro. Isso desagradou a Argentina, também produtora de trigo exportado ao Brasil, levando-a a propor um acordo comercial com mútuas concessões para café, erva, tabaco, de um lado, e do outro, para cereais e farinhas de trigo. Na prática, porém, as exportações argentinas de farinha para o Brasil continuaram a crescer, devido ao menor custo de transporte. Os EUA reagem pressionando para uma tarifa de 30% para suas farinhas.
  • Pacto de cordial inteligência (1910): o presidente argentino Sáenz Peña visita o Brasil com o objetivo de alcançar um acordo para que os dois países coordenassem suas políticas, conforme havia sugerido o Barão de Rio Branco → hegemonia dual. Argumentava Peña que “tudo nos une, nada nos separa” para defender a união entre as duas nações e conter o avanço dos EUA na região.
roque saenz peña

“No somos, pues, rivales ni competidores en la producción: somos aliados y amigos en la economía” – Roque Sáenz Peña, 1910.

  • Tratado de Cordial Inteligência Política e Arbitramento (1915) ou Pacto do ABC: assinado entre Argentina, Brasil e Chile; inspirado nas ideias de Rio Branco, que via vantagens em uma “certa inteligência política” entre os três países; representava na prática uma tentativa de conter tanto os EUA quanto a Europa, atuando os três de forma coordenada para se protegerem. Acreditava-se ainda que o Pacto poderia facilitar o intercâmbio comercial entre as três nações, instituindo um regime preferencial e de concessões recíprocas → entente econômica. O governo americano o considerou “inamistoso”.
  • A Argentina não tinha como oferecer as mesmas concessões ao Brasil que os EUA e por esse motivo a entente econômica foi difícil de ser concertada na época.
  • Década de 1930: Brasil se torna o segundo maior cliente da Argentina depois da Grã-Bretanha, porém a balança brasileira foi equilibrada graças a um embargo contra a Argentina por 1 ano e meio em réplica a medidas contra a erva-mate brasileira; e, também, pela troca de café por trigo que o Brasil realizava com os EUA. O Brasil chegava nesta década com grandes negócios com os Estados Unidos (45% das exportações brasileiras), o que lhes dava poder de barganha, muito bem aproveitado por eles levando a ocuparem posições antes europeias, principalmente britânicas.
  • A Argentina, diferentemente do Brasil, via os EUA como concorrentes, e na prática isso se percebia com tarifas proibitivas e restrições sanitárias impostas pelos americanos, o que levou a oligarquia rural a ser simpática à Grã-Bretanha: “comprar a quienes nos compran”.
  • A rivalidade Estados Unidos–Grã-Bretanha passou a repercutir na política interna da Argentina e contribuir para sua instabilidade, na medida em que fomentou rivalidades entre nacionalistas, favoráveis aos interesses americanos e favoráveis aos interesses britânicos.
  • O nacionalismo encontrou terreno fértil no cenário pós-golpe de 1930 (retorno dos conservadores), em razão de o país estar em permanente conflito comercial/político com os EUA, já uma potência dominante, e pela frustrante dependência da Grã-Bretanha, potência decadente. Aliado a agitações sindicais, essa insatisfação resulta em novo golpe, que leva Perón ao governo, em 1942.
Hipólito Yrigoyen

Hipólito Yrigoyen, presidente da Argentina (1916-1922)

A Evolução da Sociedade Internacional [Capítulo I]

WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional: uma análise histórica comparativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. (ISBN 85-230-0634-6) [p. 27-34]

  • O sistema internacional contemporâneo tem sua origem no sistema europeu, onde suas regras e instituições foram aplicadas em uma escala global.
  • Termos gerais como “Estado”, “império” e “sistema” são úteis quando tomados como categorizações amplas, que em sua utilização lhes são atribuídos fenômenos individuais distintos.
  • Sistema: constitui-se quando comunidades diversas de pessoas ou entidades políticas estão suficientemente envolvidas umas com as outras. A organização do sistema fica em algum ponto de um espectro de noções entre a independência absoluta e o império absoluto. Esse espectro divide-se em 4 categorias: independência, hegemonia, domínio e império.
  • No sistema de Estados reside o dilema ordem x independência. A ordem limita a liberdade de ação das comunidades e de seus dirigentes, porém o desejo de ordem torna aceitáveis as limitações. Quando a ordem é opressiva, ela é imposta pela força real ou de uma autoridade hegemônica. O desejo de autonomia (e de independência) surge como vontade dos Estados de reduzir suas obrigações com a ordem imposta.
  • Estados independentes: são entidades políticas que mantêm a capacidade última de tomar decisões externas, bem como domésticas, em um sistema. A liberdade para tomada de decisões externas é reduzida pelas limitações que o envolvimento em um sistema impõem. Quanto mais limitações, mais apertado será o sistema, logo, mais longe ele se situa no espectro.
  • Independências múltiplas: quanto mais estreitamente os Estados estiverem envolvidos uns com os outros, menos se sentirão capazes de operar sozinhos. A rede de pressões econômicas e estratégias que os mantêm juntos induz à formação de alianças, que proporcionam ordem (raison d’état). A ordem também é promovida por acordos gerais que limitam e favorecem todos os membros do sistema e o tornam uma sociedade, levando os membros a crer em seu funcionamento (raison de système). Fala-se em independências múltiplas justamente quando esses acordos são voluntários, e não impostos por uma potência ou grupo.
  • A liberdade de ação de Estados independentes é limitada pela interdependência dentro de um sistema e também, de uma maneira mais eficaz, pela hegemonia. Quando uma ou mais potências exercem hegemonia se orienta o sistema de tal modo que todos os membros vêem vantagens ao aceitar a autoridade hegemônica.
  • Hegemonia: uma potência ou autoridade exerce hegemonia quando consegue determinar em alguma medida as relações externas entre os Estados-membros, enquanto internamente eles continuam independentes. Isso pode ocorrer por um Estado individual poderoso ou por um grupo de semelhantes características.
  • Suserania: quando um Estado exerce controle político sobre outro (visão do Direito Internacional); uma sociedade suserana / sistema suserano (Wight e Bull) ocorre quando os membros aceitam a hegemonia como legítima, diferente de uma aceitação tácita, necessária para qualquer hegemonia.
  • Domínio: situação em que uma autoridade imperial determinada de alguma forma o governo interno de outras comunidades, mas estas mantêm sua identidade como Estados separados e com algum controle sobre seus próprios negócios.
  • Império: administração direta de diferentes comunidades a partir de um centro. A liberdade de ação de um governo imperial é também diminuída pelas limitações práticas do envolvimento com outras comunidades.
  • Nenhum sistema real permanece fixo num ponto do espectro, pois as categorias não são estanques e não há uma transição abrupta de uma para a outra; há uma sequência.
  • A relação das comunidades umas com as outras modifica-se ao longo do espectro, no tempo e no espaço. Há gradações (por exemplo camadas de domínio e de hegemonia), o que evidencia o caráter peculiar (“natureza própria especial”) nas relações entre duas comunidades.
  • As comunidades tratadas como componentes de sistemas estão longe de ser constantes, pois pelo menos a área sob o controle de um governo oscila.
  • Legitimidade: aceitação da autoridade, o direito, de uma regra ou de um dirigente de ser obedecido, diferentemente do poder de coagir. É determinada pelas atitudes daqueles que obedecem a uma autoridade, ou seja, para manter suas independências e obter outras vantagens, os membros de um sistema cooperam entre si e realizam alianças. Da mesma forma, as potências hegemônicas/imperiais, cônscias das vantagens da cooperação, analisam se é vantajoso ou não reagir aos interesses de  povos subordinados.
  • É preciso uma autoridade legítima para que as regras, instituições e práticas de uma sociedade de Estados independentes sejam cumpridas.

Livro Nono: Das Leis na Relação que Possuem com a Força Defensiva

MONTESQUIEU. Livro Nono: Das Leis em sua relação com a força defensiva. In: MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Martin Claret, 2002 [p. 141-147]

Capítulo I

Como As Repúblicas Provêem À Sua Segurança

  • As repúblicas federativas são uma forma de governo convencionada através da associação de vários corpos políticos que consentem em formar um Estado maior.  Podem manter-se em sua grandeza, pois em relação ao exterior atuam com a mesma força de uma monarquia, já que há diversos confederados em seu interior, “força de associação”. Os Estados confederados garantem a manutenção da confederação ao adotarem mecanismos de vigia uns com os outros, prevenindo os inconvenientes. Isso mantém a confederação, a qual pode ser desfeita sem prejuízos aos associados por eles constituírem repúblicas com governos interiores próprios.

Capítulo II

A Constituição Federativa Deve Ser Composta por Estados da Mesma Natureza, Principalmente por Estados Republicanos

  • A natureza das pequenas monarquias não é a confederação; seu espírito é o da guerra e do crescimento, enquanto o da república é a paz e a moderação. Ambas as formas de governo só subsistem em uma república federativa, podendo haver cidades livres e principados, mas que são unificados por algum chefe ou monarca (“magistrado da união”).

Capítulo III

Outras Coisas Necessárias na República Federativa

  • República da Holanda: uma província não pode fazer aliança sem o consentimento de todas as outras, o que promove unidade em uma confederação política (“Uma república que se uniu numa confederação política deu-se por inteiro e não tem mais nada para dar.”). É composta por 7 províncias, que independente do tamanho, possuem um voto cada no Conselho comum. Os magistrados são nomeados por cada cidade.
  • República da Lícia: associação de 23 cidades, onde as grandes tinham três votos no Conselho; medianas, dois; pequenas, um. Os encargos eram pagos na proporção dos sufrágios. Juízes e magistrados eram eleitos pelo Conselho comum segundo a proporção.

Capítulo IV

Como os Estados Despóticos Provêem À Sua Segurança

  •  Separam-se, sacrificando parte do país, das fronteiras, deixando o corpo do império inacessível. Também conserva-se através de outro tipo de separação, colocando nas mãos de um príncipe feudatário suas províncias distantes. Exemplos: Mogol, Pérsia e China.

Capítulo V

Como a Monarquia Provê À Sua Segurança

  • Possui fortificações que protegem suas fronteiras e exércitos que protegem as fortificações. As monarquias fazem guerra, por isso cada terreno é disputado “com arte, com coragem, com teimosia”. Os Estados despóticos temem possuir fortificações, pois não ousam confiá-las a ninguém.

Capítulo VI

Da Força Defensiva dos Estados em Geral

  • A força de um Estado se mede pela rapidez com que ele consegue mover habilmente suas forças de defesa de uma fronteira à outra. Aquele que ataca pode aparecer em qualquer lugar, logo, a capacidade defensiva também deve se mostrar em todo lugar, e para que isso seja possível a extensão do Estado deve ser mediana, como França e Espanha. Quando um Estado vasto como a Pérsia é atacado, são necessários meses para suas tropas organizarem-se, ocorrendo logo a derrocada do exército da fronteira, distante da ajuda de outras tropas, assim o inimigo avança rumo à capital. Cercando a capital, o Estado necessita da ajuda dos governadores das províncias, que neste momento pensam somente em seus interesses particulares, podendo não enviar socorro. O verdadeiro poder de um príncipe está na imutabilidade de sua condição (dificuldade de atacá-lo). Um monarca deve ter também a prudência de limitar o seu poder para evitar os inconvenientes da grandeza.

Capítulo VII

Reflexões

  •  A monarquia universal, em que um príncipe tomaria o poder de toda a Europa, tornando-o único rei, não parece uma decisão prudente para o país que tenta realizar tal empresa, quanto para todos os outros: “Nada seria mais fatal para a Europa, para seus antigos súditos, para ele, para sua família.”

Capítulo VIII

Caso Em Que a Força Defensiva de um Estado é Inferior À Sua Força Ofensiva

  • Um Estado não consegue resolver seus problemas internos (divisões territoriais por interesses políticos ou civis) enviando ao exterior exércitos para reunir pela força da disciplina e militar os que estão divididos. Coucy diz que “os ingleses nunca são tão fracos nem tão fáceis de vencer quanto quando estão em casa”, e isso pode ser aplicado a qualquer potência, valendo como uma exceção à regra geral de que não se empreendam guerras distantes.

Capítulo IX

Da Força Relativa dos Estados

  • “Toda grandeza, toda força, todo poder é relativo.” É preciso tomar cuidado para que ao se aumentar a grandeza real, não se diminua a grandeza relativa. Exemplo: França na metade do reinado de Luís XIV estava no ponto mais alto de sua grandeza relativa.

Capítulo X

Da Fraqueza dos Estados Vizinhos

  • Quando um Estado vizinho está em decadência, não se deve apressar sua ruína, pois raramente com a conquista deste se estará aumentando o poder real e diminuindo o poder relativo.