As Lutas Políticas: o Estado, Condensação de uma Relação de Forças

Ficha de resumo sobre a segunda parte do livro O Estado, O Poder, O Socialismo, de Nícos Poulantzás – Política II: Teoria Política Contemporânia – Prof. Luiz Gustavo Mello Grohmann

  • O Estado deve ser analisado em termos de dominação política e de luta política.
  • Uma teoria do Estado capitalista deve considerar, além das relações de produção, a reprodução histórica desse Estado e as transformações por que ele passou quanto à constituição e reprodução das classes sociais, de sua luta e da dominação política.
  • Poulantzas refuta a teoria do Estado capitalista que prioriza a análise da estrutura econômica, deixando a luta de classes e a dominação política como causas que explicam àquela.
  • O autor critica ainda o teoricismo formalista que trata de concepções marxistas clássicas sobre o Estado como uma “teoria geral”, levando a banalizações do tipo “Todo Estado é um Estado de classes”. Tais formas são incapazes de expressar a realidade concreta e podem ser desastrosas, como foi no Entre Guerras, na estratégia do Komintern, fundamentada em uma concepção estatal inapta a diferenciar entre Estado democrático-parlamentar e Estado de exceção (o Fascismo).
  • O que Poulantzás propõe é uma análise no cerne das instituições estatais para, assim, compreender a inscrição da luta de classes, muito particularmente da luta e da dominação política, explicando as formas diferenciais e transformações históricas desse Estado.

I. O Estado e as Classes Dominantes

  • O Estado representa e organiza as classes dominantes.
  • O Estado representa e organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder, que é composto de frações de classe burguesas.
  • Classes oriundas de outros modos de produção participam junto com a burguesia deste bloco no poder. Exemplo: proprietários de terras.
  • O Estado é a unidade política das classes dominantes e é ele que as instaura como dominantes, através do conjunto de seus aparelhos (partidos políticos, polícia, exército etc)
  • O Estado tem autonomia relativa, devido à materialidade desse Estado em sua separação relativa das relações de produção e à especificidade das classes e lutas de classes sob o capitalismo que essa separação acarreta.
  • Poulantzas tenta fazer uma análise geral e atemporal, que abrange todos os tipos de capitalismos, argumentando que o Estado capitalista deve representar o interesse político a longo prazo da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações, variando conforme a época.
  • A burguesia, como classe dominante apresentada, apresenta-se sempre dividida em frações de classe.
  • Essas frações constituem, em conjunto, o bloco no poder, em graus de desigualdade no campo da dominação política.
  • O Estado detém autonomia relativa em relação a qualquer fração do bloco no poder, assegurando a organização do interesse geral da burguesia sob a hegemonia de uma das frações.

Como se estabelece concretamente essa política do Estado em favor do bloco burguês no poder?

Através da condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe no seio do Estado.

  • Refuta a ideia de o Estado ser Objeto (concepção instrumentalista do Estado, instrumento passivo, quase neutro, manipulado por uma das classes) ou de ser Sujeito (com autonomia plena, corrente institucionalista-funcionalista, racionalidade estatal, burocracia).
  • Poulantzás analisa as teorizações do Partido Comunista Francês (PCF), através de Fabre, Hincker e Sève, que rompem com o instrumentalismo e entendem o Estado como uma condensação da luta de classes. No entanto, tais pensadores apenas confrontam 2 teorias (a do Estado-objeto e a do Estado-sujeito), mas não conseguem perceber a materialidade própria do Estado como aparelho.
  • As duas teorias não precisam ser totalmente refutadas, argúi Poulantzas, mas fusionadas, já que o Estado é formado tanto pelas relações de produção como pela divisão social do trabalho, concentradas na separação capitalista do Estado e dessas relações, constituindo a ossatura material de suas instituições.
  • Mudanças de poder do Estado não bastam para transformar a materialidade do aparelho do Estado.
  • As teorias anteriores, quais sejam, do Estado-coisa e do Estado-sujeito, analisam o Estado como um bloco monolítico sem fissuras, ignorando suas contradições internas, sendo as contradições do Estado consideradas exteriores às classes sociais, neste; e, as contradições de classe consideradas exteriores ao Estado, naquele.
  • O Estado é constituído e dividido de lado a lado pelas contradições de classe e elas armam, assim, sua organização: a política estatal é o efeito de seu funcionamento no seio do Estado.
  • A organização do Estado é possível graças ao jogo de contradições (relações de força no interior do bloco no poder) na materialidade do Estado.
  • A política atual do Estado é resultado de contradições interestatais entre setores e aparelhos de Estado e intestinas a cada um deles:
  1. Trata-se de um mecanismo de seletividade estrutural da informação dada por parte de um aparelho e de medidas tomadas, pelos outros. (significa o lugar de cada aparelho na configuração da relação de forças);
  2. Representa um trabalho contraditório de decisões e de não-decisões (ausência sistemática) por parte dos setores e segmentos do Estado;
  3. Trata-se de uma série de prioridades e contra-prioridades contraditórias entre si;
  4. Há uma filtragem escalonada por cada ramo e aparelho, no processo de tomada de decisões, de medidas propostas pelos outros ou de execução efetiva.
  5. Verifica-se um conjunto de medidas pontuais, conflituais e compensatórias.
  • A política do Estado é constituída por contradições interestatais. Logo, o capitalismo está longe de ser organizado formalmente. No entanto, essas contradições inerentes ao processo de reprodução e acumulação do capital (e também à estrutura e cerne material do Estado) permitem a organização do bloco no poder e a autonomia relativa do Estado em relação a uma ou outra de suas frações.
  • A autonomia é resultante do que se passa dentro do Estado e não das contradições exteriores a ele.
  • As contradições interiores do bloco no poder atravessam a burocracia e o pessoal do Estado, segundo clivagens complexas, ramos e aparelhos do Estado (exército, administração, magistratura, partidos, igreja, etc).
  • O Estado deve ser entendido como um campo e um processo estratégicos, atravessado por núcleos e redes de poder repletas de contradições internas e compensações.
  • O Estado possui uma unidade de aparelho (centralismo) ligada à unidade do poder de Estado (atravessando suas fissuras).

Como foi estabelecida a unidade-centralização do Estado em favor do capital monopolista?

  1. Por transformações institucionais do Estado: alguns centros de decisão, dispositivos e núcleos dominantes só foram permeáveis aos interesses monopolistas.
  2. Esses centros passaram a orientar a política do Estado.
  3. A unificação de interesses gera hegemonia da classe ou fração, que se instala como aparelho dominante.
  4. No longo prazo, esse aparelho dominante passa a ser o próprio aparelho do Estado, estabelecendo-se por toda a cadeia de subordinação dos demais aparelhos interiores, consolidando os interesses hegemônicos.

Como deve se dar a ascensão das massas populares e suas organizações políticas ao poder, numa transição para o socialismo?

  1. Deve ser pela tomada do poder de Estado e pela transformação dos aparelhos de Estado.
  2. A esquerda tomar o poder não significa que ela vai controlar realmente (ou pelo menos alguns) aparelhos de Estado.
  3. A organização do Estado burguês permite funcionar por deslocamentos e substituições sucessivas, dando condições do deslocamento do poder da burguesia de um aparelho para outro.
  4. Como o Estado não é um bloco monolítico, as permutações do papel dominante entre os aparelhos (dado que os aparelhos são rígidos) constituem um processo mais ou menos longo.
  5. A rigidez e ausência de maleabilidade nas trocas entre aparelhos é desfavorável à burguesia, abrindo espaço para a esquerda no poder.
  6. As contradições internas e os deslocamentos entre poder real e poder formal estão também no seio de cada aparelho.
  7. Logo, é preciso raciocinar em termos de núcleos e focos de poder real em lugares estratégicos dos diversos setores e aparelhos de Estado.
  8. Não basta para a esquerda, portanto, tomar o poder, controlar o cume da hierarquia formal, mas se faz necessário, ainda, controlar núcleos de poder real.

II. O Estado e as Lutas Populares

  • O Estado concentra não apenas as relações entre forças do bloco no poder, mas também a relação de forças entre estas e as classes dominadas.
  • As lutas populares e os poderes atravessam o Estado e, por mais que elas sejam políticas, não constituem uma força exterior ao Estado, mas intrínsecas a ele.
  • Também as lutas que extrapolam o Estado (“fora do poder”), na verdade, originam-se dos aparelhos de poder, que as materializam e condensam-nas numa relação de forças. Logo, em virtude do encadeamento estatal complexo com os dispositivos de poder, sempre essas lutas são causadas (mesmo que indiretamente) por motivos intestinos.
  • A organização hierárquica-burocrática do Estado e sua estrutura material relativamente às relações de produção visam a reproduzir internamente a relação dominação-subordinação das classes populares, na qual o inimigo destas está sempre dentro do Estado.
  • Além de exercer hegemonia sobre as demais classes e frações de classes no poder, um aparelho dominante no seio do Estado também detém poderes político-ideológicos sobre as classes dominadas.
  • Não é possível, argumenta Poulantzas, uma relação de duplo poder dentro do Estado (das classes dominantes e das classes dominadas) – no caso de uma fração de classe popular participar do Estado.
  • É  preciso transformação radical do Estado para que a classe popular, adentrando no poder, efetivamente exerça poder real sobre os demais aparelhos. E, mesmo assim, a curto ou longo prazo, o Estado tende a restabelecer a relação de forças em favor da burguesia.
  • A ação das massas no interior do Estado é condição necessária, mas não suficiente.
  • Há diferenças nas estratégias políticas das diversas frações do capital para com as massas populares, que são fatores primordiais de divisão no seio do bloco no poder.
  • As várias frações do bloco no poder, muitas vezes, tentam assegurar-se no Estado com o apoio de massas populares (ou de frações delas contra outras).
  • As lutas populares estão inscritas na materialidade do Estado, não estando, portanto, em posição de exterioridade, mas derivam da configuração estatal através da relação existente nos aparelhos constitutivos.

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