A Tentativa de Maximização do Poder pelos Estados Unidos da América Através da Organização Mundial do Comércio

Artigo produzido para a cadeira de Direito Internacional Econômico, em 25 de junho de 2010, sob a orientação do Prof. Dr. Fabio Costa Morosini

ABSTRACT: This article aims to analyze U.S. intentions using the World Trade Organization (WTO) and other international institutions such as NATO and United Nations in order to build and maintain its “global hegemon” status. The underlined unilateral decisions under the WTO, UN and NATO demonstrate lack of dialogue with other countries and a clear power-maximizing behavior. This article also emphasizes Dispute Settlement cases in the WTO as examples of U.S. disrespect or its attempts to support the highest power in the international system since the end of the World War II. Besides it was analyzed that WTO cases under agreements like GATT, GATS, TRIPS and other international juridisction documents regarding international trade law.

1. O Cenário Pós-Segunda Guerra Mundial e a Consolidação da Bipolaridade

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, mesmo antes do lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, os Estados Unidos da América já despontavam como a maior nação vencedora do conflito, além de a menos prejudicada, senão favorecida por ele. A vantagem americana, fruto de um relativo isolamento político-diplomático do Entre-Guerras, o qual se revelou estratégico (aos moldes do isolacionismo realizado antes da Primeira Guerra Mundial), da entrada na guerra somente após o ataque de Pearl Harbor (ou seja, apenas há quatro anos do término do conflito), e, mesmo após a definitiva declaração de apoio aos Aliados, os EUA contaram com o isolamento geográfico, que permitiu a este país sofrer danos em seu território e em sua população praticamente desprezíveis (se compararmos aos que a Europa, a União Soviética ou o Japão, por exemplo, sofreram), contribuiu não somente para um crescimento da economia americana, mas para a sua afirmação como potência hegemônica preponderante e flagship do modelo capitalista.

Enquanto a URSS tentava se recuperar do quase letal conflito, no qual teve seu território praticamente destruído, sua população em condições de extrema miséria e desilusão diante da perda de inúmeros compatriotas (apesar dos ganhos diplomáticos e da consequente ampliação da sua esfera de influência por várias partes do globo) e o continente europeu recebia a ajuda do Plano Marshall para a recuperação econômica de países também deveras afetados por terem sido, como os soviéticos, palco de batalhas da Segunda Grande Guerra, o sistema internacional se configurava para uma bipolaridade de caráter ideológico, a rivalidade capitalismo versus socialismo, protagonizada, respectivamente por Estados Unidos e União Soviética até meados dos anos 90.

Logo após a assinatura dos tratados de paz visando a encerrar oficialmente a Segunda Guerra e a discutir sobre a organização de um novo cenário mundial, articulados em conferências como Yalta (fevereiro de 1945), Potsdam (julho de 1945) e Washington (outubro de 1945), os Estados Unidos lideraram um movimento pela construção de entidades internacionais reguladoras da nova ordem, causa que já vinha sendo defendida e estrategicamente difundida por Roosevelt, embora limitada até mesmo pelo contexto da guerra (HILLGRUBER, 1995). Assim, no imediato pós-guerra (ou até mesmo um pouco antes dele) verificou-se a criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), em julho de 1944, do Banco Mundial, em dezembro de 1944, a construção da Organização das Nações Unidas (ONU), através do Tratado de Washington, assinado em 1945, da Corte Internacional de Justiça, no mesmo ano, a assinatura do Acordo sobre Tarifas e Comércio (GATT) – equivalente na época à Organização Mundial do Comércio, em 1947, a fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 1949. Em suma: emergiram organizações internacionais, para os mais diversos fins – políticos, militares, jurídicos, sócio-culturais, diplomáticos, financeiros ou comerciais –, em um momento em que se delineavam os primeiros traços da Guerra Fria, onde era vital para os EUA tomar posição de dianteira a frente de tudo o que fosse novo e benéfico para a ampliação do seu poder, aproveitando-se da posição vantajosa que obtivera com o final da Segunda Guerra Mundial.

A URSS, por sua vez, apesar das dificuldades mencionadas, possuía uma esfera de influência considerável – Alemanha Oriental, países do Leste Europeu, Ásia Central, Extremo Oriente e enclaves no Centro da Europa e em outras partes do mundo – o que lhe rendeu o status de potência semi-hegemônica no continente europeu (HILLGRUBER, 1995) e de potência hegemônica a nível mundial, com paridade de poder potencial em relação aos EUA. Isso significa, sob uma ótica neo-realista, que a União Soviética realizou, primeiramente, o que Kenneth Waltz chamava de balanceamento por esforços externos, ou seja, ampliou o seu poder através de um cinturão de países em diferentes partes do mundo ligados por uma ideologia comum: o socialismo, e que, de certa forma, abdicavam do status de potência regional ou de aspirantes à hegêmona global, por estarem conscientes da superioridade bélica americana (DINIZ, 2007) e, assim, optarem por ficar embaixo do “guarda-chuva soviético”, que lhes protegia em um período onde uma nova guerra não era desejável por nenhum dos blocos.

Os antagonismos entre URSS e EUA se ampliaram drasticamente, em primeiro lugar porque o presidente Truman adotara uma política agressiva (em detrimento da anterior coexistência pacífica de Roosevelt), o que levou os dois países – e consequentemente, os dois blocos do sistema internacional – a uma competição desenfreada e ao próprio desencadeamento do período denominado Guerra Fria (PECEQUILO, 2005). Se no imediato pós-Segunda Guerra (especificamente de 1947 até 1950) os gastos norte-americanos com armamentos foram reduzidos, período em que os EUA não necessitavam ampliar sua capacidade bélica por deslumbrarem de uma superioridade absoluta, a partir dos anos 50, todavia, o quadro reverteu-se graças à paridade estratégica atingida pelo líder do bloco opositor, a URSS (anexo I).

Completamente imersos no sistema internacional e com uma política externa voltada para a expansão global, através da Doutrina Truman, os EUA tentam ampliar sua hegemonia através de duas estratégias: a criação de novos órgãos ou acordos para aumentar sua influência, através do engajamento dos países em nível global, sob seu protetorado – ANZUS (Acordo de Segurança Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia) e CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) em 1951, OTASE (Organização do Tratado do Sudeste Asiático) em 1954, Pacto de Bagdá em 1955, Tratado de Roma em 1957, OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) em 1961 – e a tentativa de evitar a ascensão de potências regionais, mesmo que dentro do seu próprio bloco, ou de qualquer organização que contrariasse princípios de liberalização global (PECEQUILO, 2005). Uma exceção à segunda estratégia foi a Europa, em que cujo continente a integração regional revelou-se deveras benéfica aos interesses norte-americanos, conquanto a CECA, e depois a CEE (Comunidade Econômica Europeia), fornecia coesão ao oeste europeu, facilitando a influência e o controle econômico e militar pelos EUA, através do argumento da cooperação e do engajamento dentro da bipolaridade (PACAUT; BOUJU, 1979).

2. A Consolidação do Sistema Internacional Unipolar

O grande debate em Relações Internacionais após o final da Guerra Fria gira em torno das discussões sobre o atual status em termos de poder dos Estados Unidos da América no sistema internacional: seriam hoje eles uma espécie de hegêmona global e a ordem internacional estaria configurada como unipolar (DINIZ, 2007)? Ou, então, os EUA não passam de uma potência hegemônica em um cenário onde coexistem outras potências com possibilidade de chegarem ao mesmo patamar, o que configuraria o período como transição para uma multipolaridade (LEMKE, 2004)? Não havendo resposta precisa para tais questões e, mesmo existindo, diante do relativo dinamismo do sistema internacional em se alterar em um curto prazo (o que não ocorria nos séculos anteriores), é possível que hoje estejamos vivendo um sistema unipolar e na próxima década um multipolar, bem como nos anos seguintes, retornarmos a uma unipolaridade (de outro hegêmona) e assim por diante. Logo, ou isso nos comprova a existência de movimentos cíclicos de ascensão e declínio de grandes potências, como argumenta Paul Kennedy, ou uma única potência pode perpetuar-se por um longo período no topo do sistema internacional sem qualquer explicação plausível para isso, que não sejam as suas próprias habilidades (esforços internos ou externos) de manter-se em tal status.

De qualquer forma, consideremos que hoje estamos vivendo uma ordem unipolar, na qual os Estados Unidos da América são o único hegêmona global (apesar de não negarmos a existência de aspirantes a tal posto, mas com intenções não-explícitas: China, por exemplo) e que eles desejam se perpetuar como “polícia do mundo” por um longo período (PECEQUILO, 2001). Assim, para consolidar sua hegemonia global, os EUA tentam se auto-afirmar no plano internacional, utilizando-se (e reutilizando-se com mais força), no cenário pós-Guerra Fria, das instituições internacionais já mencionadas, sendo isso claramente verificado em duas delas — a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) — e uma terceira — a Organização das Nações Unidas (ONU) —, que serve apenas para colaborar formalmente com os interesses americanos. Esta, embora desrespeitada pela administração Bush (2001-2008), segue como escudo político na diplomacia para com opositores à tentativa americana de consolidação no poder internacional.

Tudo levava a crer que a OTAN seria extinta após o fim da Guerra Fria, como o foi o Pacto de Varsóvia, que constituía a organização militar equivalente no lado soviético. No entanto, além de o acordo de cooperação militar entre as potências do Atlântico Norte não ter sido desfeito, ele foi reforçado, ampliado e teve seu caráter renovado (VIZENTINI, 2002). Primeiramente, a OTAN constituía um acordo militar estratégico de defesa e segurança do bloco ocidental no cenário da bipolaridade, sob a liderança americana. Com o fim da URSS e o desmantelamento do bloco socialista, extinguiu-se imediatamente o Pacto de Varsóvia, no entanto a OTAN manteve-se intacta e, anos depois, passou a incorporar ex-membros do bloco soviético e a afirmar-se como uma espécie de única instituição de defesa internacional permanente, haja vista que as tropas da ONU são formadas por exércitos dos próprios países-membros, o que lhe confere um caráter muito distinto daquela, mais fragmentado, desarticulado e esporádico.

3. A OMC como Instrumento de Ampliação do Poder Norte-Americano

Muitos autores e juristas no campo do Direito Internacional Econômico ou Comércio Exterior argumentam que a Organização Mundial do Comércio, criada em 1994, a partir do Tratado de Marrakesh, constitui um mecanismo internacional democrático, que visa a uma maior integração dos países a partir da liberalização econômica, reduzindo as desigualdades e tornando o livre comércio mais justo em escala global. Ora, considerando-se que este é o objetivo da OMC, na prática, percebe-se uma clara atuação contrária por parte dos países desenvolvidos, especialmente os EUA, os quais fazem claramente uso de medidas protecionistas e subsídios à agricultura, por exemplo. Nesse sentido, países emergentes como Brasil, Argentina, África do Sul e Índia têm lutado desde o início da Rodada de Doha, inaugurada em 2001 no Catar, pelo fim do protecionismo norte-americano a seus produtos agrícolas possibilitando, assim, a maior equidade (que teoricamente resultaria da total liberalização do comércio internacional) que os nortistas tanto pregam, mas na prática não cumprem.

Os casos levados à OMC pelas economias do G20 contra os EUA, sendo o Brasil vitorioso em muitos deles, são inúmeros. Tomando por base apenas as consultas a partir de 1995, podemos fazer uma breve análise de quantos deles foram respondidos pelos Estados Unidos da América e, requeridos por países principalmente emergentes ou em desenvolvimento. Em 1995, temos como mais relevantes os casos: 1) DS24 — Restrições nas Importações de Algodão e Fibras Sintéticas para Roupas de Baixo[1] — reclamado pela Costa Rica, onde os EUA violaram o ATC (Acordo sobre Têxteis e Vestuário) e o Artigo X:2 do GATT/1994; 2) DS2 e DS4 — Critérios para Gasolina Reformulada e Convencional — reclamado por Venezuela e, posteriormente, por Brasil, onde os EUA violaram o TBT (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) e o artigo I e III do GATT/1994. Em 1996, observamos os seguintes casos: 1) DS32 — Medidas Afetando a Importação de Casacos de Lã Femininos — requerido pela Índia, a qual argumentou estarem os EUA usando medidas de salvaguardas contra a importação desses produtos, violando os artigos 2, 6 e 8 do ATC, bem como o caso paralelo, DS33 — Medidas Afetando a Importação de Camisas e Blusas Femininas — também requerido pela Índia, sob a mesma argumentação, contra os EUA; 2) DS38 — Ato de Liberdade e Solidariedade Democrática Cubanas (Libertad Act, de 1996) — reclamado pelas Comunidades Europeias, que reivindicavam o fim deste ato de restrições imposto pelo Congresso Americano contra produtos oriundos de Cuba e negação de visto para cidadãos cubanos em território americano, o que, para as CE, eram medidas inconsistentes com o Acordo da OMC, violando o artigo 4 do Entendimento sobre Regras e Procedimentos que regem a Solução de Controvérsias (ESC), além de ferir os Artigos I, III, V, XI e XIII do GATT e os Artigos I, III, VI, XVI e XVII do GATS. Faremos uma pausa na análise estatística dos exemplos de casos nos quais os Estados Unidos da América foram respondentes na OMC, em virtude da relevância do último caso citado — o DS38 — devido ao seu caráter político, pois a resolução da consulta requerida pelas Comunidades Europeias foi simplesmente ignorada, sob a seguinte argumentação: “The Panel’s authority lapsed on 22 April 1998, pursuant to Article 12.12 of the DSU.”

Analisemos, assim, o que diz o artigo 12.12 do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC, o DSU em inglês):

“The panel may suspend its work at any time at the request of the complaining party for a period not to exceed 12 months. In the event of such a suspension, the time-frames set out in paragraphs 8 and 9 of this Article, paragraph 1 of Article 20, and paragraph 4 of Article 21shall be extended by the amount of time that the work was suspended. If the work of the panel has been suspended for more than 12 months, the authority for establishment of the panel shall lapse.” (JACKSON, 2002)

A decisão do painel prescreveu em 1998, ou seja, os EUA não foram obrigados a abdicar do Ato restritivo contra Cuba, também conhecido como Lei Helms-Burton, — e que prejudicava o livre comércio, a partir do momento em que foi imposto a todos os países que realizavam comércio com os cubanos — em um cenário já pós-Guerra Fria, mas que provavelmente atendia aos interesses norte-americanos de não encerrar os embargos contra a ilha. As Comunidades Europeias, majoritariamente favoráveis e complacentes às decisões da política externa americana (PECEQUILO, 2005), por mais que estivessem sendo prejudicadas (por não poderem comprar açúcar de Cuba, por exemplo), preferiram deixar o prazo expirar, segundo os procedimentos do painel apontados no Artigo 12 do ESC. Em suma, foi conveniente para as CE não enfrentarem os EUA em uma disputa que tinha apenas um pano de fundo econômico, porém na realidade o escopo trazia à tona os fantasmas da Guerra Fria e a negação do reconhecimento do regime de Fidel Castro pelo nosso então considerado hegêmona global.

Os Estados Unidos, portanto, descumpriram claramente as suas obrigações internacionais ao implantar a Lei Helms-Burton, visando a renovar o embargo contra Cuba, que remonta a 1962 e à Administração Kennedy, em um cenário claramente bipolar e distinto do contexto de 1996, já com uma instituição internacional reguladora das questões comerciais — a OMC, na qual Cuba ingressou como membro em 1994. No entanto, embora não tendo embasamento jurídico internacional para embargos e sanções que a Administração Clinton vinha realizando, tais medidas foram de fato aplicadas e as reações (da União Europeia, da América Latina — através do Grupo do Rio e até mesmo do Canadá) foram completamente desprezadas e minimizadas através de acordos diplomáticos por parte dos EUA com os insatisfeitos.

Em 1997, citam-se como exemplo os seguintes casos: 1) DS89 — Taxação Antidumping sobre Receptores para Televisores Coloridos (RTCs) Importados da Coreia do Sul — reclamado pela Coreia do Sul, sob a argumentação de que há 20 anos os EUA vinham adotando medidas antidumping sobre os RTCs sul-coreanos, o que violava os Artigos VI.1 and VI.6 (a) do GATT/1994 e os Artigos 1, 2, 3.1, 3.2, 3.6, 4.1, 5.4, 5.8, 5.10, 11.1 e 11.2 do Acordo Anti-Dumping; 2) DS97 — Estados Unidos – Investigação de Medidas Compensatórias da Importação de Salmão do Chile — reclamado pelo Chile, a partir da investigação iniciada pelo Departamento de Comércio dos EUA sobre direitos compensatórios contra a importação de salmão chileno, o que, para o Chile, violava o Artigo 4 do ESC e o Artigo XXII.1 do GATT, além de a decisão de iniciar a investigação sobre subsídios, segundo o reclamante, também contrariar os Artigos 11.2, 11.3 e 11.4 do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias; 3) DS111 — Estados Unidos – Quotas para Importação de Amendoim — reclamado pela Argentina, a qual argumentou terem os EUA adotado uma interpretação restritiva do acordo bilateral firmado na Rodada do Uruguai, por ambos os países, o que, segundo o reclamante violava os Artigos II, X e XII do GATT/1994, os Artigos 1, 4 e 15 do Acordo sobre Agricultura, o Artigo 2 do Acordo sobre Regras de Origem e o Artigo 1 do Acordo sobre Licenças de Importação. Os dois últimos casos (DS97 e DS111), segundo os documentos disponibilizados no sítio da OMC, não foram ainda solucionados.

Em 1998 temos um caso de relevância para este estudo, que tenta reproduzir uma análise não apenas amostral da participação ininterrupta norte-americana como respondentes na Organização Mundial do Comércio, mas também a relativa ineficiência da aplicabilidade prática dos inúmeros acordos para os EUA. Trata-se do DS136 — Estados Unidos – Ato Antidumping de 1916 — reclamado pelas Comunidades Europeias, sob a alegação de que os Estados Unidos ainda faziam uso de tal Ato de 1916, atitude que contrariava, primeiramente, o Acordo que estabeleceu a OMC em seu Artigo XVI:4, que diz o que se segue:

“Each Member shall ensure the conformity of its laws, regulations and administrative procedures with its obligations as provided in the annexed Agreements.”  (Art. XVI:4 – AGREEMENT ESTABLISHING THE WORLD TRADE ORGANIZATION)

Além disso, a atitude americana violava os Artigos III:4, VI:1 e VI:2 do GATT/1994 e os Artigos 1, 2, 3, 4 e 5 do Acordo Antidumping, segundo a argumentação das Comunidades Europeias.  O caso, no entanto, apesar de ter sido levado à OMC em 1998, só teve instalação de painel em 1999, sendo que os EUA (quando perderam a causa) levaram o contencioso ao Órgão de Apelação, pedindo para que as decisões do painel fossem analisadas, sob os seguintes argumentos: 1) a respeito de violar o Artigo VI do GATT, o painel errou por falta de jurisdição:

“In each dispute, the complaining party invoked the jurisdiction of the Panel pursuant to Article 17 of the Anti-Dumping Agreement. However, when Article 17 of the Anti-Dumping Agreement is invoked as a basis for a panel’s jurisdiction to determine claims made under that Agreement, it is necessary for the complaining party to challenge one of the three types of measure set forth in Article 17.4 of that Agreement, i.e., a definitive anti-dumping duty, a provisional measure or a price undertaking.” (WT/DS136/AB/R – REPORT OF THE APPELATE BODY – WTO)

2) O painel errou também ao considerar o Artigo VI do GATT separadamente do Acordo Antidumping, o que, para os EUA, constituem um “pacote inseparável de direitos e obrigações, em que um não pode ser invocado independentemente do outro.”; 3) O painel interpretou e aplicou a distinção entre “legislação mandatória” e “legislação discricionária” e não há respaldo para isso nas jurisprudências da OMC ou do GATT;  4) O painel equivocou-se ainda ao achar que, interpretando o Artigo VI do GATT pelo Acordo Antidumping, isso se aplicaria ao Ato de 1916; 5) A palavra “pode” no Artigo VI:2 do GATT confirma que tal artigo oferece um direito que os membros, do contrário, não teriam — o direito de impor obrigações — mas não contém qualquer proibição quanto ao uso de outros tipos de medidas. No entanto, o Órgão de Apelação manteve todas as conclusões do Painel, considerando, portanto, o Ato de 1916 inconsistente com as obrigações americanas para com o Artigo VI do GATT/1994 e para com o Acordo Antidumping.

Mesmo assim, os Estados Unidos solicitaram uma extensão de tempo para cumprir as decisões do Painel, solicitação esta que expiraria em dezembro de 2001, porém não foi acatada, tendo manifestado intenção de atender às decisões somente em abril de 2002, apesar das pressões das Comunidades Europeias e do Japão (que também levara o caso à OMC através do DS162, tornando-se segundo reclamante).  Os EUA encaminharam as recomendações ao Congresso, que, até setembro de 2003, não havia ainda anulado o Ato de 1916, o que levou as EC a reativarem procedimentos de arbitragem contra os americanos, resultando, assim, na resolução do caso somente em fevereiro de 2004. Contudo, pergunta-se por que os Estados Unidos arrastaram o caso por seis anos na OMC em defesa de um ato antidumping do início do século do XX? Por que relutaram tanto em dissolver uma medida tipicamente protecionista, sem respaldo na OMC/GATT em uma época de intensificação do processo de globalização, processo este liderado pelos próprios EUA? A explicação mais plausível parece ser a de que os Estados Unidos adotam uma postura do tipo “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.”

Por fim, a breve análise de alguns casos de 1995 a 1998, período embrionário da Organização Mundial do Comércio, revela que os EUA, por mais que preguem o livre-comércio e a liberalização da economia em escala global, não efetivamente aplicam tais princípios quando acreditam que uma ou outra medida poderá prejudicar os interesses de seus nacionais. Os objetivos norte-americanos, quais sejam, manter-se como maior (e única) potência comercial e, diante deste poder de influência a partir das relações econômicas, fazer uso de um poder político estrategicamente articulado, herança da posição vantajosa com que saíram da Guerra Fria, têm sido defendidos, administração após administração, e principalmente através de instituições internacionais como a OMC, ainda que desrespeitando ou fazendo uso de todas as artimanhas possíveis para garantir seus interesses.

4. O Cenário Pós-Guerra Fria e a Consolidação da Globalização

Os Estados Unidos, desde a década de 1990, além de terem se tornado hegêmona global, foram responsáveis pela construção e manutenção da nova ordem, baseada na intensificação e consolidação do processo de globalização, que, por sua vez, remonta à década de 1970 e ao neo-capitalismo. Esse período se caracterizou pelo surgimento da revolução científico-tecnológica, a qual desencadeou a III Revolução Industrial, acelerou a dinâmica dos fluxos econômicos, desenvolveu de forma impressionante os transportes e as comunicações, aproximou os povos, criou relações de interdependência jamais vistas entre as nações, permitiu o surgimento de empresas transnacionais, da circulação cada vez mais veloz de ativos financeiros por diversas partes do mundo, da consequente marginalização social e exclusão política do Terceiro Mundo, da criação da mass media e a respectiva aquiescência e aceitação cada vez maior com relação ao sistema, da preocupação ambiental e a concentração crescente de capital por empresas de países desenvolvidos, majoritariamente norte-americanas (DUVERGER, 1975).

Em suma, com nascimento no início nos anos 70 do século passado e com ápice no cenário pós-Guerra Fria, a globalização passou a reger a nova ordem mundial, encabeçada pelos Estados Unidos e com uma adesão cada vez maior de países ao “novo” sistema.

“The driving idea behind globalization is free-market capitalism — the more you let market forces rule and the more you open your economy to free trade and competition, the more efficient and flourishing your economy will be. Globalization means the spread of free-market capitalism to virtually every country in the world. Therefore, globalization also has its own set of economic rules — rules that revolve around opening, deregulating and privatizing your economy, in order to make it more competitive and attractive to foreign investment. In 1975, at the height of the Cold War, only 8 percent of countries worldwide had liberal, free-market capital regimes, according to the World Bank. By 1997, the number of countries with liberal economic regimes constituted 28 percent, and foreign investment totaled $644 bilion.” (FRIEDMAN, 1999, p. 9)

Neste cenário de globalização e de intensificação dos fluxos comerciais, cabe retornarmos nossa análise à Organização Mundial do Comércio e à participação norte-americana. Os exemplos de disputas comerciais expostos antes se enquadram todos dentro da Administração Clinton (1993-2000) e o que percebemos foi uma baixa adesão prática dos EUA aos acordos e deliberações da OMC/GATT e uma alta capacidade de estender o contencioso o maior tempo possível. Isso é interessante por dois motivos: 1) a doutrina que rege a OMC, instituída em 1994, é totalmente americana, o que lhes permite um maior grau de atuação, por estarem mais familiarizados com ela e pelo fato de a língua ser a mesma de seu país; 2) a aparente posição dos EUA com relação à OMC parece ser de indiferença à reciprocidade e demasiado uso do condicionamento para os outros países.

Com a Administração Bush (2001-2008) não foi diferente e, atualmente, com Obama (2009-…) não o está sendo mais uma vez, pois independentemente de os EUA serem liderados por Republicanos ou Democratas, a sua política externa voltada à defesa de seus interesses econômicos tem sido pouco ou quase nada alterada dentro do processo de globalização, desde o final da Guerra Fria. Vale lembrar que — retornando ao caso inicialmente citado, sobre o embargo a Cuba — tanto Bush quanto Obama renovaram o embargo a certos produtos cubanos. Uma maior ou menor abertura da economia, aumento de subsídios agrícolas e artifícios obscuros para defender a economia interna (ou até mesmo prejudicar a de outrem) são recursos americanos em maior ou menor grau em tempos de crise econômica ou de abundância. Assim, o soft power americano, por trás dos ideais de expansão da democracia e da defesa das liberdades, carrega consigo atitudes não tão dignas de serem exemplo de uma nação que pretende se perpetuar como hegêmona global e os maiores exemplos podem ser encontrados na participação norte-americana na OMC.

É interessante notar a repercussão que, nos últimos anos, os casos levados à OMC têm gerado na mídia brasileira, como se cada vitória comercial do Brasil fosse motivo de comemoração. Obviamente quando se considera que a justiça impera, havemos de comemorar, porém o que está por trás — e jornalistas não conseguem, ou não se interessam em esclarecer isso — é que não haveria a necessidade de se disputar com os EUA, ou com qualquer outro país, se estes cumprissem a priori todos os acordos internacionais firmados, sem tentar burlar-los com intenções — como no caso dos EUA — de se manter no topo do sistema internacional a qualquer custo. Portanto, ao invés de comemorarmos, deveríamos lamentar o fato de o líder de uma nova ordem articulada com base em instituições internacionais desrespeitar um modelo por ele próprio criado e defendido até então.

A disputa mais “recente” (desde 2002, mas só resolvida em 2010), em que os EUA perderam para o Brasil, foi a DS267 — Estados Unidos – Subsídios ao Algodão — em que o Brasil acusou os EUA de fornecerem subsídios no setor algodoeiro, o que viola os Artigos III:4 e XVI do GATT/1994, os Artigos 3.3, 7.1, 8, 9.1 e 10.1 do Acordo sobre Agricultura e os Artigos 3, 5 e 6 do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Foi uma longa disputa, na qual o Brasil saiu vitorioso, com direito à retaliação a produtos norte-americanos. Porém, por mais que países ainda considerados em desenvolvimento (ou emergentes) — especialmente Brasil, Índia, África do Sul, Argentina e México, por exemplo, que possuem pouco poder decisório em termos de política internacional — saiam vitoriosos sobre os EUA em disputas comerciais na OMC, até que ponto é interessante, para economias tão interdependentes, criarem atritos comerciais (que podem fácil e rapidamente se tornarem controvérsias diplomáticas) com o maior PIB do planeta? Até que ponto os custos de uma retaliação a um hegêmona global traz mais benefícios do que prejuízos (pelo desgaste das relações entre os dois países) no jogo de poder do sistema internacional globalizado?

Conclusão

Desde a criação do GATT, em 1947, até a criação de uma instituição internacional no âmbito comercial, que deveria ser “reguladora” do comércio internacional, a OMC, em 1994, percebe-se que o mundo se alterou abruptamente: a ordem mundial deixou de ser bipolar para tornar-se unipolar (ou transição para uma multipolaridade), as relações comerciais intensificaram em uma escala jamais antes vista, graças à Revolução Científico-Tecnológica que originou o fenômeno da globalização e os EUA despontaram como a maior potência de todo o globo, característica que optamos por designar como “hegêmona global”.

Em face ao seu status de único hegêmona, desde o final da Guerra Fria, em 1991, os Estados Unidos, sob uma relativa prepotência, tem desrespeitado eles próprios diversos acordos internacionais, especialmente no âmbito da OMC, que foi objetivo deste artigo (embora isso seja facilmente verificado em outras instâncias, como a ONU, por exemplo), enquanto, por outro lado, tentam condicionar um comportamento de adesão às instituições internacionais (OTAN, OMC, ONU e outras). A ambiguidade do comportamento norte-americano em sua hegemonia foi explicitada, portanto, através do desrespeito à Organização Mundial do Comércio na tentativa de usar tal instituição como ampliadora de seu poder a nível mundial.

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PECEQUILO, C. S. (2003). A Política Externa dos Estados Unidos: Continuidade ou Mudança? 2. ed. ampl. atual. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005. (Relações Internacionais e Integração).

PECEQUILO, C. S. Os Estados Unidos: Hegemonia e Liderança na Transição. Petrópolis: Vozes, 2001.

VIZENTINI, P. F. Dez Anos que Abalaram o Século XX: Da Crise do Socialismo à Guerra ao Terrorismo. 2. ed. atual. Porto Alegre: Leitura XXI, 2002.

WORLD TRADE ORGANIZATION. Disponível em: <http://www.wto.org/> Acesso em 10 de jun. de 2010.

Anexos

Anexo 1

us-military-spending


[1] Optou-se por uma tradução própria dos títulos dos casos analisados, ao invés de se manterem os originais em inglês.

O Triunfo do Internacionalismo Conservador (1921-1929)

Ficha de estudos sobre o texto do livro “American Diplomacy in the Twentieth Century” de Robert Schulzinger – História das Relações Internacionais II – Prof. Paulo Gilberto Fagundes Vizentini

O Republicano Warren Harding assume o governo dos Estados Unidos da América em 1923 e, diferentemente do que propunha o seu antecessor Wroodow Wilson, mantém o país no escopo da economia política internacional, sem engajar-se nas relações internacionais – retorno ao um quase isolacionismo. Dessa forma, os EUA estão fora da Liga das Nações, criada com o final da Primeira Guerra Mundial a fim de manter a paz mundial e adotam agora o que se convém chamar de internacionalismo conservador.

  • Atos Roger (1924): amalgamou o serviço consular americano ao corpo diplomático,  estabelecendo um piso salarial para a classe com a criação do Serviço de Relações Exteriores dos Atos Roger.
  • Os EUA passam a competir em considerada igualdade com a Europa, na “era do automóvel”, pois entendiam que os europeus tinham as mesmas  condições de obtenção de matérias-primas através do colonialismo, especialmente borracha e petróleo.
  • O novo governo republicano tenta uma política de Open Door sobre o governo do Iraque, interessados que estavam em obter petróleo no país.  Conquistaram, assim, em 1928, através da Corporação para o Desenvolvimento do Oriente Próximo, a concessão de 23,75% da Companhia Turca de Petróleo no Iraque.
  • Os ingleses fizeram acordos com os iraquianos, transformando a Companhia Turca de Petróleo em Companhia Iraquiana de Petróleo, com maioria das ações sob o domínio britânico. Os interesses americanos foram, portanto, prejudicados.
  • Os EUA voltam seus olhos, então, para a Pérsia (Irã), com amplas reservas petrolíferas. Nomeiam, através de acordos com o Xá Reza Pahlevi, o americano Arthur Millspaugh para conselheiro econômico do Departamento de Estado. Escândalos relacionados a choques culturais e religiosos terminam com o assassinato do vice-consul americano, em 1924, e assim, põe por terra a tentativa de imperialismo no país. Só retornam em 1943.
  • O Secretário do Tesouro Andrew Mellon cria uma nova legislação para expandir os bancos norte-americanos sobre os mares. Ficam impossibilitados de contrair empréstimos com os EUA países já com dívidas com estes; para fins de armamentos; para países não-reconhecidos pelos EUA e para monopólios internacionais que mantivessem preços concorrenciais que prejudicassem os EUA.
  • Outra questão econômica internacional relevante nos anos 20 foi a dos débitos da Primeira Guerra, em especial, os da Alemanha. Esta deveria fazer os pagamentos em marcos de ouro, porém passou a emitir papel-moeda, o que gerou inflação no país. Diante disso, chegou a negar-se a pagar as dívidas e ato contínuo a França envia tropas para a região do Ruhr. Como solução, os EUA implantam o Plano Dawes (1923), para auxiliar a Alemanha na reerguimento da sua economia, através de empréstimos a juros baixos.
  • Na década de 20 verificou-se um aumento do interesse pelas Relações Internacionais nos Estados Unidos, principalmente com a criação da revista Foreign Affairs (1922) e a criação de cursos de relações internacionais em várias universidades. Esses centros de pesquisa passaram a reavaliar a diplomacia européia no que tange aos tratamentos para com a Alemanha e concluíram que os EUA não deveriam confiar em tais alianças.
  • 1921-1924: criação de leis restritivas quanto à imigração, determinando uma cota para cada nação. Essas leis foram aplicadas principalmente quanto à Itália fascista.
  • Balanceamento Naval:  como a Grã-Bretanha, França, Japão e Itália haviam sofrido muito com a guerra, não mais competiam entre si no sentido de aumentar frotas. Os EUA, por sua vez, diminuíram também os investimentos em armamentos na década de 20.
  • 1920: fim da aliança anglo-japonesa.
  • Conferência de Washington (1921-22): revela uma inclinação dos EUA para as relações internacionais, determinando padrões da balança naval, limitando o tamanho e o ritmo da construção de navios e estabelecendo cotas para as frotas. Foram assinados 3 acordos que marcaram o fim da conferência:
  1. Acordo das Cinco Potências: Estados, Grã-Bretanha, Japão, França e Itália, estabelecendo uma proporção da força naval para cada qual.
  2. Acordo entre EUA, Japão, França e Grã-Bretanha: no qual cada um deveria respeitar as possessões umas das outras no Pacífico.
  3. Acordo das Noves Potências: as potências com interesses no Extremo Oriente sancionam a integridade territorial da China.
  • 1927: Conferência Naval de Genebra, organizada pelo então presidente dos Estados Unidos, Coolidge, visando à expansão dos tratados navais. Foi um fracasso e os jornais europeus chamaram o presidente de despreparado.
  • 1930: Conferência Naval de Londres, organizada pelo presidente Hoover. Já dentro do contexto da Grande Depressão, todos os países presentes concordaram em reduzir suas frotas navais.

OS ESTADOS UNIDOS E A AMÉRICA LATINA

As medidas econômicas adotadas pelos Estados Unidos desde o final da Primeira Guerra Mundial, visavam a expulsar os Europeus do crescente mercado consumidor latino-americana para, assim, poderem ampliar suas exportações sobre este.

O governo norte-americano mantinha tropas no Haiti, República Dominicana e Nicarágua e controlavam o poder político em Cuba.

No México, os EUA intervinham militarmente, porém em 1928, com a nova constituição, o país passou a ter autonomia, apesar de conceder amplos privilégios às indústrias norte-americanas. Essa constituição perdurou até 1938, quando Cárdenas assume o poder e expropia as empresas  petrolíferas estadunidenses.

  • Conferência de Havana (1928): contestação dos países latino-americanos ao intenso intervencionismo norte-americano.

A Guerra Total e o Equilíbrio de Forças, 1914-1918

Estratégias das Duas Coalizões e Disponibilidade de Recursos Militares e Econômicos de Cada Uma

  • ESTADOS UNIDOS: publicamente neutros, porém próximos à Grã-Bretanha e à França, por parcerias comerciais.
  • JAPÃO: aliança com a Grã-Bretanha.
  • ITÁLIA: neutra em 1914. Passa para o lado da Entente (1915), sem trazer muitos benefícios para a aliança, pois era fraca militar e economicamente.
  • IMPÉRIO OTOMANO: ao entrar na guerra ao lado dos impérios Centrais, passa a prejudicar a Rússia, em virtude do bloqueamento dos estreitos que possibilitava o escoamento da produção russa de cereais.
  • IMPÉRIOS CENTRAIS: superioridade industrial e tecnólogica. No caso da Alemanha, ótima infraestrutura (ferrovias e comunicações) e facilidade de recrutar soldados.
  • FRANÇA E RÚSSIA: dificuldades de coordenar estratégias em virtude da enorme distância entre os dois países.
  • INGLATERRA: bloqueia o Mar do Norte e na costa ocidental age como guardiã dos Aliados nos mares, permitindo-lhes abastecimento, muitas vezes oriundo das colônias. Podia fornecer empréstimos e munições ao países da sua aliança, por possuir um vasto império colonial around the world.

Os Aliados possuíam uma notável superioridade naval, a qual garantia a manutenção da comunicação no Mediterrâneo e no Mar do Norte. Isso foi parcialmente comprometido a partir do uso de submarinos pela Alemanha e da entrada do Império Otomano ao lado da Alemanha e Áustria-Hungria.

A Alemanha tinha vantagens específicas: o grande avanço sobre Bélgica e França foi mantido (fracasso do plano francês XVII) e a eficiente mobilidade das tropas da frente ocidental para a orienta, graças à boas ferrovias alemãs, aliado ao avanço lento das tropas russas na Oeste.

  • Os dois primeiros anos da guerra significaram uma tentativa da França e da Rússia de conter o poderio alemão.
  • Na questão econômica, o deslocamento de capital para a a indústria bélica aumentou de aproximada 4% (antes da guerra) para 25 a 33% (na guerra total). Nesse ponto, Itália e Áustria-Hungria eram as mais fracas, sendo amparadas por seus respectivos aliados.
  • O três impérios mais frágeis na guerra eram, portanto, o Austro-Húngaro (à sombra da Alemanha), o Império Russo (com uma série de dificuldades) e a Itália (incapaz de defender-se sozinha).

A Rússia foi a primeira a esfacelar-se. Causas: 1) ataques constantes dos alemães nas suas fronteiras e alguns ataques austro-húngaros também; 2) por estar isolada (não podia exportar nem abastecer-se) pela Turquia; 3) falta de infraestrutura; 4) questões políticas internas: czarismo e suas precária gestão dos recursos; 5) problemas econômicos (inflação); 6) problemas sociais (greves e contestações à guerra) e 7) problemas militares (perdas humanas imensas e a consequentes deserções.

“é simplesmente uma massa enorme, cansada, andrajosa e mal alimentada de homens enraivecidos, unidos pela sede comum de paz, e pela decepção geral.” (STAVKA)

Geografia Política – Introdução

Questionário I  – Geografia Política – Prof. Aldomar Arnaldo Rückert

1. O que significa a afirmação abaixo?

“(…) é na relação entre a política – expressão e modo de controle dos conflitos sociais – e o território – base material e simbólica – que se define o campo da geografia política.” (CASTRO, 2005, p. 15-16).

Iná de Castro, em seu livro Geografia e Política, destaca como componentes essenciais do processo histórico de formação das sociedades a política e o território, sendo aquela uma ciência por si própria e de natureza um tanto quanto instável, na medida em que há uma relativa dificuldade em entender ou explicar um fato político na época em que se está vivendo-o, e; este um elemento fundamental do estudo da Geografia, utilizado para vincular uma sociedade a um espaço delimitado, que, por sua vez, será gerido graças à política estabelecida ali. Portanto, a associação dos dois conceitos: o de Política (como instrumento básico da administração estatal) e o de Território (como objeto geográfico de estudo principal e, também, elemento básico constitutivo de um Estado) são facilmente relacionados no escopo da disciplina de Geografia Política.

2. Dentre os doze grandes fenômenos que nas últimas décadas do século XX colocam o fato político em destaque na agenda da disciplina, citados por Inês de Castro (2005, p.16), escolha três significativos para você. Elabore uma síntese sobre cada um deles, procurando fundamentar suas observações, de preferência em outras fontes bibliográficas.

Destacam-se 3 dos fenômenos importantes e aparentemente contraditórios apontados por Iná de Castro, que situam a política no escopo da geografia: a globalização, um dos mais amplos e quiçá centrais dos fatores na medida em que desencadeia muitos outros; o enfraquecimento do Estado-nação, conseqüência imediata da herança neocolonial do final do século XIX até a Primeira Guerra e, mais atualmente, do neoliberalismo econômico, e, a expansão da democracia, tomada sob o ponto de vista de algumas correntes das ciências políticas como resultado da manutenção da balança-de-poder relativamente pacífica em esfera global. A globalização, através do estabelecimento de padrões arraigados e duradouros de interligação mundial, acelera os impactos dos fluxos e padrões inter-regionais de interação social de modo que a potência hegemônica (na esfera global) de certa forma determine, imponha, influencie todo o planeta. Como conseqüência disso, os Estados-nação não mais concentram todas as funções que desempenhavam há dois séculos atrás, haja vista o surgimento de novos atores internacionais (empresas transnacionais, organizações internacionais, a mídia, a internet e o próprio indivíduo como eleitor mediano dentro da multiplicidade de culturas e sistemas a que é exposto), os quais podem muito bem atuar de forma fragmentada, como cita Castro no exemplo das redes terroristas.

3. Por que a guerra de redes – um inimigo difuso – reforçaria a certeza do papel secundário dos Estados Nacionais? (CASTRO, 2005, p. 34) Você concorda ou discorda desta afirmação? Justifique.

Concordo. Como já salientado na questão anterior, Castro nos apresenta o terrorismo (em especial os ataques de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center) como exemplo da fragmentação do poder do Estado Nacional na atualidade, pois não há mais a necessidade de um território para a articulação de uma luta contra um Estado em específico (no caso, o terrorismo, em redes espalhadas pelo mundo, contra os Estados Unidos da América, seu principal inimigo). Isso é compreensível na medida em que estes novos atores internacionais que vieram se consolidando desde a Revolução Francesa aproximadamente, agem de forma descontínua em âmbito global. Os EUA atualmente não possuem um inimigo único, em se tratando de terrorismo (mesmo que o ex-presidente George W. Bush tenha elaborado a lista dos países considerados do “eixo do mal”), já que há focos de contestação não só ao desrespeito da hegemonia norte-americana para com os países árabes muçulmanos, mas também de oposição às guerras ainda de caráter imperialista que foram travadas na última década, as quais perpassam culturas e domínios considerados legítimos pelos povos que os possuem.

Um outro bom exemplo, seriam o que se pode denominar “poderes paralelos”, como as redes de narcotráfico, de prostituição, tráfico de órgãos e outras. Estas, já num plano considerado negativo (ilegal) para a maioria das nações atuais, da mesma forma, não estão fixadas a um território apenas, porém dispersas por todo o planeta, em diferentes países e regiões. Logo, constituem uma nova e fragmentária forma de domínio darkside nas relações internacionais contemporâneas.

4. O que significa o conceito de territorialidade política contido no parágrafo abaixo?

“O argumento aqui é que pensar em geografia política implica em perceber a impossibilidade de separar o que se encontra originalmente imbricado: a geografia universitária e os interesses das elites políticas nacionais. Este ponto de partida considera o fato de que a geografia tenha se institucionalizado na segunda metade do século XIX europeu, num momento de grandes disputas territoriais no continente e de consolidação, não apenas da ideia de nação, mas da sua territorialidade política como uma condição essencial da sua existência.”  (CASTRO, 1995, p.42)

Castro ressalta um dos principais problemas enfrentados pela Geografia Política para consolidar-se como disciplina após as duas grandes guerras mundiais do século XX, já que a sua origem deu-se pela teorização através de Ratzel, Mackinder, Mahan, Kjellén e outros do território como principal arma de expansão política de um Estado, o que acabou, na prática, sendo buscado principalmente pela Alemanha em duas ocasiões.  Isso gerou um certo preconceito para com a Geografia Política, pois ela passou a ser vista como a disciplina do nazismo, ou, a disciplina que levou o mundo às guerras pela busca de expansão territorial e é justamente neste contexto que territorialidade política se apresenta como um conceito relevante no escopo da geopolítica. A territorialidade política, designaria, portanto, segundo Castro, o papel da Geografia Política, situando-a numa posição importante da análise das sociedades em esfera macroanalítica, ou seja, as nações buscam mercados no plano global para melhor atender aos seus interesses de modo que, para isso, precisam de uma certa forma conquistar  (no sentido de relações comerciais e de diplomacia, onde entra a política) economicamente um outro território.

5. A centralidade territorial foi um dos marcos da modernidade. Quais são e como se caracterizam as principais etapas da formação e consolidação do Estado Territorial Moderno? Procure ressaltar os seguintes aspectos: a) as relações entre as guerras religiosas (Guerra dos 30 Anos) e a Paz de Vestfália; b) relação entre o Absolutismo, a gênese do Estado Territorial e a coesão interna; c) o sistema Westphaliano da ordem internacional e as conquistas territoriais; d) o sistema de guerras de conquista e a geração de importantes consequências na França e nas colônias inglesas na América; e) o crescimento do patriotismo e do nacionalismo; f) relações entre o triunfo do sistema territorialista e as guerras coloniais.  (ROSECRANCE, 1986).

O Estado Territorial Moderno, que emergiu no final da Idade Média como unidade organizacional européia pela aliança rei-burguesia contra a nobreza feudal, substituem algumas primazias antes vigentes, tais como a lealdade absoluta ao papa e à instituição da Igreja Católica e o Sacro Império Romano, por exemplo. Inicia-se neste período a tentativa de construção de um incipiente nacionalismo em torno da figura do rei ou príncipe (apontada por Maquiavel), a fim de concentrar a população em torno de um território unificado, o que só vai efetivar-se de fato no século XVIII. Mesmo assim, havia agora uma crescente oposição ao antigo universalismo medieval, marcada pela concepção político-territorial, o que exigia intensa coesão interna nos Estados-nação e o mínimo de organização em termos de exército e aparato mlilitar para empreender as guerras de expansão de domínios.

Desde o século XV, inspirados no sucesso da empresa espanhola de colonização nas Américas, os Estados monárquicos europeus passaram a priorizar o fator econômico para a consolidação e expansão dos seus territórios e, por isso, rivalizavam muitas vezes com suas cidades comerciais. As monarquias entendiam que um Estado forte era capaz de abastecer-se de sua própria produção (o que conferiria liberdade e independência ao reino em relação aos demais) e as cidades comerciais estavam cada vez mais interessadas no comércio internacional.

Com o advento da Reforma Protestante, pipocaram batalhas religiosas por todo o continente europeu, especialmente na atual Alemanha, França e Países Baixos.  Terminado este conjunto de guerras intestinas (conhecido como Guerra dos Trinta Anos), os Estados europeus assinaram a Paz de Vestfália, que significou a autonomia político-militar-religiosa de cada príncipe  de cada região, ou seja, findavam as disputas internas de soberania e prosperavam as disputas contra nações vizinhas. No século XVII, somente a França de Luís XIV conseguiu expandir-se territorialmente, porém a prosperidade do rei-sol findara em 1713, com o Tratado de Utrecht, na qual as demais monarquias interromperam o imperialismo francês. O que havia agora era um equilíbrio de forças e, portanto, uma considerável repulsa ao destaque de uma delas no cenário internacional da época.

No século XVIII, todavia, as monarquias passaram a adotar o comércio internacional como forma de expandirem-se (o que já era feito por algumas cidades como Gênova, Veneza, etc no século XV e XVI) e de ampliarem seus domínios pelo controle das zonas fornecedoras de matérias-primas, haja vista a necessidade destas para a produção industrial. Os ingleses, como maior potência naval do período, voltaram-se para a Índia após perderem as 13 colônias norte-americanas, enquanto as demais nações continentais  ainda disputavam colônias na América e costa da África. Isso já demonstrava um relativo enfraquecimento do poderio britânico em controlar um vasto império global, pois foi a necessidade de aumentarem as cobranças de impostos sobre as colônias americanas que levaram à revolução pela Independência dos Estados Unidos.

No mesmo contexto do século XVIII surgem as guerras napoleônicas, que vão despertar o nacionalismo em várias regiões da Europa, não só nas posteriores democracias liberais, como também os conservadores autocráticos uniram-se em torno de ideais nacionais. Daí em diante, os países vão cada vez mais realizar comércio internacional baseados em um certo patriotismo, cuja manifestação última deu-se no colonialismo da metade do século XIX, sobre África e Ásia principalmente.

6. Os princípios da centralidade territorial e do Estado Moderno foram fundamentados por Machiavel e Ratzel, dentre inúmeras teorias. Em quais aspectos os enunciados de Rosecrance coincidem com aqueles apontados pelos dois clássicos?

Friedrich Ratzel asseverava a imprescindibilidade do solo para um Estado forte, da mesma forma que Maquiavel afirmava que somente através da unificação territorial um princípe teria sucesso em sua empresa. Rosecrance, por sua vez, também salienta que as monarquias da Idade Moderna, na sua consolidação no século XVIII, perceberam a necessidade de um comércio pacífico (e internacional) para a expansão dos seus territórios e, a partir daí, um colonialismo cada vez mais acentuado. As etapas da expansão, propostas por Ratzel (em ligação direta com o solo, ou seja, não existiria Estado sem um território definido) e por Maquiavel (principalmente no que diz respeito à centralização político-territorial, típica do Absolutismo, além da defesa desta por um exército nacional) foram fundamentais, conforme revelou Rosecrance através de uma ampla análise histórica, para a evolução desde a Idade Média fragmentada até os primeiros passos do imperialismo do século XIX.

7. Ratzel afirma em seu artigo clássico “O Solo, a Sociedade e o Estado” (1898), dentre inúmeras passagens importantes, que um povo regride quando perde território. A tarefa do Estado é proteger o território contra os ataques externos que tendem a diminui-lo. O parágrafo abaixo representa estas afirmações.

“Essa mesma necessidade de defesa é também o resultado do mais notável desenvolvimento que apresenta a história das relações do Estado com o solo; quero me referir ao crescimento territorial do Estado. O comércio pacífico pode preparar esse crescimento, porque ele tende finalmente a fortalecer o Estado e a fazer recuar os Estados vizinhos.”  (RATZEL, p.96, 1983)

Por estar presente na constituição real do Estado nacional alemão, Ratzel dispunha de grande conteúdo histórico para analisar o processo de crescimento territorial. A própria Alemanha torna-se um exemplo para suas observações tendo em vista a sua unificação promovida por Otto von Bismarck, iniciando a ampliação de seu território através do Zollverein, uma união aduaneira e alfandegária dos Estados da Liga Alemã, em 1834. Essa política proporcionou à região um grande crescimento industrial e uma integração dos Estados antes fragmentados, primeiros passos para a Unificação Alemã, demonstrando a capacidade de fortalecimento não apenas econômico mas também da união interna criada através do comércio.  (resposta elaborada por Joana Oliveira de Oliveira – adaptada)