Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental

Histórico

1. Eventos que precederam a criação da CEDEAO

  • 1965: o presidente da Libéria, William Tubman, apresenta pela primeira vez a ideia de se criar uma comunidade econômica do oeste africano. É assinado então um acordo formal entre Costa do Marfim, Guiné, Libéria e Serra Leoa, que não teve muitos efeitos práticos.
  • 1972: Gen. Gowon da Nigéria e Gen. Eyadema de Togo reintroduzem a ideia da criação de uma nova comunidade.
  • 1973: os generais visitam 12 países do oeste da África em busca de apoio e de interessados na formação desta Comunidade. No mesmo ano, realizam-se encontros entre possíveis membros em Togo (dez 1973), entre juristas e experts em Gana (jan 1974) e entre ministros na Libéria (jan 1975), todos com o objetivo de se criar um rascunho de tratado.
  • 1975: assinatura do Tratado de Lagos,  tratado constitutivo da CEDEAO, por 15 países da África Ocidental: Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. O objetivo do tratado, que deu origem à Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) era promover a cooperação e a integração no oeste africano e eventualmente estabelecer uma união monetária e econômica.

2. Evolução da CEDEAO

  • 1975: um mês após a assinatura do Tratado, a CEDEAO torna-se membro do Grupo ACP (Organização dos Estados Africanos, Caribenhos e do Pacífico).
  • 1977: Cabo Verde torna-se o 16º membro da Comunidade.
  • 1993: revisão do Tratado, com dois objetivos claros:
    • acelerar a integração das políticas econômicas – o tratado revisado apontava os passos para estabelecimento de um mercado comum e moeda única, chamando a atenção para o desenvolvimento monetário e financeiro, promoção de atividades que permitam a convertibilidade das moedas e o estabelecimento de uma zona de moeda comum.
    • ampliar a cooperação política – o tratado revisado estabeleceu o Parlamento do Oeste Africano, um Conselho Econômico e Social e uma Corte de Justiça para dar força às decisões da CEDEAO.  Ainda, delegava aos Estados-membros a responsabilidade de prevenir e solucionar conflitos regionais, o que acabou sendo formalizado em 1999.
  • 1999: ocorre uma Cúpula da CEDEAO onde foi assinado o Protocolo para Estabelecimento de um Mecanismo de Prevenção, Gestão e Resolução de Conflitos, Paz e Segurança. Por discordar das decisões, a Mauritânia abandona a Comunidade.
  • 2000: a CEDEAO, como membro do Grupo ACP, assina acordo com a União Europeia, o Acordo Cotonou, em Benin, baseado em quatro princípios: participação, diálogo e obrigações mútuas, diferenciação e regionalização. A versão original permitia que o comércio da UE com os países do Grupo ACP se baseava na não reciprocidade, ou seja, países do ACP tinha acesso livre de taxas aos mercados europeus, mas o recíproco não ocorria. O princípio da não reciprocidade eram em benefício dos países em desenvolvimento da África.
  • 2001: CEDEAO assina um acordo com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), em que ambas as organizações se comprometem em cooperar em oito áreas de interesse comum.
  • 2004: CEDEAO assina um acordo de cooperação com a União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) visando fortalecer a coordenação e harmonização entre os programas das duas organizações e áreas de interesses afins.
  • 2008: assinatura de um acordo com o Conselho Chinês Para a Promoção do Comércio Internacional (CCPIT), cujo objetivo era promover estratégias para atrair investimentos do setor privado chinês em setores estratégicos da economia do oeste africano.
  • 2009: assinatura de um memorando de entendimento entre a CEDEAO e o Centro de Comércio Internacional (ITC, International Trade Centre), visando ampliar o volume de comércio intra-membros dentro das Comunidades Econômicas Regionais (REC, Regional Economic Communities) e assim estimular o desenvolvimento econômico.
  • 2012: CEDEAO e China assinam um acordo para cooperação em desenvolvimento de infraestrutura, comércio e investimentos. Também houve assinatura de acordo com a República de Benin para sediar a West Africa Power Pool (WAPP), instituição especializada da CEDEAO para promover a exploração eficiente e distribuição das fontes de energia da região.

Organizações Não Governamentais

  • O termo “organização não governamental” surgiu em 1945, na ocasião da constituição da Carta da ONU, que daria origem à instituição. Usou-se o conceito de ONG para se diferenciar direitos de participação das agências intergovernamentais especializadas dos das organizações internacionais privadas.
  • ONGs são em geral organizações privadas e voluntárias cujos membros são indivíduos ou associações que se reúnem para alcançar um objetivo comum, frequentemente orientado para obtenção de um bem público.
  • Definição de acordo com o Banco Mundial: “ONGs incluem uma variedade ampla de grupos e instituições que são inteiramente ou largamente independentes do governo, e são caracterizadas por serem humanitárias ou cooperativas”.
  • Abrangência: são entidades diversas que vão desde organizações inteiramente locais ou com fortes vínculos nas comunidades até aquelas organizadas nacionalmente e transnacionalmente.
  • Financiamento: algumas são inteiramente privadas, ou seja, os recursos vêm somente de fontes privadas; outras se mantêm com recursos de governos e de doações voluntárias.
  • Participação: algumas são abertas à adesão em massa, outras são para grupos fechados ou federações.
  • Tipos de ONGs:
    • GONGOs (government-organized NGOs): ONGs organizadas por governos – algumas podem ser malignas na medida em que são financiadas por governos repressivos e fazem lobby junto à ONU e outras instituições internacionais como se representassem as comunidades locais, quando na verdade representam o governo que as financia. Exemplo: Chongryon, ONG que atua no Japão mas é financiada pela Coreia do Norte e foi acusada de tráfico de armas, tecnologia e produtos farmacêuticos, além de ser veículo de propaganda de Pyongyang. Outros exemplos: Myanmar Women’s Affairs Federation, Saudi Arabia’s International Islamic Relief Organization.
    • BINGOs (business and industry NGOs): ONGs voltadas para a indústria e negócios; Exemplos: Canadian Institute of Energy, International Association of Drilling Contractors.
    • DONGOs (donor-organized NGOs): ONGs organizadas por doadores voluntários e seu staff pode ser não remunerado. Exemplos: CARE, Anistia Internacional.
    • ONGOs (operational NGOs): ONGs operacionais voltadas para prestação de serviços e promoção de desenvolvimento – desenvolveram-se a partir de considerações humanitárias e estão baseadas no princípio da neutralidade, independência e comprometimento em ajudar as pessoas, independente de serem afiliadas ou não. As ONGs operacionais possuem uma rede de escritórios de campo com staff em diferentes países, o que as fornece expertise sobre realidades locais e possibilidades de financiamento (doações, voluntariado). Elas atendem populações com serviços que nem a iniciativa privada nem os governos locais estavam dispostos ou capazes de oferecer. Exemplos anteriores à II Guerra: Cruz Vermelha e a Sociedade Anti-Escravista Internacional (1ª ONG-I, fundada em 1839).
    • ANGOs (advocacy NGOs): ONGs de defesa para promoção de uma causa – funções semelhantes às ONGOs, porém com levantamento de fundos em menor escala, pois não necessitam necessariamente de muitos escritórios físicos e espalhados pelo mundo, já que atuam em rede através de doadores que se identificam com determinada causa. O financiamento serve para fortalecer a identificação com a ONG, por isso ele parte predominantemente de doações voluntárias. Elas têm se mostrado eficazes em juntar forças dentro dessas redes e chamar atenção para uma questão específica ou para interromper algum processo considerado anti-democrático ou em desacordo com o conjunto de valores da própria organização. Exemplo: Global Exchange, que monitora e mantêm informado o público interessado em conhecer o progresso entre empresas multinacionais, cujo último relatório é Still Waiting for Nike to do it. ANGOS não apenas reportam os problemas como atuam pressionando governos e órgãos legais para solucioná-los.
    • QUANGOs (quasi-autonomous NGOs): ONGs que possuem financiamento oriundo de governos, mas não são formalmente administradas pelo setor público. Um exemplo é a ISO (International Standarts Organisation), que conta com um corpo de membros autônomos e voluntários, mas também com pessoas que fazem parte da estrutura governamental, indicadas pelos governos por sua competência no assunto (estandardização). Outro exemplo: Countryside Commission of England.
  • Coalizão de defesa: grupo de ONGS, que às vezes contam com outros grupos da sociedade civil, que se reúnem para defender mudanças nas leis, políticas e regulamentações governamentais. Podem se unir para defender um interesse específico ou para trabalharem juntas em diversas estratégias defensivas.
  • Atualmente a ONU reconhece 40 mil ONGs internacionais e milhões de ONGs locais ou nacionais.
  • Histórico:
    • século XIX: primeiras ONGs, voltadas para o fim da escravidão, tratamento humanitário para soldados feridos de guerras, melhores condições para trabalhadores etc.
    • década de 1970: número de ONGs cresce, principalmente as voltadas para defesa do meio ambiente e questões transnacionais, formando redes e coalizações entre grupos de diferentes países.
    • década de 1990: ploriferação de novas ONGs graças à globalização, também nos países da ex-URSS, voltadas para os mais diversos temas: pobreza, fome, questões humanitárias, ambientais, etc. Passaram a mobilizar grandes massas e influenciar instituições internacionais → crescimento de seu poder como atores internacionais.
  • Fatores que explicam o notável ressurgimento da atividade das ONGs e seu crescente poder como atores na política internacional:
    1. as questões com as quais as ONGs se preocupam são consideradas independentes ou transnacionais, as quais os estados não podem resolver sozinhos pois as soluções dependem de cooperação internacional e transnacional. Exemplos: sequestro de aviões (anos 1970), poluição por chuva ácida (anos 1980), aquecimento global, minas terrestres ou a epidemia de AIDS (anos 1990).
    2. a partir dos anos 1970 as ONGs passaram a atuar  nas conferências globais, organizando conferências paralelas sobre as mesmas questões, o que permitiu que não somente as ONGs atuassem em rede umas com as outras, como também pressionassem os governos e burocratas internacionais através de lobby.
    3. o fim da Guerra Fria e a expansão da democracia nos países antes comunistas e em desenvolvimento promoveram uma abertura política sem precedentes para a atuação de ONGs em partes do mundo não assistidas por essas atividades.
    4. a revolução nas comunicações (fax, internet, celulares, redes sociais) explica parcialmente o novo papel proeminente das ONGs atualmente, pois elas podem disseminar informações rapidamente por todo o globo, ao mesmo tempo em que recrutam novos membros, realizam campanhas publicitárias para encorajar os indivíduos a participarem e constroem coalizões com outros grupos de interesses afins.

Funções e Papeis das ONGs

  • Defendem políticas específicas e oferecem canais alternativos de participação política. Exemplo: Anistia Internacional tem realizado uma campanha com cartas em nome das vítimas de violações de direitos humanos – Write for Rights. Como eles atuam? Flashmobs nas ruas de Moscou, coletando assinaturas na maratona da Guiné ou em festivais de grande proporção no Brasil, petições online ou participando de encontros com governos, projeções luminosas em Paris, Amsterdam e Istambul ou protestos e paradas em Israel.  http://www.youtube.com/watch?v=3s2mgXCeozk
  • Mobilizam massas de pessoas. Exemplo: Greenpeace mobilizou a comunidade internacional para o fim da caça de baleias e para criação do rótulo de “green” em produtos não nocivos ao meio ambiente, na Europa e Canadá.
  • Distribuem assistência a vítimas de desastres ou refugiados. Exemplo: Médicos sem Fronteiras, Catholic Relief Services e Oxfam, que atuaram/atuam na Somália, Ruanda, Sudão, Haiti, Iugoslávia e República Democrática do Congo.
  • Monitoram as normas de direitos humanos e regulações ambientais e divulgam avisos de violações. Exemplo: Human Rights Watch, que tem atuado principalmente na China, América Latina e outros lugares.
  •  São atores principais no nível local para mobilizar indivíduos a agirem. Exemplo: na ocasião da revisão do Protocolo de Montreal sobre a camada de ozônio três ONGs internacionais (Friends of the Earth, Greenpeace e Conselho de Defesa dos Recursos Naturais) atuaram, cada uma a sua maneira, para denunciar a falta de comprometimento do secretário-geral do Meio Ambiente da ONU com relação a restrições a produtos químicos nocivos à camada. Ao tornar público certas inadequações, tais ONGs forçaram discussões dentro dos países e também entre Estados em fóruns internacionais. O objetivo das três era o mesmo: focar na ação de cidadãos para fortalecer o Protocolo.
  • Desempenham papel também no nível nacional, em alguns poucos casos tomando o lugar do Estado e fornecendo serviços que alguns governos estão inaptos a oferecerem ou por serem corruptos. Exemplo: inúmeras ONGs na Índia que oferecem serviços que deveriam ser de responsabilidade estatal, nas áreas de educação, saúde, agricultura e microcrédito.
  • ONGs raramente atuam sozinhas. Estão sempre em redes, regionais ou globais, conectadas umas com as outras através de coalizões, também com outros grupos da sociedade civil. Essas redes permitem que as ONGs aprendam umas com as outras e trocam informações, o que as confere poder, conforme os construtivistas previram.
  • ONGs podem ser malévolas. Exemplos: a Máfia, carteis internacionais de drogas, Al Qaeda.

O Poder das ONGs

  • ONGs utilizam soft power, ou seja, informações confiáveis, expertise e a autoridade moral que atrai a atenção e admiração de governos e do público.
  • Fontes de poder das ONGs: flexibilidade para mover rapidamente seus staffs de acordo com a necessidade em diferentes áreas do globo; bases de doadores independentes; e, links com grupos das comunidades locais.
  • A alta flexibilidade permite às ONGs criarem redes para aumentar seu poder potencial, atraindo outras ONGs de interesses semelhantes e de qualquer parte do mundo e, assim, formando coalizões de defesa para promover suas agendas.
  • São politicamente independentes de qualquer Estado soberano, o que permite que as ONGs façam e executam políticas no plano internacional mais rápida e diretamente e com menos risco à sensibilidades nacionais, o que ocorre com as organizações intergovernamentais (OIGs).
  • Podem participar em todos os níveis, da formulação de políticas e tomada de decisões até a implementação destas.
  • Influenciam o comportamento dos Estados iniciando ações formais e juridicamente vinculativas, pressionando autoridades para impor sanções, conduzindo investigações independentes e trazendo à tona questões em conjunto para forçar algum cumprimento.
  • ONGs são, portanto, atores versáteis e cada vez mais poderosos especialmente quando atuam em coalização.
  • Exemplo: Campanha Internacional para Banir Minas Terrestres reflete o poder de uma rede de ONGs. Iniciada em 1992 por 9 ONGs, que logo receberam apoio de mais mil, além de grupos locais (Landmine Survivors Network, Vietnam Veterans of America Foundation, Human Rights Watch) em 60 países. Formada a coalizão, usaram mídia eletrônica para propagar a mensagem de que minas terrestres eram uma questão de direitos humanos com efeitos devastantes sobre civis. A mensagem ressoou e chamou atenção de líderes e celebridades como a Princesa Diana. O fundador da CIBMT ganhou o nobel da Paz em 1997 e a morte da princesa causou comoção pública para a causa. O ministro de assuntos exteriores do Canadá então resolveu abraçar a questão e o país sediou a conferência que resultaria numa convenção para banir minas terrestres, ratificada em 1999.

Limites das ONGs

  • Carecem de recursos materiais de poder.  Com exceção de algumas de grupos malevolentes, no geral ONGs não possuem forças militares ou polícia, por isso elas não podem comandar obediência através de meios físicos.
  • Possuem fontes de recursos limitadas. Em razão de não coletarem impostos, como os Estados. A concorrência por financiamento é feroz, por exemplo, ONGs que compartilham das mesmas preocupações geralmente também competem pelos mesmos doadores. Para aumentar seus recursos, algumas ONGs obtém assistência de governos, o que compromete potencialmente sua neutralidade e legitimidade.
  • Alguns acadêmicos sugerem que as ONGs agem mais como os outros atores e de forma menos altruística do que se supõem. Consideram que elas na verdade buscam seu próprio interesse, auto-engrandecimento, preocupadas com suas agendas específicas, mais hierárquicas que democráticas, mais preocupadas com ganhos em financiamento do que com propósitos sociais progressistas.
  • Alguns estudos de caso sugerem que ações de ONGs levaram a resultados inesperados. Exemplo: nos campos de refugiados em Ruanda, sob os cuidados de ONGs como Médicos Sem Fronteiras e International Rescue Committee, os líderes do genocídio estavam sendo protegidos por elas.

Abordagens de RI e ONGs

  • Realistas: para eles as ONGs nem sequer estão no radar da política internacional, pois a maioria existe ao bel prazer dos Estados, ou seja, Estados as conferem legitimidade e autoridade legal, da mesma forma que podem tirar essa autoridade. Para os realistas, as organizações não governamentais não são atores independentes.
  • Marxistas: a falta de representatividade e a carência de responsabilidade das ONGs são problemas centrais. ONGs têm suas bases geralmente no norte e são dominadas por membros da mesma elite que comanda o Estado e as organizações internacional. Os radicais e marxistas vêem as ONGs como submissas às exigências do sistema capitalista e cativas aos interesses dominantes. Somente algumas ONGs têm sido capazes de quebrar o padrão e desenvolver redes que de fato permitam a participação popular no sentido de mudar as regras fundamentais do jogo.
  • Construtivistas: ONGs podem atuar como promotoras de normas, que socializam e ensinam aos Estados novas normas.  Tais normas podem mudar as preferências estatais, as quais por sua vez influenciam o comportamento dos Estados. Em certas situações ONGs podem provocar conflitos, agindo de forma contrária aos interesses daqueles que a constituem. Elas possuem objetivos particulares, criando uma cultura burocrática que tolera a ineficiência e a falta de responsabilidade. Podem, assim, se tornar disfuncionais, na medida em que servem aos interesses dos burocratas internacionais.
  • Liberais: ONGs são atores-chave cada vez mais importantes no cenário internacional e que representam os diferentes interesses, facilitando a ação coletiva.

Referências

  1. http://photos.state.gov/libraries/amgov/30145/publications-portuguese/B_NGO_Handbook_Portuguese.pdf
  2. http://web.mit.edu/isg/NGOManagement.pdf
  3. Globalization and NGOs: Transforming Business,. Government, and Society. Edited by Jonathan P Doh and Hildy Teegen. Westport: Praeger, 2003.
  4. Nongovernmental organizations In: Mingst, Karen A. Essentials of International Relations, Boston University, 6h edition, 2014.
  5. Mapa das ONGs no mundo http://www.wango.org/resources.aspx?section=ngodir
  6. http://livewire.amnesty.org/2014/02/10/human-rights-superheroes/

Globalização: Notas Sobre um Conceito Controverso

PRADO, L. C. D. Globalização: notas sobre um conceito controverso. IE-UFRJ. 2003.

Introdução

  • ideias importam em relações internacionais, pois legitimam o poder e são sua essência; nesse sentido, o artigo busca analisar a história de uma ideia: globalização.
  • o uso popular do conceito de globalização como expressão de uma mudança econômica produzida pela dinâmica das inovações tecnológicas, sendo simultaneamente fenômeno inevitável e desejável, é impreciso, embora cumpra seu papel de legitimar certa interpretação do mundo.

Definindo Globalização

  • apenas no final da década de 1980 e durante os anos 1990 que o termo globalização passou a ser empregado com dois sentidos: positivo, como processo de integração da economia mundial; e, normativo, prescrevendo uma estratégia de desenvolvimento baseada na rápida integração com a economia global.
  • a globalização pode ser interpretada sob quatro linhas básicas:
    1. globalização como um período histórico: Ramonet afirma que a globalização é a característica do ciclo histórico iniciado com o fim da Guerra Fria; autores como Wallerstein e Arrighi usam o conceito de “sistema-mundo” e também interpretam a globalização como período histórico.
    2. globalização como compressão do tempo e do espaço: autores como Harvey e Giddens; a organização do “espaço” define relações sociais; a liberdade do capital de mover-se por todo o globo dá aos capitalistas uma vantagem sobre os trabalhadores, que têm menor poder de ação em razão de restrições migratórias e custos de mudança. Da mesma forma, “tempo” representa fonte de valor e poder, por isso as empresas capitalistas submetem o trabalho a constantes pressões para reduzir o tempo e aumentar a produtividade.
    3. globalização como hegemonia dos valores liberais: autores como Hirsch e Fukuyama. Para Hirsch, a economia mundial é dominada por três blocos de riqueza (Am. do Norte, Europa e Japão), o investimento estrangeiro direto é concentrado em um número limitado de países, e diferencia empresas transnacionais (realmente internacionalizadas mas em menor número) das multinacionais (cultural e economicamente vinculadas ao país de origem, mas que opera em vários outros). Para Fukuyama, a globalização é a universalização dos valores da democracia liberal e da ordem econômica baseada nos princípios da economia de mercado, cujo exemplo ideal é o norte-americano.
    4. globalização como fenômeno sócio-econômico: Reinaldo Gonçalves afirma que a globalização define-se pela interação de 3 processos distintos – expansão dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais; acirramento da concorrência internacional; maior integração entre os sistemas econômicos nacionais. Para François Chesnay, economista da OCDE, globalização traduz a capacidade estratégica do grande grupo oligopolista em adotar abordagem e conduta globais, relativas simultaneamente a mercados compradores, fontes de aprovisionamento, localização da produção industrial e estratégias dos principais concorrentes.
  • Globalização, para Prado, é o processo de integração de mercados domésticos na formação de um mercado mundial integrado. Toma-se a abordagem da globalização como fenômeno sócio-econômico, o qual é dividido em três processos: globalização comercial, globalização produtiva e globalização financeira.

Medindo a Globalização

Globalização Comercial

  • É a integração dos mercados nacionais através do comércio internacional e pode ser facilmente mensurada.
  • Se o crescimento do comércio mundial der-se a uma taxa de crescimento média anual superior a do PIB mundial, há globalização comercial.
  • Se o fenômeno for exclusivamente regional e explicado por políticas econômicas dos países da região, esse processo é chamado de integração econômica.
  • Primeira onda de globalização comercial (1820-1913): entre o fim das Guerras Napoleônicas e início da Grande Depressão da década de 1930 houve um primeiro período de crescimento da globalização.
  • Segunda onda de globalização comercial (1929-1950): a partir do pós-Guerra, houve um grande clico expansivo da globalização.
  • A globalização comercial, portanto, não é um fenômeno novo.
  • A dinâmica do processo de globalização só pode ser entendida considerando as demais dimensões: produtiva e financeira.

Globalização Produtiva

  • É o processo de integração das estruturas produtivas domésticas em uma estrutura produtiva internacional.
  • É a relação entre a parcela da produção internacionalizada e o PIB mundial.
  • O processo de globalização produtiva se dá:
    • pelo investimento direto internacional e a reinversão dos lucros desses investimentos
    • pela difusão de padrões tecnológicos e modelos de organização industrial
    • pela internacionalização das estruturas de mercado e da competição empresarial.
  • Esse processo está associado a uma estrutura produtiva formada por empresas locais, beneficiando-se de vantagens competitivas tradicionais, usando tecnologia e técnicas desenvolvidas a partir da realidade doméstica, com relativo isolamento da competição internacional, exceto através do comércio exterior. Tais empresas beneficiam-se de oligopólios diferenciados (pela força de suas marcas), oligopólios concentrados (devido a barreiras protecionistas) e de rendimentos crescentes de escala.
  • O comércio internacional reflete vantagens competitivas adquiridas, explicadas por aspectos institucionais domésticos e pela estratégia global das grandes empresas transnacionais.
  • A globalização produtiva é um processo mais recente: aceleração do fenômeno até a I Guerra Mundial, seguido de um retrocesso no Entre-Guerras e de uma grande aceleração no pós-guerra.
  • Diáspora da burguesia cosmopolita: expansão do comércio internacional a partir do fim das Guerras Napoleônicas. Até a década de 1850, o movimento internacional de K era associada principalmente a empréstimos com grande participação dos bancos de negócios britânicos, em sua maioria direcionados a governos ou empreendimentos avalizados pelos governos. Os primeiros investimentos diretos no séc. XIX se destinavam a empresas de infraestrutura (portos e ferrovias). Após 1870, começaram a ser realizados os primeiros investimentos diretos na indústria manufatureira.
  • As estruturas produtivas do século XIX eram fundamentalmente nacionais, a competição se dava pelo comércio e não por uma competição direta através da produção nos mercados nacionais.
  • Crescimento da globalização comercial → revolução nos meios de comunicação → condições tecnológicas para maior integração produtiva internacional.
  • A globalização produtiva só ocorreu, portanto, após o surgimento da moderna empresa industrial (entre 1880 e a Segunda Guerra Mundial), a qual ultrapassa as fronteiras nacionais, mas busca no mercado internacional o controle de recursos que não eram supridos domesticamente. Eram chamadas de ETAs (Empresas Transnacionais Antigas) por Swartz, e operavam muitas vezes em mercados ligados por relações coloniais. Havia baixa articulação internacional, a não ser vínculos de propriedade e comerciais.
  • Após a II Guerra, surgem as ETs (Empresas Transnacionais Modernas), predominantemente americanas, que alteraram a natureza do investimento direto internacional graças a alguns fatores:
    • o tempo e o espaço foram comprimidos pelas melhorias nos transportes e comunicações;
    • a projeção do poder político e econômico americano e o apoio governamental fizeram as operações de empresas no exterior menos arriscadas e criavam um ambiente favorável nos países hospedeiros;
    • durante as décadas 1950 e 1960, as grandes empresas americanas viram-se compelidas a ampliar  seu acesso a mercados em rápido crescimento, como Europa Ocidental e alguns países em desenvolvimento;
    • as empresas se internacionalizaram porque mudanças na tecnologia, estrutura da demanda, política governamental, infraestrutura nacional ou diferenças institucionais influenciavam a competição inter-empresarial de diferentes países.
  • As ETs controlavam a tecnologia e o capital não disponíveis para os novos países independentes da África e Ásia (descolonização), mas estes controlavam o acesso a fontes de matérias-primas (petróleo e outros). Os países grandes exportadores de petróleo do Oriente Médio passaram a ter maior poder de barganha, através da OPEP.
  • O processo mais importante de internacionalização de empresas deu-se no setor manufatureiro, e foram países de maior mercado interno e maior dinamismo econômico os mais beneficiados desse processo.
  • O resultado de como as empresas reagem aos desafios e oportunidades criadas pelas transformações na ordem econômica internacional, pela aceleração do progresso técnico e pela convergência dos níveis de renda per capita nas principais economias industrializadas é o que conhecemos por competição global.
  • A partir da década de 1970 houve menor regulação dos investimentos internacionais, gerando oportunidades crescentes às empresas transnacionais, porém houve ameaças também crescentes: a maior competição internacional, a velocidade de introdução de novas tecnologias, a rápida obsolescência (e até desaparecimento de certos produtos) obrigavam as empresas a manter alto nível de eficiência e desempenho.
  • Indústrias tradicionais dependiam de mão-de-obra abundante e barata, já que faziam uso de tecnologias estáveis difundidas no mercado internacional ou de fácil aquisição.
  • Indústrias de alta tecnologia dependiam de seu acesso a recursos financeiros e humanos para P&D, da imagem de confiabilidade e qualidade de suas marcas e sua capacidade gerencial.
  • Modelo do Ciclo do Produto: criado por Vernon (1966), classifica um produto em 3 estágios (novo produto, produto maduro e produto padronizado). Havia uma grande distância entre acesso aos conhecimentos científicos contemporâneos e a transformação desses em produtos comercializáveis. Uma vez introduzido o produto (novo produto) em um país industrializado, parte de sua produção alcançava outros países via exportação; logo passa a ser interessante produzi-lo em algum dos grandes mercados consumidores (produto maduro); após ser padronizado e produzido em larga escala com tecnologia difundida (produto padronizado), o principal fator para localização da produção é o custo dos fatores e o o que determina os custos é o preço da mão-de-obra.
  • Modelo dos Gansos Voadores: criado por Akamatsu (1962), descreve o processo de realocação das indústrias do país mais avançado para outros, através do comércio internacional e do investimento, o que ocorre por mudanças de competitividade. O investimento internacional levaria a uma divisão internacional do trabalho graças à difusão da tecnologia, o que permitiria aos países seguidores produzirem parte dos produtos desenvolvidos pelo país-líder, empregando a mão-de-obra mais barata que esses países ofereciam.
  • Retrospectiva da internacionalização das empresas: empresas americanas (1950’s), empresas europeias (1960’s) e empresas nipônicas (1970’s).
  • As empresas japonesas contribuíram para alterar a competição global, quando a partir da década de 1980 passa a ocupar porções de mercado antes dominadas por empresas ocidentais. Essa participação no mercado era possível porque as exportações de produtos finais não vinham apenas do Japão, mas a partir de várias bases produtivas no Leste Asiático, beneficiando da forte integração da estrutura produtiva naquela região.
  • O produto passou a ser identificado não mais pelo país em que era produzido, mas pela sua qualidade através da marca.
  • As empresas americanas e europeias reagem à ascensão nipônica e ampliam o grau de integração e divisão de trabalho da estrutura produtiva da matriz e suas afiliadas. Organizaram-se em cada mercado em função dos custos locais e da estratégia global formulada no centro de decisão. Qualquer parte da produção, ou mesmo todo o ciclo produtivo, poderia ser feito em um ou mais países em que a filial local fosse competitiva no mercado interno da empresa.
  • Novo padrão de investimento internacional: origina-se da necessidade das empresas de ocuparem espaços estratégicos nos grandes mercados, beneficiando-se das vantagens locacionais para produção e distribuição de seus produtos. As empresas tornam-se atores globais.
  • A globalização produtiva é uma das mais importantes dimensões do fenômeno da globalização.
  • As empresas globais não são apátridas, pois toda empresa está conectada a um determinado país ou conjunto de países, onde se localiza sua matriz e onde se encontra seu núcleo de decisão política. A partir desse núcleo que elas negociam com os governos para projeção de seus interesses estratégicos.

Globalização Financeira

  • É o processo de integração dos mercados financeiros locais (mercados de empréstimos e financiamentos, títulos públicos e privados, monetário, cambial etc) aos mercados internacionais.
  • A dimensão financeira é o aspecto mais importante da globalização.
  • A partir da década de 1970 houve crescimento das transações financeiras crossborder, caracterizadas por dois aspectos:
    1. crescimento da mobilidade da poupança: eficiência relativa do K na alocação intertemporal de recursos;
    2. desenvolvimento de transações que implicam em transferência de risco: internacionalização dos serviços financeiros.
  • Em uma economia aberta, a existência de déficits/superávits em transações correntes e a possibilidade de a conta capital ser superavitária ou deficitária permite uma dissociação entre o nível de poupança e o investimento doméstico dos diferentes Estados nacionais.
  • É fundamental para testar os efeitos da globalização financeira, analisar:
    • a capacidade desse processo de aumentar o nível de financiamento dos déficits em transações correntes na economia mundial;
    • se a globalização financeira tem reduzido a correlação entre poupança e investimento doméstico, ou seja, países com baixa taxa de poupança mas grandes oportunidades de investimento poderiam acelerar sua taxa de crescimento econômico importando poupança.
  • A capacidade de financiamento de déficits em conta corrente é muito menor no período recente do que no anterior à Primeira Guerra.
  • A globalização financeira recente não contribuiu de maneira significativa para aumentar a capacidade de investimento.
  • Paradoxo de Feldstein-Horioka: reforça evidências de que a globalização financeira não contribuiu para aumentar a mobilidade da poupança entre países.
  • Se os mercados fossem completamente integrados, um crescimento exógeno da poupança doméstica deveria ser investido no país que oferecesse a maior taxa de retorno, não afetando necessariamente o investimento doméstico.
  • Os estudos disponíveis mostram que os investidores têm grande preferência por manter maior parte de sua carteira de títulos nos mercados domésticos.
  • Globalização financeira é caracterizada pelo grande crescimento e integração de serviços financeiros em escala global, ou seja, um processo de criação de um mercado mundial integrado de serviços financeiros.
  • Serviços financeiros: atividades dos bancos comerciais, bancos de investimento, seguro, gestão de ativos, além de atividades do mercado financeiro internacional associadas à diversificação de risco (mercado cambial e de derivativos), vendas de produtos financeiros, garantia de transações etc.
  • Derivativo financeiro: instrumento financeiro cujo valor deriva do desempenho de outro ativo financeiro, índice ou investimento.
  • O crescimento dos fluxos internacionais e a desregulamentação dos serviços financeiros internacionalmente vem sendo acompanhada por frequentes crises. Isso oriunda do fim do sistema de Bretton-Woods.
  • Sistema de Bretton-Woods: negociado para reorganizar as relações econômicas internacionais depois da II Guerra, visando a evitar outra grande instabilidade monetária nas tentativas de recriação do padrão-ouro. Baseava-se nos seguintes compromissos:
    1. dólar seria a moeda de referência do sistema;
    2. outras moedas deveriam se manter com regime de taxas de câmbio fixas;
    3. seriam controlados movimentos especulativos na conta capital;
    4. o FMI seria a organização responsável por supervisionar a operação do novo sistema monetário.
  • O sistema de Bretton-Woods enfrentou um trilema macroeconômico: não é possível implementar simultaneamente taxas de câmbio fixas, liberdade de movimento de K e política monetária autônoma (voltada para fins domésticos).
  • Outros regimes de política cambial anteriores a Bretton-Woods: Padrão-Ouro (1880-1914) e sistema de taxa de câmbio flutuante (1918-1925 e após 1973).
  • O sistema de Bretton-Woods, combinado com políticas keynesianas, nos países da Europa Ocidental e EUA funcionou muito bem, viabilizando as maiores taxas de crescimento econômico entre 1948 e 1971.
  • Década de 1970: marcada por uma crise financeira no início da década, pela primeira crise do petróleo (1973) e pela crise gerada pela elevação da taxa de juros americana (1979).
  • Isso levou a mudanças profundas na política econômica dos países:
    • abandono das taxas de câmbio fixas nos países desenvolvidos e progressiva liberalização do movimento de capitais de curto prazo;
    • países em desenvolvimento também realizaram mudanças nas suas políticas econômicas;
    • países socialistas da Europa Oriental passaram gradativamente de economia centralizada para o capitalismo selvagem;
    • desvalorização do peso mexicano (1994-95);
    • economias desenvolvimentistas da Ásia oriental entram em crise;
    • Rússia entra em crise e desvaloriza o rublo → primeira crise econômica pós-socialismo.
    • crise na América Latina com a desvalorização do real e pressões sobre a taxa de câmbio fixa argentina.
  • Conclusão: a globalização financeira foi mais um produto da desintegração do sistema monetário internacional do que um objetivo perseguido por ela.