O método comparativo

BADIE, B.; HERMET, G. El método comparativo. In: ______ Política comparada. México: Fondo de Cultura Económica, 1993. p. 7-59.

Introdução

  • A política comparada não é apenas um setor da ciência política, mas sim um modo de pesquisar o conjunto dos fenômenos políticos, uma maneira de aprofundar na análise empírica e na teoria política em todos os setores do conhecimento.
  • A reflexão comparativa pretende se impor como “maneira de ser” na ciência política, com algumas funções:
    • conhecer e conhecer-se: comparar ajuda a conhecer o outro na medida em que se deixam de lado estereótipos do senso comum e ajuda a conhecer-se pois a análise dos demais permite precisar aquilo que constitui nossa própria identidade. Com o gênero monográfico o pesquisador se arrisca a não ver o que constitui a particularidade do sistema político que estuda, dado que não pode compará-lo com nenhum outro para assim destacar o que tenha de indiscutível, de singular ou de particular.
    • compreender: comparar permite compreender/interpretar, ou seja, interpretar o que quer dizer política neste ou naquele lugar sem se limitar à concepção universalista ou etnocêntrica. Cada parlamento, cada partido, cada modo de mobilização política está marcado pelo traço de uma história, de uma cultura que os distingue dos mesmos conceitos em outros países; assim, a ação que se desenvolve no seio de cada um e sua maneira de funcionar ocultam uma parte distinta e indiscutível e não conhecê-la pode levar a uma má interpretação do jogo que efetuam seus atores.
    • relativizar: comparar nos leva a abandonar nosso léxico político, nossas teorias, nossos determinismos e preconceitos. Não existe um léxico universal da ciência política, pois todos os conceitos podem se universalizar com base em definições limitantes; não existem determinismos universais, pois as histórias são demasiado numerosas, complexas e independentes umas das outras; e, também não existem teorias políticas totalmente universais, pois nenhuma teoria é independente da cultura do sociólogo que a estabelece, e nenhuma cultura pretende alcançar o universalismo. Assim, a análise comparativa desarma certezas construídas pelos outros a fim de precisar, afinar, corrigir paradigmas e definir a fronteira que separa os domínios do universal e particular.
    • liberar: liberar do etnocentrismo e do peso do universal e do uniforme. Ao demonstrar a pluralidade, o método comparativo destaca a importância do acontecimento, da invenção, da ruptura, da mobilização e da ação, revelando que, se as trajetórias de desenvolvimento político são diferentes, não é porque os homens sejam diferentes ou porque não interpretaram da mesma maneira as leis da história, mas porque tomaram diferentes decisões, porque reagiram de maneira distinta ante acontecimentos diferentes e porque estabeleceram tradições diferentes.
  • O objetivo do comparatista é apresentar primeiro aquilo que é em determinado lugar e momento como a expressão do que não poderia ser e que, em todo caso, não existe em nenhum outro lado e em nenhum outro momento.
  • A tarefa do comparatista consiste mais em despertar dúvidas do que analisar.
  • O método comparativo, muitas vezes confundido com a justaposição de estudos regionais, deve ir mais adiante e confrontar a informação proveniente dessa justaposição, o que implica conhecimento de vários âmbitos.
  • Às vezes o método comparativo se limita à história comparada, para expressar melhor a indiscutível singularidade de cada modelo de desenvolvimento.
  • Quando se limita à análise institucional, o método comparativo deve procurar definir as práticas políticas do poder e as da oposição.
  • Para se aproximar de categoria científica, a comparação deve efetuar-se de maneira sistemática e crítica, por um lado, como procedimento de pesquisa e, por outro, como trabalho de configuração de um objeto cujo sistema também deve obedecer à preocupação comparativa, mesmo que seja único.

O método comparativo

  • A ciência política se constituiu em grande parte graças ao método comparativo, que substituiu a experimentação. Esse método propõe-se comparar os feitos sociais pertencentes às mesmas categorias, ainda que inserindo-os em contextos diferentes, a fim de explicar sua gênese e suas diferenças de configuração e de arranjo.
  • O objetivo não é realizar o inventário das similitudes e divergências comprováveis de um país a outro, mas transformar este inventário em condutor de uma explicação dos processos sociais.
  • Os objetos comparados devem ser comparáveis, ou seja, que tenham suficientes pontos comuns para pertencer a mesma categoria e fazer válida a comparação e que ao mesmo tempo se distinguam de tal maneira que a comparação torna-se útil.
  • O método comparativo se inspira no método das variações concomitantes (John S. Mill), cujo propósito é interpretar as variações que apresenta um objeto social dado ao relacioná-las com as diferenças comprovadas no modo de ação de tal ou qual fator, em igualdade de circunstâncias.
  • Limites do método das variações concomitantes: o meio no qual se elabora um objeto social é tão complexo e inclui uma quantidade tal de variáveis, cada uma potencialmente explicativa, que é muito difícil isolar uma delas e assegurar-se que todas as demais sejam neutras. O método é no melhor dos casos aproximativo.

A crise do método comparativo clássico

  • O método comparativo clássico entrou em crise nos anos 1970 devido a sua incapacidade de adaptar-se às transformações que marcaram o objeto da análise política, por exemplo o contexto da descolonização, que trouxe à tona novos Estados que refletem uma ordem política distante do mundo ocidental, ou seja, com diferenças acentuadas de contextos. Assim se corria o risco de preferir as “formas” aos modos reais de funcionamento.
  • Frente a isso, desenvolveram-se novas bases, supostamente melhor adaptadas, para o postulado da comparação:
    1. repudir a análise das sociedades extra-ocidentais no âmbito dos estudos de área: são estudos monográficos e não uma comparação com outras sociedades, cujas conclusões tenderiam a ser formais; assim, a falta de comparação pode agravar o caráter etnocêntrico da análise, do contrário se corre o risco de elaborar monografias a partir de preconceitos, utilizando novamente e sem critério antigas categorias e métodos cuja compatibilidade com o objeto estudado não foram estabelecidos antes. Ainda, ao se multiplicar a análise monográfica, desemboca-se num acúmulo de conhecimentos justapostos e desarticulados que impedem o conhecimento do político e se tornam apenas descritivos.
    2. desenvolvimentismo: se a comparação entre as sociedades extra-ocidentais e as ocidentais podia ser desconcertante, do contrário seria mais eficaz e legítimo postular que as condições presentes de funcionamento das primeiras teriam certa analogia significativa com o anterior modo de funcionamento das segundas. Isso significa que em todas as ordens políticas há um desenvolvimento político e que comparar seria medir os descompassos/diferenças de fases entre eles, o que se torna prescritivo. Possui uma carga ideológica forte que contribuiu para legitimar o poder dos príncipes nas sociedades extra-ocidentais e a dependência do Terceiro Mundo, além de lembrar a tradição evolucionista ao proclamar a existência de uma lei universal de mudança política. O desenvolvimentismo contribuiu para acelerar a crise do método comparativo.

A crise do universalismo

  • O universalismo do método comparativo tem dois postulados: o universal dos conceitos e o universal das práticas, o que nos leva a inferir que não pode haver uma ciência do político sem uma série de conceitos aplicáveis ao conjunto das situações políticas e que a cultura não intervém significativamente na elaboração das categorias.
  • Ao declarar a transculturalismo dos conceitos e as práticas políticas, o método comparativo clássico refugia-se nos axiomas desenvolvimentistas: uma vez descobertas as diferenças culturais, somente teriam um valor residual destinado a perder-se na medida em que se efetua a modernização.
  • Em alguns casos se utilizou o método weberiano dos tipos ideais, uma racionalização utópica, que elaborava os conceitos acentuando seus aspectos mais significativos e permitindo interpretar aquilo que os separa das situações concretas/reais, como sendo devido aos restos de uma tradição, fácil de isolar para postular seu desaparecimento progressivo.
  • Primeiro problema: as práticas políticas ao invés de utilizarem um modelo universal não deixam de corroborar e ampliar a distância que as separa deste modelo. A mudança política não é obra de uma matriz universal, como mostrou a independência dos países africanos, que se manifestava por mecanismos de hibridismo e com movimentos de oposição fora do Ocidente que se organizavam a partir de uma temática do específico.
  • Segundo problema: críticas oriundas da análise científica. O modelo estatal ocidental não resistiu à confirmação de sua especificidade e da impossibilidade de universalizá-lo e gerou dois efeitos: o descobrimento da antropologia política e uso do conceito de cultura e de análise cultural; o reexame das condições históricas de produção da modernidade política ocidental, a nova sociologia histórica do Estado e do político ocidental (Moore, Anderson, Tilly, Bendix…). Descobriu-se assim que categorias da história ocidental eram erroneamente consideradas conceitos universais.
  • O descobrimento do específico afetou profundamente a definição do político e a partir daí se passou a reconhecer a impossibilidade de uma definição universal do político.
  • A crise do universalismo na política comparada supõe que se duvide da separação a priori do objeto político e seu isolamento prematuro no interior do todo social. Um e outro correspondem a modalidades variáveis de cultura a cultura, o que obriga o comparatista a empreender uma empresa sociológica integrada.
  • Entretanto, inúmeros procedimentos sociais e políticos, em particular os que pertencem a um nível abstrato, contêm uma dimensão universal, tendo alguns conceitos (ação social, norma, lei, mobilização) resistido à relativização.
  • O método comparativo precisa diferenciar os conceitos monoculturais (relacionados com determinada história, podem ser exportados) dos transculturais (podem universalizar-se e transcender as culturas).
  • Um conceito transcultural pode ser definido como elaborado dentro de uma teoria ou de um modelo analítico cuja pretensão universal resista à crítica (conceitos de ação social e obrigação política) ou porque representa no abstrato um construção política situada no espaço e no tempo mas que na prática adquiriu valor universal.
  • A questão central está no nível de definição, no enunciado das características do conceito, assim o comparatista deve considerar a cultura e a história para distinguir estritamente os níveis de abstração de cada conceito e usar termos para cada um desses níveis.
  • Outra dificuldade é localizar-se no labirinto produzido pela pluralidade de definições que recebem a maioria dos conceitos e para isso o método comparativo supõe a redução prévia desta polissemia. O comparatista deve sinalizar, nomear e definir o específico de cada etapa de sua análise, examinar suas dinâmicas, o processo de sua possível exportação e possível hibridismo, ou seja, sua transformação na sociedade a que se transplanta.
  • A última questão concerne à dificuldade de expressar estes conceitos e relacioná-los com a linguagem autóctone, haja vista que a tradução cria uma falsa sensação de transculturalismo, o que implica deslizamento de sentido. Ao contrário, com o uso da língua original se corre o risco de cair na inquestionável especificidade do significado dos conceitos. A tradução deve ser muito atenta para conservar a distinção entre os conceitos universais e os específicos.
  • A crise do universalismo pode ser superada reordenando a fundo as definições (“jergas”) da sociologia política e abandonando a ilusão de que a definição idealizada pela ciência política ocidental seja universal.

A crise da explicação

  • A crise do universalismo que afeta o método comparativo desemboca na crise de sua faculdade explicativa e a nova tendência explicativa, que admite que os processos políticos contêm uma parte indiscutível de especificidade, culmina em um modo de exposição muito mais modesto ainda que indubitavelmente mais válido.
  • A explicação política já não pode afirmar a existência de um fator determinante e universal que transcenda as culturas e as histórias e é forçoso admitir que essa hipótese já se insinuava nos trabalhos comparativos, tendo em vista o lugar importante que ocupava o determinismo econômico.
  • O determinismo mediante as infraestruturas, proclamado por estas, foi muito mais nocivo para a análise comparativa derivada delas e tem transplantado para realidades históricas diversas o mesmo questionamento explicativo gerando assim a ilusão de uma transformação parecida das sociedades.
  • O postulado de que o desenvolvimento político está atrelado ao desenvolvimento econômico é questionável, pois supõe que em todas as culturas a economia é concebida da mesma maneira e que sua articulação com o social e o político é de natureza universal. Porém parte essencial do objetivo do método comparativo é comparar os diferentes modos de articulação entre as instâncias que compõem o jogo social. Além disso, encontra oposição da antropologia, que demonstra uma grande variedade de modos de construção do econômico e de suas relações com o social.
  • O determinismo econômico toma como dado o universal das estratégias, as quais no entanto se elaboram de maneira histórica, remetendo ao específico. Seu destaque nas ciências ocidentais se deve ao fato de o econômico refletir uma dimensão importante da história ocidental, e que remetia a estratégia detida pelas burguesias conquistadoras.
  • O paradigma explicativo não é culturalmente neutro: o mesmo fator nem sempre é pertinente, nem todos os atores sociais o percebem da mesma forma e seu papel limitante não é reconhecido em qualquer lugar. O conceito de determinismo tem uma conotação cultural, já que descreve a aceitação de determinado fator em uma sistema de significados dado.
  • Os trabalhos mais recentes reorientaram a explicação: 1) para o modo “sequencial” – comparar trajetórias históricas a fim de explicar as diferenças que as separam mediante o efeito produzido pela sucessão de diferentes sequências históricas; 2) para o método weberiano da afinidade eletiva – devido ao ressurgimento da análise cultural e ao redescobrimento da epistemologia de Weber.
  • Análise do tipo sequencial (Moore, Rokkan, Perry Anderson): permite encontrar concordâncias históricas e graças a elas “variáveis importantes” que constituem uma fase intermediária da pesquisa e que deve afinar-se conforme se consideram os casos singulares. A etapa intermediária permite construir a análise de casos singulares com outras bases além das monográficas, ao permitir a comparação e propiciar hipóteses explicativas, ainda que parciais.
  • Análise baseada em afinidades eletivas (Eisenstadt): o projeto de Weber em A Ética Protestante não era estabelecer se o capitalismo determinava o protestantismo ou vice-versa, mas buscar os elementos de afinidade que propiciavam a solidariedade de um com o outro. Esta análise permite construir de maneira lógica o laço que une um tipo de cultura com um tipo de construção do político. O método tem mais valor para descrever uma singularidade do que para descobrir as variáveis explicativas, porque surge um problema de verificação – mesmo que com a análise empírica se verifique a correlação dos dois tipos que se consideram afins, é muito mais difícil estabelecer com referência que princípios basearam essa correlação.
  • O alcance explicativo do método comparativo termina quando se corre o risco de se restabelecer o universalismo, a causalidade simples ou o evolucionismo.

A crise da relação com a história

  • A decisão de não considerar a história se manifestou de duas maneiras: recorrendo-se à epistemologia behaviorista segundo a qual história e ciência política são disciplinas independentes entre si e recorrendo a postulados segundo os quais a história tem um sentido a priori e está submetida a determinada teoria.
  • Análise behaviorista da vida política: teve como resultado análises sistêmicas, que tomam o conjunto dos papeis políticos próprios de uma sociedade como um sistema. Seus postulados geram três problemas:
    1. a construção sistêmica se baseia em uma definição a priori do político, estabelecendo uma concepção essencialista/nominalista do político.
    2. a definição essencialista do político considera as práticas políticas trans-históricas e minimiza suas transformações, além de a análise proposta por Easton pertencer a uma situação e contexto dados e puramente ocidental.
    3. o postulado da persistência inerente à gestão sistêmica nos leva a dar menos importância às rupturas e a reduzir o específico que caracteriza as crises próprias de cada ordem política, condicionando o singular de sua trajetória.
  • A análise behaviorista no método comparativo preocupou-se principalmente com comportamento eleitoral, mas apenas produziu incertezas e mais perigos ao desconsiderar a história, resultando apenas em uma descrição dos comportamentos eleitorais correlacionados com um conjunto de variáveis sociológicas, o que dá a ilusão de que é possível a comparação, quando na verdade não mostra diferentes correlações entre um lugar e outro.
  • Tradições comparatistas que apelam a uma teoria sociológica que atribui um sentido a priori à história: a análise marxista (demonstra a sucessão linear dos modos de produção) e as sociologias evolucionistas, que deram lugar a sociologias da modernização (todas com base em uma definição universal da modernidade na qual convergem todas as sociedades).
  • A sociologia marxista pode ser considerada um freio às possibilidades comparativas, pois tende a efetuar a comparação a partir de dois postulados limitantes: considera a priori que todas as histórias se realizam em razão da causalidade econômica e que atravessam as mesmas etapas, os modos de produção universais. Evoluções mais recentes passaram a incluir as condições sócio-econômicas e as características culturais de cada classe, como condições da maneira em que se forma a consciência de classe → marxismo cultural (Thompson, Perry Anderson, Hechter e Brustein).
  • Renovação marxista: reorientação de trabalhos comparativos inspirados no materialismo histórico, não consideram a história com dados que se conhece a priori, mas como quadro de pesquisa; permitiu retificar a declaração do universal das etapas de desenvolvimento, mas não conseguiu impugnar o postulado do determinismo econômico, que sugere erroneamente o universal do tipo cultural que o supõe.
  • Quando a comparação atende à história é possível revelar as rupturas, invenções e crises pelos quais se pode comparar as ordens políticas, não a organização destas mas seus processos de construção, o que permite descobrir melhor os aspectos específicos de cada tipo.
  • A história também é importante para conter os efeitos negativos da gestão macrosociológica, ou seja, uma comparação que não considera a história pode supor a existência de grandes conjuntos (mundo muçulmano, mundo ocidental). A introdução da história multiplica quase ao infinito as unidades de análise (espaços políticos que devem ser isolados e comparados). A regressão a unidades cada vez mais finas leva a uma estratégia comparativa baseada na comparação em determinado nível, eleito de acordo com o objetivo da pesquisa.
  • A sociologia política comparativa está fadada a desaparecer ante à história? Não. A política comparada segue sendo sociológica porque não descarta a priori a conceitualização sociológica e os métodos e paradigmas da sociologia, mas pretende discernir entre o universal e o particular, entre materiais marcados por uma história e o que se volta a encontrar nas histórias.

Novas orientações do método comparativo

  • O novo método comparativo tende a construir-se do contato com os novos paradigmas da ciência política: o redescobrimento da análise cultural e a reconstrução da sociologia dão lugares à análise estratégica. As tendências atuais consagram o regresso à sociologia weberiana e pretendem utilizar o paradigma de Weber para estabelecer novas bases ao método comparativo renovado. Weber baseia sua teoria no conceito de ação social, como uma ação desencadeada por um ator em direção a outro, a partir de um sentido compartilhado por ambos. O jogo social ao mesmo tempo que é interativo tem uma base cultural.

O regresso da análise cultural

  • A análise cultural precisa superar três perspectivas:
    1. a definição normativa da cultura: o conceito é entendido como o conjunto dos valores compartilhados por todos os membros de uma sociedade.
    2. a definição histórica da cultura: pouco pertinente, pois supõe concebê-la como transmitida por gerações de acordo com um rigoroso modo de reprodução social, inaplicável às sociedades modernas e complexas, onde prevalecem a mudança social e a inovação, que se oporiam artificialmente à cultura.
    3. a construção behaviorista da cultura: considera um modelo de comportamento, que mesmo não compartilhado por todos os membros da sociedade, é dominante. É imprudente situar a cultura no nível do imediatamente observável, segmentá-la segundo tipos de comportamentos e relacioná-la de maneira tão estreita ao efeito revelador das conjecturas.
  • O problema dessas abordagens é que a regularidade observada na produção dos comportamentos sociais se integra arbitrariamente a uma cultura sem considerar as interações sociais, a perspectiva que se tem das instituições e como se originam as situações em que se desenvolvem os comportamentos.
  • Perspectiva semiótica: Geertz define cultura como “sistema de significados conhecido pelos membros de um grupo, o qual o aplica em suas interações”, destacando que o jogo social não supõe que os atores sociais compartilham dos mesmos valores, mas que eles se compreendem entre si. Assim remete a cultura a um código de significados parecido com que sugeria Weber, de uma orientação social à ação.
  • A análise cultural renovada permite que a comparação ponha em perspectiva os diferentes sentidos que dão ao político, no espaço e no tempo, diferentes coletividades. Isso permite observar que a diversidade das construções do político tem afinidade com as construções dos outros espaços do jogo social.
  • Críticas “metodológicas”: apresentam o problema do conhecimento e da construção da cultura do outro. Isso tem a ver com a crise do universalismo, a reconsideração da universalidade dos conceitos e a questão da tradução. Para resolver isso, a análise cultural recorre à linguística: analisando-se vocabulários políticos podemos identificar as características específicas que distinguem umas culturas das outras. Outro problema é a dimensão das culturas e o fato de o conceito ser usado anarquicamente para conjuntos amplos ou coletividades muito reduzidas. Pode ser resolvido declarando-se que, para possuir uma cultura, uma coletividade deve caracterizar-se por interações sociais simultaneamente bastante concretas e autônomas.
  • O essencial compete à estratégia do pesquisador e à natureza e extensão dos objetos que deseja analisar ou comparar, assim, se seu objetivo é o conhecimento de determinado objeto político, a variável cultural determinada deve ter a dimensão de dito objeto.
  • Outra falha metodológica da análise cultural é a dificuldade de considerar as mudanças que sofrem as culturas, o que leva o pesquisador a declarar a permanência dos modelos culturais, ou seja, seu imobilismo.
  • A cultura é fruto das práticas sociais, assim muda, evolui e se transforma em função dos acontecimentos, estratégias e eleições dos atores sociais, então utilizar a cultura como variável explicativa é válido em um momento dado do tempo, o que impede de aplicar as hipóteses ao passado ou ao futuro.
  • Outro risco de má interpretação: temos acesso à cultura graças à história, no entanto existe a perigosa tendência de que as análises culturais irão corresponder a uma cultura considerada em seu passado com uma ordem política concebida em seu presente.
  • As culturas mudam por efeito da propagação, ao incorporar ou copiar aspectos culturais exógenos, desembocando em mecanismos de re-apropriação dos aspectos culturais, mas também mudam por inovação, pelo próprio jogo dos atores sociais, tal como se desenvolvem dentro de cada espaço cultural.
  • Postulado da análise cultural: “para que se possa efetuar o jogo social é indispensável que os atores compartilhem um sentido; uma vez que este sentido se produz, pode independizar-se do ator e conservar-se sem ele”. O ator social se impõe primeiro como produtor de sentido, somente impõe instituições e práticas novas atrelado à renovação do sistema de significados. Mas o ator também é demandante de sentido.
  • Há uma dificuldade para estabelecer a cultura como variável explicativa, já que é próprio do cultural estar em situação interativa, ao mesmo tempo como produtor e produto da ação social. O risco que corre o comparatista é esquecer essa dualidade e transformar a variável em explicação da separação comprovada entre os tipos de construção do político.
  • A variável cultural permite destacar as características de sentido específicos que distinguem os objetos comparados além da similitude de suas formas e interpretar assim seu modo particular de inserir-se no jogo social.
  • Análises dos processos de legitimação e deslegitimação constituem um elemento sensível do conhecimento que pode ter a contribuição da análise cultural, a respeito dos diferentes modos de construção do político, de uma história social a outra. A análise comparativa das diferentes aparições do político é objeto privilegiado de todo enfoque que ponha em movimento o conceito de cultura.

 Recurso da análise estratégica

  • A modelização excessiva e a priori da ordem social é um perigoso para o comparatista, pois corre o risco de confundir a comparação com a mera medida que separa as diferentes situações concretas do tipo ideal construído em referência às sociedades modernas ocidentais. O recente “regresso do ator” oferece a vantagem de separar uma modelização demasiado etnocêntrica e permite restituir toda a variedade possível de construções do político.
  • Paradigma do individualismo metodológico: principal condutor do redescobrimento do ator; há duas maneiras de construir esse paradigma (Birnbaum).
    1. estabelecer como princípio explicativo universal o modelo do indivíduo calculista, conformado segundo um tipo único de racionalidade.
    2. limita-se a conduzir o pesquisador a encontrar, pelos processos sociais, a existência de estratégias individualistas sem remeter a um modelo já conhecido ou querer prover uma explicação exaustiva.
  • Críticas: estabelecer a hipótese de um modelo universal do indivíduo calculista é negar a pertinência da variável cultural e a da diversidade das formações sociais.
    • Resistências comunitárias: retificam o postulado do individualismo universal; a força dessas resistências caracterizam muitas histórias e explicam suas características. (Eric Wolf, MacFarlane, Oberschall)
    • O indivíduo não constitui categoria universal, mas uma construção histórica que se torna objeto de análise e não deixa de ser princípio explicativo.
  • Popkin: refuta a oposição comunidade x indivíduo e considera românticos os conceitos de solidariedade e resistências comunitárias, pois para ele o campesinato tonquinês tem os mesmos aspectos individualistas que o inglês, é igualmente calculista e caracteriza-se por racionalidade econômica e política; o desaparecimento do indivíduo do tecido social comunitário é um preconceito que marca algumas histórias.
  • A natureza do individualismo é, portanto, dupla: 1) dimensão universal: a identificação do indivíduo com a comunidade a que pertence nunca é absoluta; 2) dimensão histórica: as estruturas comunitárias não são idênticas a priori mas pertencem a certas histórias, logo, certas culturas.
  • A análise comparativa torna-se importante porque estabelece a desigual construção dos referentes comunitários e sua variável cristalização.
  • O individualismo metodológico deve desempenhar seu papel como método, qual seja, permitir que se encontre o papel do ator em todas as construções do social, o que coincide com as bases da sociologia weberiana e seu conceito de ação social.
  • A ordem comunitária, por mais que condicione a ação e a confere uma orientação distinta da que teria em outras formações sociais, não anula o princípio da ação individual, segundo Popkin.
  • A gênese, a transformação e a eternização de um objeto político qualquer só pode ser analisada referente a um conjunto de ações/condutas individuais e coletivas, nas quais o comparatista deve encontrar coerência para torná-las compreensíveis, sem que essa compreensão represente uma racionalidade única.
  • Através da relação entre condutas e situação é possível reconstruir as estratégias dos atores, parcialmente explicativas do específico das trajetórias do desenvolvimento político, essenciais para a comparação.
  • Problema da invenção do político: o político, como todo fato social, constitui-se mediante a lógica estabelecida com anterioridade e imanente à ordem social; assim, a ação humana não pode intervir como fonte de invenção, apenas provocar ajustes (aceleramento/atrasos).
  • A invenção do político remete tanto à análise microssociológica (indivíduo sem maior preparação política, cujo processo de invenção ocorre no nível das interações sociais elementares) quanto à análise macrossociológica (ator político especializado, dotado de recurso de poder, cujo ato inventivo é institucionalizado e com efeitos mais amplos).
  • Interessa ao método comparativo recente os processos de “destotalização”, ou seja, de impugnação (mediante o jogo do ator-indivíduo) das técnicas totalitárias de governo empregadas em alguns países.
  • A análise dos inventos políticos relacionados com a estratégia dos atores políticos gera menos dificuldades, pois é mais fácil delimitar essas invenções quando formam parte de elementos fortes de ruptura e crise e quando se referem a acontecimentos criadores (por exemplo um golpe militar, ascensão de nova dinastia etc).
  • Mas a invenção política também pode ser observada fora dos contextos de ruptura como resultado de opções tomadas pelo ator político para resolver um problema; assim, podem se considerar universais as tentativas de governantes para consolidar seu poder e alcançar legitimidade ótima. Essa perspectiva permite comparar os processos de construção de um poder executivo nas sociedades em desenvolvimento e mostra uma pluralidade de estratégias.
  • Ao considerar as invenções políticas, elimina-se os limites da análise cultural, e o pesquisador interroga-se acerca da gênese dos sistemas políticos para renovar as condições de suas comparações.
  • A gênese das fórmulas políticas e este processo de invenção remetem a diferentes modalidades:
    • processos de ativação de uma tradição: por exemplo a mobilização política do campesinato para construir a República Popular da China é reativação da prática milenar imperial que consistia em redistribuição de terras e reajuste de sua participação nos cargos militares e fiscais.
    • imitação/importação: boa parte da invenção estatal se fez copiando o modelo eclesiástico, mas o que mais se imita são modelos estrangeiros, por exemplo a influência bizantina no principado de Kiev, na Rússia e nos império Omíada e Abássida.
  • O comparatista deve estar atento às diversas estratégias de imitação, as que se devem à mera coerção ou a um cálculo que se adianta à coerção.
  • A análise dos processos de imitação é decisiva para a comparação: 1) permite conhecer melhor a gênese dos sistemas políticos, logo, seus elementos mais explicativos; 2) ajuda a evitar as ciladas da comparação formal, mais notória quando os modelos estrangeiros se imitam melhor.
  • A aportação da sociologia da ação é valiosa para o comparatista: permite evitar ilusões culturalistas, que levariam a explicar o político estabelecendo culturas como variáveis independentes. Quando se considera a ação se vai mais além da descrição sem cair no engano no desenvolvimentismo, mas sobretudo ao plantar o problema da invenção política, é possível analisar de outra maneira os processos de diferenciação que se efetuam entre as trajetórias de desenvolvimento político.
  • A referência à história e à ação se solidarizam e corrigem-se mutuamente: a sociologia da ação evita o historicismo e a aportação da história protege do individualismo metodológico.

A formalização do método comparativo

  • Há três orientações observadas por Theda Skocpol na atual pesquisa comparativa:
    1. aplicação de um modelo geral à história: com o cuidado de situar e analisar as diferenças das trajetórias além de alimentar de maneira mais substancial sua aportação histórica. (Wallerstein)
    2. pesquisa das regularidades causais: pretende encontrar recorrências causais na história sem pré-julgar ou pré-julgar sua universalidade; busca, através da dedução e a partir da confrontação de diferentes sequências históricas, variáveis causais ad hoc que servem de explicação. (Barrington Moore, Skocpol)
    3. sociologia histórica interpretativa: pretende comparar as trajetórias históricas com base em sua singularidade e assim tentar definir as diferenças que consideram significativas; este projeto abarca as aportações da análise cultural e as da sociologia da ação. (Geertz, Bendix, Tilly, Eisenstadt)
  • Método das fortes oposições: objetivo de contrastar os sistemas políticos (ou parte deles) de duas histórias e duas culturas diferentes a fim de destacar aspectos que constituem sua singularidade e interpretá-los.
    • Quanto mais agudo o contraste, mais se referem à concepção da ordem política as diferenças encontradas, que assim permitem discutir o problema da definição do político no seio das sociedades comparadas.
    • Quando o contraste é menor e tem como base sociedades culturalmente mais próximas, a comparação permite destacar as diferenças relativas ao funcionamento dos sistemas políticos e a identidade de seus componentes.

Precondições de Desenvolvimento: uma Comparação entre Japão e Alemanha

BENDIX, R. Precondições de Desenvolvimento: Uma Comparação Entre Japão e Alemanha. In: BENDIX, R. Construção Nacional e Cidadania.  São Paulo: Unesp, 1996. p. 211-244.

  • marco do desenvolvimento político e econômico do mundo moderno: Inglaterra e França, século XVIII.
  • modelo de desenvolvimento nativo: considera que Inglaterra e França se industrializaram graças a mudanças predominantemente oriundas de suas próprias sociedades, posteriormente disseminadas pela Europa.
  • influências culturais cruzadas: ao longo do séc. XIX, Alemanha, Rússia e Japão receberam influências externas (da Inglaterra e da França), considerados elementos modernizadores (culturais, tecnológicos, ideológicos etc), os quais eram muitas vezes adaptados pelas forças políticas internas, para serem usados politicamente como forma de aumentar o poderio econômico e militar do país;

Alemanha e Japão – semelhanças no desenvolvimento:

  • enfrentaram problemas resultantes da simbiose tradição – modernidade;
  • apresentaram características típicas de países industrializados:
  1. mudança de tecnologia: tradicional → baseada no conhecimento científico
  2. agricultura: subsistência → produção comercial
  3. uso da força: humana e animal → mecanizada
  4. êxodo rural
  5. nova divisão do trabalho
  6. relação familiar (ou quase) → vínculos contratuais e monetários
  7. ↑ mobilidade social e avanços sociais.
  • rápidas mudanças políticas: Restauração Meiji (1868, Japão) e Unificação (1870-71, Alemanha);
  • preferência por instituições monárquicas e tradição burocrática controlada por oligarquias;
  • preferência por formas autocráticas/ditatoriais de governo para desenvolver as instituições parlamentares;
  • semelhantes aristocracias;
  • “retardatários” industriais.

Alemanha e Japão – diferenças no desenvolvimento:

JAPÃO

  • mais coeso culturalmente → tradição imperial;
  • sincretismo religioso, maior tolerância;
  • isolacionismo e posição insular → retardou o avanço científico;
  • consolidação administrativa;
  • população disciplinada;
  • desenvolvimentos internos semelhantes;
  • grupos dirigentes iniciaram reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios );
  • consenso (pacto entre elites).

ALEMANHA

  • sofreu mudanças territoriais ao longo de sua história;
  • heterogeneidade cultural e política;
  • ortodoxia cristã → conflitos religiosos no passado;
  • cosmopolitismo → ideias da Rev. Francesa;
  • fragmentação política;
  • desenvolvimentos nativos desiguais: ascensão da Prússia;
  • conflitos diante das reformas ( ↑ cidadania ↓ privilégios ) : grupos dirigentes resistiram.

Serão analisados três pontos na modernização japonesa e alemão:

  1. surgimento de uma autoridade nacional;
  2. destruição dos antigos privilégios;
  3. universalização da cidadania.

Duas Aristocracias

De que maneira a estrutura social anterior pode atrapalhar ou facilitar o processo de modernização?

  • Por serem dois países retardatários industriais, é apropriado analisar a linha-base da estrutura social tradicional, ou seja, os grupos dirigentes tradicionais, se estes foram determinantes no processo de reformas.
  • JAPÃO: a aristocracia japonesa iniciou a transformação do país, em razão da gradual perda de privilégios que vinha sofrendo desde a Era Tokugawa. Porém, tal insatisfação não atingiu a ideologia → ausência de polarização ideológica, atribuída ao isolamento. Por quê? O isolamento foi utilizado como instrumento político de contenção da classe guerreira japonesa, pela família Tokugawa, nos séculos anteriores, conferindo autonomia aos samurais, ao passo em que os subordinava ao governo central, impedindo que houvesse contato com o Ocidente. A aristocracia japonesa era anti-ruralista (samurais já moravam nas cidades → aumento da urbanização), relativamente desmilitarizada e burocrática.

A perda gradual de poder da nobreza guerreira japonesa

até o séc. XVI → samurais eram chefes supremos das aldeias (papel semelhante aos senhores feudais) → guerras civis → xogunato Tokugawa → fim do poder político dos samurais, que passam a ser funcionários do governo → feudos passam a ser administrados por cidades fortificadas, onde passaram a residir os samurais → Edito de 1615: destruição dos castelos, deixando só 1 por província → expulsão dos samurais da terra → expulsão das missões cristãs → isolamento efetivo → início Era Tokugawa → divisões na aristocracia → maior burocratização do governo →  samurais passam a fazer carreira → lealdade mantida, porém mudanças na ideologia → conduta pessoal e burocrata → ideologia de ambição

“[…] homens de posição inferior foram muitas vezes promovidos a um alto cargo; comerciantes e, ocasionalmente, até mesmo camponeses com qualificações especializadas foram nobilitados para que pudessem manter o cargo; e a promoção na burocracia tornou-se para os guerreiros um meio importante de melhorar sua posição.” – Smith, Thomaz. Japan Aristocratic Revolution

Por que a aristocracia japonesa não resistiu às mudanças?

  1. falta de articulação ideológica;
  2. fracasso dos guerreiros em resistir à remoção da terra;
  3. conflitos de interesses entre as fileiras da aristocracia;
  4. burocratização e desenvolvimento de novas aspirações.
  • ALEMANHA: a aristocracia não foi desafiada em seus privilégios; líderes de opinião manifestavam-se através da literatura, propagando ideias iluministas, vindas de fora, que se difundiram em uma sociedade em que a liberdade de opinião era inexistente. Na Alemanha, antes da unificação, a historiografia nos conduz a uma direção oposta à da japonesa, no tocante à estrutura social tradicional. A aristocracia prussiana era anti-urbana, em razão do fortalecimento dos laços com a terra, do consequente declínio econômico das cidades, resultando em uma queda na urbanização. Utilizaram vitórias militares no exterior para alcançar a unidade nacional, promovendo um militarismo dinástico, bem aceito pela nobreza territorial e, consequentemente, ampliando a posição do rei e de Bismarck.

Mudanças na Alemannha antes da Unificação

até final do séc. XVI → Prússia em ascendência = família Hohenzollern → cidades prósperas + camponeses livres → estabilidade gerada pela Ordem Teutônica (prosperidade econômica oriunda das hansas) → declínio comercial → 1525: extinção da Ordem → ascensão política da nobreza feudal através da coerção econômica (viram mercadores) → séc. XVII: declínio das cidades + servidão dos camponeses → empobrecimento dos Hohenzollern → variável exógena que altera o equilíbrio interno de poder: Guerra dos Trinta Anos → ocupação estrangeira → enfraquecimento da aristocracia territorial → Hohenzollern expandem privilégios à nobreza territorial e a militariza → Exército.

Tradição e Desenvolvimento da Classe Dirigente

Relações do governo local com a população

  • JAPÃO: quase impessoais, pois os samurais já haviam sidos removidos da terra e os daimios eram administrados por funcionários diretos do governo central (algumas vezes era um samurai).
  • ALEMANHA: altamente pessoal, pois a nobreza territorial permaneceu no governo local, com posição social e governamental mantida pela dinastia Hohenzollern.

Esfera Militar

  • JAPÃO: após reformas militares Meiji, houve uma certa igualdade no exército com medidas de abolição da posse de espadas pelos samurais, visando restringir seu poder militar. Os samurais passaram a ter uma militância individual, mas sempre de acordo com o governo imperial.
  • ALEMANHA: Hohenzollerns também suprimiram qualquer ação militar independente da nobreza local, mas mantinham sua posição social. As relações entre as classes militares eram interpessoais, o que atenua o abismo social entre as classes da Alemanha prussiana, pois dava a falsa impressão de ascensão, na medida em que o militarismo organizado era o principal instrumento de unidade nacional.

Cultura e Costumes

  • JAPÃO: a criação de uma lei que obrigava os samurais a residirem por um período em Edo (antiga Tóquio), proporcionou um refino cultural à aristocracia guerreira, semelhante ao da corte francesa, após a transição do feudalismo para o absolutismo. Entre os samurais havia um sentimento anti-rural e de inveja dos prósperos comerciantes, mas isso foi minimizado pela campanha nacionalista após 1868.
  • ALEMANHA: com a reintrodução da servidão, tanto a classe camponesa quanto a nobreza local (junkers), brutalizaram-se em costumes, se comparados ao restante da Europa naquela época. Mesmo os integrantes da alta aristocracia que permaneceram na terra careciam de refinamento cultural e o que predominava na sociedade da época era uma vida civil militarizada. Havia um sentimento anti-urbano, de preconceito contra os comerciantes.

Diferentes Papeis Desempenhados pelas Aristocracias

  • JAPÃO: aristocracia foi decisiva no início das reformas, participando de decisões econômicas e políticas. Não havia defesa do velho regime, logo, não havia divisão radical de duas ideologias. A preocupação japonesa com posição social era independente do sentimento de classe e, na época da Restauração, havia uma consciência de classe relativamente fraca, o que minimizou o conflito tradição x modernidade/reformas.
  • ALEMANHA: a iniciativa da reforma partiu dos funcionários de um regime absolutista, e não da aristocracia territorial. Ao longo do século XIX a Alemanha vivenciou uma divisão ideológica entre defensores da tradição x reformistas, porém havia uma elevada consciência de classe, em razão das ideias iluministas oriundas da França e Inglaterra.

A Questão do Consenso (no Japão)

  • isolamento até 1868 → consenso nacionalista → nativismo x ocidentalismo;
  • supremacia absoluta da hierarquia e autoridade sobre todos os valores e lealdades concorrentes (fomentada no período Tokugawa, pela destruição do cristianismo);
  • tipo especial de consenso entre as elites governantes → respeito à autoridade estabelecida → Meiji
  • característica típica da sociedade japonesa: respeito à autoridade hierárquica (em diversas células da sociedade) → valores de responsabilidade coletiva e solidariedade local 
  • não houve resistência da população às reformas no campo.

O Desenvolvimento como Problema Político

  • A industrialização de países retardatários, como Alemanha e Japão, envolveu um alto grau de iniciativa política → exemplo primitivo desse tipo de desenvolvimento: medidas políticas para promover mudanças econômicas e enfrentar divisões da população.

É fácil controlar os sentimentos populares de uma única aldeia, mas é difícil controlar a opinião pública de uma nação inteira. […] Hoje, as condições no Japão estão intimamente relacionadas com a condição mundial. Elas não são simplesmente assuntos de uma nação ou província. […] governantes esclarecidos, com a ajuda de sábios ministros, conduziram e controlaram essas mudanças, consolidando assim suas nações. […] é responsabilidade do governo seguir uma política conciliatória e se acomodar a essas tendências, de modo que possamos controlar mas não agravar a situação, e afrouxar nossa influência sobre o governo, mas não cedê-la. — HIROBUMI, Ito, um dos arquitetos da Restauração Meiji

  • JAPÃO: Objetivo dos líderes da Restauração Meiji: avançar economicamente e conter politicamente os resultados desse avanço.
  • ALEMANHA: tentou estratégia semelhante, mas enfrentou resistência e insatisfação política de segmentos da sociedade. Diante disso, lideranças prussas argumentavam que o modelo parlamentar inglês era inaplicável à Alemanha, Estado militar, devido a sua posição geográfica na Europa central. A estrutura militar passa a ser o eixo do Estado prussiano, com o objetivo de coagir (através da força) a influência da burguesia no governo central. A unidade nacional não é possível em razão de desenvolvimentos econômicos diferenciais (o que provoca fragmentação nas aristocracias territoriais), pelo conflito de crenças religiosas e pela oposição política (Partido Social-Democrata).

Semelhanças Japão e Alemanha

  1. ambos tinham a convicção de que o governo monárquico/imperial era o indispensável “fiel da balança” entre as forças que ameaçavam a estabilidade do país.

Contrastes Japão e Alemanha

  1. o Japão não teve a “intrusão” de ideias ocidentais, que pudessem perturbar a estabilidade política do país, devido aos seus 250 anos de isolamento; a Alemanha, por outro lado, era uma “sementeira” de ideias oriundas da Inglaterra/França, além de ter divisões demasiado difundidas em sua sociedade (religiosas, políticas e econômicas).
  2. Japão tinha uma preocupação inicial apenas em manter a unidade interna e se desenvolver economicamente; apenas após sua industrialização passou a investir em militarismo; a Alemanha, pelo contrário, utilizou o militarismo como meio de se industrializar e manter a unidade nacional, através do Estado da Prússia, justificativa para acomodar o confronto tradição x modernidade.
  3. o Japão possuía, no momento da Restauração, um grupo coeso de líderes políticos (unidade de liderança coletiva), que conseguiram implantar reformas graduais na sociedade (fim do sistema han, desmilitarização, redução dos privilégios dos samurais); a Alemanha, em contraste, desenvolveu-se a partir da ascensão de um de seus Estados (Prússia) sobre os demais, utilizando-se do militarismo e de uma constituição monárquica para fins de unidade política, conduzidos pela figura de Bismarck.
  • Ambos os países necessitaram do governo e de ideias políticas para se desenvolverem,  numa tentativa de conter as divisões de suas sociedades resultantes do confronto “tecnologia moderna” x “instituições arcaicas”.

Implicações Teóricas

  • é falacioso dizer que os desenvolvimentos similares que os dois países tiveram ocorreu devido aos contrastes/semelhanças resultantes de tomadas de decisões anteriores. Em uma abordagem mais ampla, poderíamos substituir o precário equilíbrio da tomada de decisão por um conceito de “equilíbrio” atribuído à sociedade como um “sistema”
  • estudos comparativos consideram as estruturas sociais como fenômenos duradouros, porém limitados temporalmente. Logo, tomando o “desenvolvimento parcial” como uma verdade, e considerando que os homens conseguem conciliar tradição e modernidade, então o desenvolvimento de um país depende de uma administração política dos problemas da sociedade desse país em desenvolvimento.
  • uma mistura de tradição e modernidade pode ser tanto tolerada como afetada pela “administração política”;
  • as sociedades que surgiram depois do processo de desenvolvimento são profundamente afetadas por ideias além de suas fronteiras, portanto as explicações estruturais de desenvolvimento não podem ser exclusivas.
  • Alemanha e Japão: simbiose entre tradição e modernidade, sujeita ao impacto das “artes industriais” e ao “processo de racionalização” (VEBLEN e PARSONS), cuja instabilidade resultaria na completa industrialização. Entretanto, Bendix analisa que a mudança mais drástica nesses países não ocorreu dessa forma, mas apona que a tradição foi destruída pela conquista, ocupação militar e divisão.
  • para os que aceitam a teoria de Schumpeter do “desenvolvimento parcial”, tal questão parece óbvia, pois é fácil reconhecer que a conquista militar e a ocupação foram mais relevantes do que a industrialização na destruição da tradição.
  • há ainda o argumento da influência da política externa e da conjuntura internacional como determinantes da destruição de legados tradicionais e a incorporação mais rápida ou mais lenta de tecnologia moderna, e, sob essa abordagem, não há relevância da conquista e ocupação como determinantes do desenvolvimento, pois esses países seriam modernizados de qualquer forma, em razão das mudanças no sistema.
  •  em suma, foram dois países que chegaram tarde ao processo de desenvolvimento, com estruturas sociais que devem ser compreendidas em suas particularidades, não apenas como “estágios transitórios”, tomando como referência a sociedade industrial inglesa.