Política de Segurança dos EUA para a América Latina após o final da Guerra Fria

HERZ, Monica. Política de segurança dos EUA para a América Latina após o final da Guerra Fria. Estudos Avançados, 01 December 2002, Vol.16(46), p. 85-104.

  • Anos 1990: “multilateralismo limitado, porém emergente”.
  • Bush Pai (1989-1993): mudança paradigmática → enfatiza maior cooperação, investimentos e comércio. Clinton (1993-2001) mantém as mesmas linhas → Nafta e Tratado de Livre Comércio com as Américas.
  • Tensão entre iniciativas multilaterais e o unilateralismo na política externa norte americana.
  • Intervenções continuam: invasão do Panamá (1989), Venezuela (2002).
  • Duas agendas em termos de objetivos estratégicos: promoção de reformas neoliberais e combate às drogas.

Tendências gerais da política de segurança norte-americana no hemisfério

  • Identificação de uma série de ameaças à segurança dos EUA em nível global. A partir dessas ameaças, a estratégia seria aumentar a segurança do país e sua prosperidade econômica, e promover a democracia e os direitos humanos.
  • A América Latina não constituía uma região de alta prioridade para a segurança dos EUA nesse novo cenário.
  • Uma das principais ameaças identificadas pelos EUA era a proliferação de armas de destruição em massa; nesse sentido, a América Latina entrou em conformidade com os EUA (que fez bastante pressão), abandonando seus projetos de armas nucleares e se tornando uma região livre de ADMs durante os anos 1990.
  • Expansão da agenda de segurança dos EUA na América Latina: além dos temas tradicionais, destaca-se o tráfico de drogas e a imigração ilegal, objetos de políticas envolvendo o uso ou ameaça do uso de violência.
  • Modificação na relevância das sub-regiões: América Central (anos 1980) → Região Andina (anos 1990).
  • Um dos pontos focais da política de segurança norte-americana na região passou a ser a guerra na Colômbia, porque esse conflito envolve diversos elementos identificados como ameaças à segurança dos EUA, além de a Colômbia ser de interesse geopolítico em termos de comércio, imigrantes e efeito do conflito sobre a segurança regional.
  • Clinton: apoio militar e econômico para a erradicação de produção e comércio de drogas e o apoio à contra-insurgência; Bush Filho: aumento da assistência militar e à contra-insurgência; ajuda no controle do território por parte do Estado colombiano → “assistência sem o envio de tropas“.
  • Novas formas de associação regional foram estimuladas → multilateralismo regional → revisão do papel da OEA e da Junta Interamericana de Defesa no contexto de preocupação com as novas ameaças e a administração da segurança regional, já que os EUA não queriam arcar com esses custos.
  • A cooperação multilateral ficou evidente em dois casos: invasão do Haiti (contou com aval dos membros da OEA) e negociação de paz entre Peru e Equador (Tratado do Rio de Janeiro).
  • Paradigma da segurança cooperativa: um dos pilares da política de segurança dos EUA para o continente. Foram incorporados conceitos e práticas de segurança mútua nas doutrinas de segurança dos países latino-americanos. Houve expansão da agenda e diversificação das estratégias e práticas.
  • Estratégia militar: disposição temporária de tropas, busca de cooperação na área militar, para gerar mais previsibilidade nas relações militares e na defesa da democracia.
  • As políticas de Bush e Clinton sobre revisão do papel das Forças Armadas na América Latina não encontrou ressonância na região → complexo processo de redefinição do papel dos militares nos países latino-americanos, com uma tendência a interesses corporativos.
  • O incentivo para as Forças Armadas latino-americanas se engajarem no projeto de segurança cooperativa dos EUA entra em conflito com a “auto-imagem das diferentes corporações como defensoras da integridade territorial do Estado”.
  • Política de transferência de armas: revista no governo Clinton → “instrumento legítimo da política externa norte-americana” → venda de caças F16 para o Chile, entendimentos com a Argentina e maior participação na modernização das forças aéreas latino-americanas → favorece uma maior influência na região.
  • Política anti-cubana: contínua marginalização de Cuba dos arranjos de segurança regionais é mantida nos anos 1990.

Segurança e o paradigma democrático

  • Democracia como uma das estratégias de segurança dos EUA: justificativa da defesa das instituições democráticas nas invasões do Panamá e Haiti; uso da diplomacia para fortalecer instituições democráticas no Peru, Guatemala e Paraguai.
  • Cúpula das Américas (1994): associação democracia e segurança. “(…) o combate a outras ameaças mais evidentes, como as drogas e a imigração ilegal, poderia ser prejudicado caso o paradigma democrático não se consolidasse.”
  • Nos anos 1990 se cristaliza a “natureza tutelar da política externa norte-americana para a América Latina”, com o projeto de fortalecimento da democracia liberal.
  • Declaração de Santiago (Resolução n.º 1080 da OEA): início do processo de criação de um aparato institucional de proteção à democracia: utilizado para condenar o golpe de 1991 no Haiti, em 1992 no Peru, em 1993 na Guatemala e em 1996 no Paraguai.
  • Reforma da Carta da OEA (1997): “a nova carta dá à Organização o direito de suspender um membro quando ocorre quebra institucional.”
  • Mudança da política de segurança dos EUA se choca com a tradição de autonomia dos militares latino-americanos: EUA passam a incentivar a criação de ministérios da defesa ao invés dos específicos para as Forças Armadas → discurso do controle civil sobre as instituições castrenses para fortalecer a democracia.

Drogas e imigração ilegal

  • As novas ameaças para os EUA no pós-GF são endógenas ao continente americano: as migrações descontroladas e o tráfico de drogas.
  • Bush Pai: “guerra às drogas” → estratégia nacional e também organizou duas reuniões de cúpula sobre o tema.
  • Medidas de combate ao tráfico já vinham sido tomadas nas administrações anteriores.
    • 1993: Clinton desmonta o cultivo de cocaína e a produção de pasta de coca no Peru e na Bolívia, o que causou a transferência para a Colômbia.
    • 1998: Western Hemisphere Drug Elimination Act – aumento do financiamento às operações antidrogas no continente.
    • 2000: Plano Colômbia → 1,3 bi de ajuda à Colômbia, assistência que se torna centro das relações bilaterais.
    • 2001: George W. Bush cria a “iniciativa andina”, uma expansão dos esforços feitos pelas administrações anteriores, mas agora também para o Peru e a Bolívia, além da Colômbia.
  • Aumento da militarização nos esforços antidrogas do governo norte-americano e intensificação das relações entre militares latino-americanos e norte-americanos → EUA preferiam forças militares e não policiais.
  • A migração advinda do Haiti e do Caribe foi percebida como ameaça no período.
    • migração haitiana: 20 mil haitianos são levados para Guantánamo em 1994 e tal fluxo de migrantes foi decisivo para a invasão do Haiti e tornou-se tema importante das eleições presidenciais.
    •  migração cubana: a partir de 1994 houve mudança na política norte-americana; migrantes cubanos também foram levados para Guantánamo e houve acordos com o governo cubano que reimpos restrições à partida de cubanos.
  • “A preocupação com a imigração ilegal da América Central contribuiu para a militarização da fronteira entre os EUA e o México”.
  • Clinton buscou mecanismos multilaterais para lidar com a migração: Processo de Puebla (1996), Panamá (1997).

Assistência militar e presença militar

  • A opção pela intervenção militar é considerada pelas elites decisórias norte-americanas, haja vista a experiência histórica.
  • Nos anos 1990 houve crescente militarização da política de segurança dos EUA para o hemisfério e uma maior participação dos militares na formulação de uma estratégia regional.
  • Comando Sul das forças militares norte-americanas (Southcom): ator mais importante na região, responsável por complexa rede de funções e instalações; há ações em 19 países (todos menos o México e a Guiana Francesa); objetivos são operações antidrogas e contato com militares da região.
  • A assistência militar é um instrumento clássico da política externa dos EUA: é estimulado o contato entre militares da região através de um conjunto de instituições e práticas.
  • As bases militares são outra forma de presença militar norte-americana no continente: os EUA possuem base no Equador, Aruba, Curaçao, El Salvador, Honduras, Cuba, Porto Rico; outras instalações militares existem no Peru e na Colômbia.
  • Através das Forward Operating Locations, percebe-se uma grande diversificação da presença militar norte-americana na região como estratégia de segurança, principalmente na região andina.

Conclusão

  • Política de segurança norte-americana após o final da Guerra Fria:
    • Elementos de ruptura: maior ênfase aos mecanismos de cooperação e concertação regionais; incorporação da sub-região andina à sua área de influência; diversificação da presença militar; novas ameaças; tentativa de redefinição do papel e da estrutura institucional das Forças Armadas da região.
    • Elementos de continuidade: uso de políticas unilaterais; relevância dos acordos bilaterais no campo militar; assistência ao aparato militar de diferentes países; enfatiza o contato entre militares da região.
  • Nos anos 1990, as ameaças à segurança dos EUA advém de fenômenos endógenos ao continente: drogas, migrações, fragilidade das instituições políticas.
  • A militarização do combate ao narcotráfico prejudica o paradigma democrático para a região ao longo dos anos 1990: o maior exemplo é a Colômbia.
  • Despreparo diante de conflitos territoriais: as medidas de segurança mútua não resolvem os conflitos originais entre os países, além disso o Estado é a unidade de análise para a criação de medidas de confiança num contexto em que se destacam atores não-estatais.
  • As nações da região viveram no período uma “tensão inerente” entre proposta de Estado minimalista nas relações com o mercado e aumento do papel do Estado no combate à criminalidade.
  • A liderança norte-americana não tem se mostrado disposta a arcar com os custos de um processo de concertação multilateral na esfera regional, por isso utilizou o paradigma da segurança cooperativa.