A Dialética da Globalização

IANNI, O. A dialética da globalização. In: ________ Teorias da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

  • O capitalismo sempre foi um modo de produção internacional. No século XIV seus centros dinâmicos e dominantes foram a Holanda, a Inglaterra, a França, a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão, sempre ultrapassando fronteiras, mais que isso, recobrindo, deslocando, dissolvendo ou recriando fronteiras. No século XX torna-se não apenas internacional, mas um modo de produção global.
  • O processo capitalista influencia, tensiona, modifica, dissolve ou recria todas e quaisquer formas com as quais entra em contato, exercendo influência sobre o Estado de acordo com seu tipo e formação social.
  • As forças produtivas básicas (capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho social, mercado, planejamento etc) entram em conjugação e se desenvolvem de forma intensiva e extensiva, ultrapassando fronteiras, regimes políticos e civilizações.
  • As tradições culturais, religiosas, linguísticas e outras permanecem ou se reiteram, às vezes se expandindo, porém tudo se modifica graças ao capitalismo global.
  • Na globalização do capitalismo tudo se altera, modifica, anula, mutila, recria ou transfigura.
  • A competição entre os capitais, a busca de novos processos produtivos, a conquista de novos mercados e a procura de lucros provocam a dinamização das forças produtivas e da forma pela qual elas se combinam e aplicam nos diferentes setores em diferentes parte do mundo. Isso implica em dois processos:
    1. concentração do capital: contínua reinversão dos ganhos no mesmo ou em outros empreendimentos (reinversão do excedente, ou mais-valia);
    2. centralização do capital: absorção de outros capitais, próximos ou distantes, pelo mais ativo (forte), dinâmico e inovador.
  • Segundo Marx, o capitalismo possui uma lei que “continuamente empurra a produção capitalista além dos seus velhos limites e compele o capital a mobilizar sempre mais forças produtivas de trabalho pela mesma razão que já mobilizou anteriormente”.
  • O capitalismo redesenha o mapa do mundo na medida em que, desde o século XVI, multiplicam-se empresas, corporações e conglomerados (monopólios, trustes, carteis, multinacionais e transnacionais), sempre ultrapassando fronteiras geográficas e históricas.
  • O capital, de acordo com Marx, tende a “conquistar toda a Terra como um mercado” e a “reduzir a um mínimo o tempo tomado pelo movimento de um lugar a outro”. Assim, quanto mais desenvolvido o capital, mais extenso é o mercado em que circula e tanto mais se estende o mercado e se anula o espaço através do tempo.
  • O modo capitalista de produção é complexo, desigual, contraditório e dinâmico, está sempre em movimento, transformando-se e expandindo-se.
  • Conforme Marx, “a produção transcende além de si mesma na determinação da produção” e a partir daí o processo recomeça novamente. A troca e o consumo, assim como a distribuição, “não podem ser o transcendente”, mas como distribuição dos agentes da produção, constitui um momento da produção. Uma produção determinada determina um consumo, uma distribuição e uma troca determinadas e “relações recíprocas determinadas destes diferentes momentos”. Também a produção “sob sua forma unilateral” está determinada por outros momentos, quando a esfera de troca (mercado) estende-se, a produção amplia e se subdivide mais em profundidade. Por fim “as necessidades do consumo determinam a produção”.
  • Toda essa dinâmica é comandada pelo capital, através dos que detêm a propriedade e os movimentos do capital, nacional e mundial.
  • A forma como o capital se articula confere a ele primazia sobre as demais forças produtivas e, mesmo dependente da capacidade da força de trabalho produzir valor, ele determina a reprodução ampliada.
  • O capital desdobra-se e articula-se em diferentes formas de organização do trabalho e da produção, para que se realize a reprodução ampliada do capital. Ele adquire configurações singulares, particulares e gerais, cada vez mais sob a influência do capital em geral (abstrato e real). Na economia global, desenvolve-se ainda mais a forma geral do capital.
  • À medida que se desenvolve o capitalismo, o capital em geral adquire maior relevância sobre os singulares e particulares, em âmbito nacional, setorial, regional ou internacional.
  • Assim, a globalização do capitalismo pode ser vista como produto e condição do capital em geral, no qual se realizam e multiplicam todas as outras formas de capital.
  • O poder real não está totalmente nos escritórios das corporações, mas nos mercados financeiros, pois o capital financeiro constrange e controla os capitalistas e é operado por meio de redes globais.
  • No século XX o capital adquire características propriamente globais, num contexto em que se dissolvem fronteiras entre os mercados financeiros nacionais, emergindo um mercado global de capitais.
  • O dinamismo da reprodução ampliada do capital e seu caráter progressivo influenciam as mais diferentes formas de organização social e técnica do trabalho e da produção.
  • Marx: “em todas as formas de sociedade existe uma determinada produção que confere a todas as outras sua correspondente posição e influência”, através das relações dessa produção.
  • O capitalismo expande-se pelas diferentes nações e nacionalidades, dinamizado pelos processos de concentração e centralização do capital, concretizando sua globalização.
  • A acumulação originária pode ser vista como um processo genético e estrutural, inerente ao capitalismo, e que se desenvolve todo o tempo por toda a parte. Isso cria e recria de forma contínua e reiterada as forças produtivas e as relações de produção, o que leva à constante obsolescência e necessidade de novas formas.
  • A dinâmica da reprodução ampliada do capital, envolvendo concentração e centralização, produz e reproduz o desenvolvimento desigual e combinado em escala nacional, regional e mundial. Tal dinâmica provoca a reiteração de algo semelhante à acumulação original, transformando ou modernizando as formas de organização do trabalho e da produção.
  • “O processo capitalista de produção reproduz (…) pelo seu próprio mecanismo o divórcio entre a força de trabalho e as condições de trabalho, reproduzindo e eternizando desta maneira as condições de exploração do trabalhador. (…) A chamada acumulação originária não é, portanto, mais do que o processo histórico de dissociação entre o produtor e os meios de produção” – Marx, O Capital. Isso continua a acontecer nos desenvolvimentos do capitalismo global do século XX.
  • Processos que caracterizam a globalização do capitalismo:
    • da acumulação originária à concentração e centralização do capital;
    • do desenvolvimento quantitativo e qualitativo das forças produtivas ao desenvolvimento e à modernização das relações de produção;
    • da nova divisão internacional do trabalho e da produção à constituição do mercado mundial, influenciando/articulando mercados nacionais e regionais;
    • da formas singulares e particulares do capital ao capital em geral.
  • Com a desagregação do bloco soviético, generalizaram-se políticas de privatização, desregulação, desestatização, abertura de mercados, fluxo cada vez mais livre de forças produtivas, reformulação das normas e instituições que organizam as relações de produção, tudo isso de modo a transformar o capitalismo em universal.
  • A globalização do capitalismo foi decisiva na desagregação do bloco soviético e na transição de economias planificadas para economias de mercado, processo em que as organizações multilaterais e transnacionais desempenharam papel relevante na institucionalização e dinamização da economia de mercado.
  • O Leste Europeu, a Rússia, as repúblicas formadas com a desagregação da URSS, a China, o Vietnã e outras nações com regimes socialistas tornaram-se fronteiras de desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo.
  • Marx já havia preconizado a globalização do capitalismo, quando em suas análises constatou que a vocação do capitalismo é mundial, com tendência a influenciar todas as formas de organização do trabalho e vida social.
  • O caráter internacional do capitalismo torna-se efetivo na segunda metade do século XX quando adquire todas as características de um modo de produção global. A mudança ocorrida no fim deste século, no entanto, é que o mundo tornou-se mais capitalista, logo, o debate sobre globalização significa principalmente a universalização do capitalismo.
  • A globalização do capitalismo reabre, recria e supera a controvérsia “imperialismo ou interdependência”.
  • Do ponto de vista histórico a globalização não é recente e envolve diferentes formas de organização das forças produtivas e das relações de produção. Porém, com o fim da Guerra Fria e a consequente expansão do capitalismo ao mundo antes socialista, houve uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório. Essa é a época da globalização propriamente dita do capitalismo.
  • Transformação qualitativa e qualitativa porque o capitalismo se torna concretamente global, influenciando, recriando ou revolucionando todas as outras formas de organização social do trabalho, da produção e da vida, passando tudo o mais a ser influenciado por padrões e valores do capitalismo.
  • O globalismo não anula nem a interdependência nem o imperialismo; na verdade, a dinâmica de reprodução ampliada do capital em escala global acentuou a concentração do poder econômico, agravando a questão social em âmbito mundial.
  • A industrialização se espalhou pelo globo e ocorreu uma nova divisão internacional do trabalho, agilizada pelos meios de comunicação e transporte. Tais globalismos estão baseados na organização das corporações transnacionais, que desenvolvem geoeconomias e geopolíticas mais ou menos independentes do Estado, mas sempre levando em conta esses Estados, tanto dominantes como dependentes, em seus diagnósticos sobre mercados reais e potenciais.
  • As transnacionais são corporações localizadas e desterritorializadas, pois enraízam-se em diversos lugares mas também se movem de acordo com a dinâmica das forças produtivas, segundo as exigências da concentração e centralização do capital → concretiza a reprodução ampliada do capital em escala global.
  • A interdependência cresce mais que nunca, pois se ampliam os mercados e se agilizam as forças produtivas concretizadas na nova divisão internacional do trabalho.
  • O imperialismo se acentua, generaliza e muda de figura, na medida em que agora são também atores relevantes as transnacionais nas estruturas mundiais de poder, reduzindo ou subordinando as possibilidades dos Estados.
  • As organizações multilaterais situam-se na confluência dos Estados nacionais e transnacionais. Enquanto estruturas mundiais de poder desenvolvem suas atividades reconhecendo também as transnacionais como estruturas mundiais de poder, contemplando crescentemente seus interesses.
  • A interdependência e o imperialismo são recriados e superados pelo globalismo.
  • Desde o fim da Guerra Fria, retoma-se a controvérsia “planejamento ou mercado”.
    • envolve governos de países antes socialistas empenhados na transição do planejamento estatal ao mercado aberto;
    • envolve empresas estatais e setores sociais de diversos países, corporações transnacionais e organizações multilaterais;
    • envolve também governos de países dominantes (G7).
  • A globalização do capitalismo reaviva a controvérsia “mercado ou planejamento” no nível dos setores produtivos, das economias nacionais, dos blocos regionais e da economia mundial como um todo, embora essa não seja uma controvérsia recente.
    • após a II Guerra, optou-se massivamente pelo planejamento, como forma de reconstruir as economias nacionais e de industrialização substitutiva de importações nos países do Terceiro Mundo.
  • Fortalecer as economias dominantes e desenvolver as do Terceiro Mundo, principalmente de países estrategicamente situados no mundo capitalista, tinha resultados importantes:
    1. reduziam-se as tensões sociais potencialmente revolucionárias;
    2. criavam-se ou desenvolviam-se mercados (para as economias dominantes);
    3. dinamizava-se o capitalismo como um todo, frente ao mundo socialista.
  • Com a desagregação do bloco soviético, a controvérsia “mercado ou planejamento” foi decisiva, mas desta vez se optou pelo princípio organizatório básico do “mercado”, provocando uma verdadeira revolução nos países socialistas, envolvendo forças produtivas e relações de produção.
  • O planejamento, no entanto, apenas mudou de lugar e passou a ser determinante para as corporações transnacionais.
  • O princípio do mercado não elimina o do planejamento, ambos subsistindo no âmbito do capitalismo, em seus níveis setoriais, nacionais, regionais e mundiais.
  • É raro ou improvável que os governos e as agências governamentais se ausentem totalmente do jogo das forças produtivas e das relações de produção, pois mesmo quando os governos reduzem sua interferência no jogo das forças produtivas eles sempre estipulam diretrizes, restrições e punições que orientam os proprietários dos meios de produção.
  • A globalização do capitalismo contempla todo o tempo o contraponto mercado-planejamento, pois o pleno domínio do princípio do mercado seria o caos, logo, governos, proprietários dos meios de produção, organizações multilaterais (tecnoestruturas transnacionais) planejam a expansão, a competição, políticas anti-cíclicas etc.
  • O planejamento é uma técnica de organização e dinamização das forças do mercado. Segundo Tinbergen, “chegou o tempo de formularem propostas de criação de uma organização para todas essas atividades (…) em nível mundial”. Além disso, é uma técnica versátil que pode influenciar a racionalização das forças produtivas.
  • O planejamento pode ser mobilizado como técnica de realização do excedente econômico potencial. Medidas como desregulação, desestatização e liberalização, de caráter neoliberal, também criam condições para a realização do excedente econômico potencial.
  • A técnica, para Marx, é uma poderosa força produtiva. Ela é fundamental no sentido de potenciar as demais forças produtivas, em especial a força de trabalho, o que pode intensificar a efetivação do trabalho excedente e, logo, diminuir a do necessário. A potenciação do aumento dessa força aumenta o excedente que ela pode produzir, favorecendo o proprietário dos meios de produção.
  • As metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em força produtiva multiplicaram as condições e possibilidades de reprodução ampliada do capital, intensificando o caráter civilizatório deste. Isso tudo se acelerou na segunda metade do século XX, com a eletrônica e a informática, provocando surtos de potenciação da força produtiva em todos os níveis.
  • A globalização do capitalismo tem como uma das suas características mais notáveis justamente o fato de que as novas tecnologias intensificaram e generalizaram as capacidades dos processos de trabalho e produção. Os avanços técnicos e científicos, no entanto, aprofundaram as desigualdades.
  • As metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em força produtiva permitem intensificar a reprodução do capital e simultaneamente contribuir para a centralização e concentração do capital. Essas metamorfoses ocorrem sob o controle de transnacionais, governos e organizações multilaterais, que atendem aos interesses do mercado, logo, não reduzem desigualdades sociais, econômicas ou políticas.
  • O modo capitalista de produção provoca a emergência de outras formas de sociabilidade, abrindo espaço para emancipação individual e coletiva, permitindo outras formas de criação também individuais e coletivas. Paralelo às formas de sociabilidade inovadoras/liberadoras, desenvolvem-se também as que alienam.
  • Para Marx, o capitalismo é um processo civilizatório, influenciando mais ou menos radicalmente todas as formas de organização do trabalho e da vida com as quais entra em contato. É um modo de produção que nasce, desenvolve-se e generaliza-se atravessando crises, realizando-se por ciclos de curta, média e longa duração e transformando-se continuamente.
  • O capitalismo é um processo civilizatório mundial, que invade todo o globo, envolve o intercâmbio universal e cria bases para um novo mundo, influenciando, destruindo ou recriando novas formas sociais de trabalho e vida e outras formas culturais e civilizatórias.

Globalização Econômica: Aspectos Relevantes

MOREIRA, M. B. Globalização Econômica: Aspectos Relevantes. In: Jorge Alberto Machado (org.) Trabalho, Economia e Tecnologia. Novas Perspectivas para a Sociedade Global. São Paulo: Tendez e Praxis. p. 95-119, 2003.

  • Globalização é um conceito recente e polissêmico que pode ser entendido como “o resultado de um processo dialético envolvendo um sistema de forças muito diversificadas – econômicas, sociais, político-ideológicas (…) que desde as últimas três décadas do século XX vem modelando e remodelando a divisão internacional do trabalho, favorecendo a acumulação de capital e promovendo a homogeneização dos comportamentos e dos consumos humanos”.
  • O agente crítico da globalização é o capital financeiro internacional (conjunto das empresas transnacionais e instituições financeiras com dimensão e âmbito de atuação transnacional), que desenvolve estratégias para adaptar os padrões de acumulação a condições geoeconômicas e geopolíticas em mudança acelerada.
  • Aspectos da globalização que trouxeram implicações para o capitalismo mundial:
    • o processo ideológico que conduziu à hegemonia da ortodoxia neoliberal e a revolução nos transportes/logística e nas tecnologias de informação, como condições necessárias para a globalização;
    • a mudança dos modelos organizativos das empresas: pós-fordistas, novas formas de gestão à distância e articulação em rede;
    • a concentração espacial da vertente produtiva, acompanhando as tendências oligopolistas das grandes empresas transnacionais;
    • emergência de um mercado financeiro global: associada ao crescimento dos fluxos financeiros, maioria especulativos.
  • Reconhece-se a emergência do conceito ‘globalização’ para dar conta das mudanças no capitalismo mundial, porém não significa concordar com os que consideram o processo inevitável, irreversível e defensável.
  • Essas mudanças provocaram alterações significativas e dramáticas no relacionamento Estado-nação e capital, com efeitos nos povos que passam frequentemente pelo crescimento das desigualdades e pelo aumento da exclusão social.
  • Na esfera política, há convergência de autores de esquerda sobre a globalização ser uma nova roupagem do imperialismo americano, através do “globalizador” Consenso de Washington.
  • Num nível de análise mais abrangente, Rodrik fala no trilema da globalização: procura-se integração econômica, democracia e não se abdica da autodeterminação do Estado-nação, não sendo possível assegurar todas essas condições simultaneamente.

1 – A gênese da globalização

  • A abordagem proposta centra a gênese da globalização na ligação entre o mundo das ideias e a forma como elas servem para transformar o mundo através de fenômenos de agency. 
  • Esses fenômenos estão na base da emergência da hegemonia ideológica neoliberal e explicam por que essa ideologia se tornou instrumento para o início do processo de globalização. A globalização e o suporte ideológico neoliberal se reforçam mutuamente.
  • O deflagrar da globalização se deu graças à ação do governo hegemônico (EUA) e seu aliado ideológico preferencial (UK), mas isso num contexto em que a ideologia neoliberal já tinha se tornado hegemônica.
  • A contestação do paradigma keynesiano e a emergência da hegemonia da ideologia neoliberal devem-se muito em parte a círculos acadêmicos e opinion makers conservadores, em um contexto favorável à luta ideológica liberal contra os totalitarismos (especial a URSS).
  • O paradigma keynesiano foi substituído pelo neoclássico, segundo Krugman, graças à inevitabilidade de formalização matemática que dominava a produção teórica e o ensino das disciplinas econômicas. Isso também explica a queda da sub-disciplina Economia do Desenvolvimento e a consolidação do paradigma neoclássico.
  • Os estudos sobre falhas de governo também contribuíram para a hegemonia da ideologia neoliberal, pois a reforçavam e davam bases empíricas para se pregar a não intervenção do Estado, consequentemente pregando a extensão do mercado a esferas que antes não penetrava.
  • Esse movimento ocorre no contexto do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando Thatcher inicia seu programa liberalizador.
  • Os EUA pressionaram o mundo para a liberalização do comércio internacional e, no âmbito das finanças, tanto Wall Street quanto Londres esforçaram-se para consolidar suas posições de domínio com a instauração de um mercado financeiro global.
  • Instituições de Bretton Woods ou da OCDE também contribuíram oferecendo estudos que demonstravam ganhos da liberalização dos mercados e a suposta superioridade dos países mais abertos. Essas instituições atendiam assim ao interesse do país economicamente hegemônico e mais influente, os EUA.
  • A hegemonia do paradigma neoclássico e a reafirmação das vantagens da liberdade de comércio permitiram aos seus defensores preparar um normativo de desenvolvimento, que seria usado pelo FMI, através da imposição de regras rígidas do Consenso de Washington aos países em dificuldades.
  • Assim foi possível passar uma mensagem, que sobrevaloriza o componente individual e privado, aos opinion makers e destes aos órgãos de poder e à opinião pública em geral, graças também aos meios de comunicação concentrados em redes globais. Redes estas que propagam a ideologia dominante como sua e ignoram as visões críticas.

2 – A lógica e a dinâmica do capitalismo global

  • A distinção entre capital nacional e internacional faz cada vez menos sentido, pois mesmo empresas voltadas apenas para mercados nacionais não deixam de obedecer a uma lógica e dinâmica compreendidas em uma perspectiva global. Entretanto, o local de origem das empresas transnacionais continua sendo importante no contexto de competitividade entre nações.
Os agentes econômicos da globalização
  • A hipótese do autor parte da ideia de que os agentes do capitalismo global mostram lógicas e dinâmicas diferenciadas, por vezes até concorrentes, cujos efeitos a nível local são também suficientemente diferentes.
  • A análise baseia-se na premissa de que os agentes do capitalismo que se regem por uma lógica e dinâmica globais obedecem a três modelos-tipo distintos.
    1. Os agentes do capitalismo global com preocupações produtivas:  são as empresas transnacionais envolvidas na produção de bens, que procuram economias de escala e baseiam sua competitividade em mecanismos oligopolistas para eliminar concorrência e garantir grandes mercados, além de fazerem uso de outsourcing para se adaptar aos desafios da globalização.  Exemplos: indústrias de capital intensivo (aeronáutica, petrolífera, química, high tech etc) e grandes firmas transnacionais no setor de infra-estrutura.
    2. Os agentes do capital global com preocupações comerciais:  esse modelo-tipo se baseia nas funções de intermediação, os agentes não necessitam estar envolvidos em qualquer atividade produtiva e permanecem próximos do consumidor, pois se interessam pela logística da distribuição e novas formas de vendas. Lidam com bens e serviços e procuram a maior flexibilidade possível, garantida pela possibilidade de se abastecer a nível global, pela capacidade organizativa de coordenação multi-espacial e pela alavanca financeira que lhes dá ligação de proximidade com os consumidores, que pagam à vista enquanto os fornecedores pedem prazos maiores. Exemplos: empresas detentoras de notórias marcas registradas (GAP, Liz Clairborne, Nike etc), cadeias de supermercados (Walmart, Ahold, Carrefour, Marks & Spencer etc). Um aspecto importante deste tipo de agentes transnacionais é o contínuo reforço do seu poder de mercado, em parte por seu país de origem, mas principalmente pela internacionalização, o que permite a eles negociarem com os agentes do capital global com preocupações produtivas em posição de força.
    3. Os agentes do capitalismo global com lógica financeira especulativa: baseia-se na especulação, que por sua vez confere enorme poder aos agentes do capital especulativo em razão dos elevados fluxos de capitais dedicados a atividades especulativas em escala global. Os movimentos especulativos tendem a um jogo de soma nula para os agentes envolvidos, porém há efeitos para a coletividade, como a instabilidade que provocam e o fato de as crises serem exponencialmente maiores no mundo globalizado. São maiores porque os montantes envolvidos na especulação crescem enormemente e tem efeitos imediatos sobre o globo. A lógica e a dinâmica deste modelo-tipo ganharam outra dimensão com a desregulação financeira e a liberdade de movimento de capitais. Os agentes especulativos foram os que mais aproveitaram a revolução das tecnologias e passaram a atuar em vários mercados em tempo real. O crescimento do poder deste tipo de capital está ligado ao peso dos investidores institucionais, detentores do “dinheiro estratégico”.
  • Em cada empresa transnacional encontramos um misto das características de cada modelo-tipo, sendo assim o capital global voltado para a produção de bens vai se adaptando a estas novas tendências.
  • Quanto ao capital especulativo, há de se destacar a possibilidade que ele tem de manipular cotações de empresas e influenciar taxas de câmbio, para obter mais-valias a curto prazo. Para isso precisa ter à disposição fundos avultados e ausência de forças reguladoras.
  • A dinâmica dos agentes especulativos depende muito da vontade política e da capacidade dos estados-nação ou de entidades reguladoras supranacionais. Quando se criam condições favoráveis à total desregulamentação, o poder do capital especulativo cresce.
  • Há uma evidente contradição entre o capital especulativo e os outros dois tipos, no sentido de que estes preferem um ambiente mais estável, enquanto aquele vê excelentes oportunidades de negócios na instabilidade e volatilidade dos mercados financeiros.
  • As preocupações especulativas estão presentes nos outros agentes do capitalismo global e são dele parte indissociável.

3 – Os impactos da globalização

A globalização e suas implicações políticas
  • Em razão da globalização, o papel do Estado se alterou significativamente e as empresas transnacionais passaram a mostrar-se mais impositivas e menos preocupadas em se adaptar às exigências dos países onde se instalam.
  • O capital global libertou-se de muitas formas de regulação do estado-nação e conseguiu assumir funções e poderes reguladores antes prerrogativas dos estados.
  • Com a conivência do estado-nação, o capital global se auto-investiu de poder de ditar políticas econômicas através do instrumento “julgamento do mercado”.
  • A ditadura do mercado é resultado da tirania financeira, é legitimada pela ideologia neoliberal e validada por instituições internacionais como o FMI, a OMC e o Banco Mundial.
  • Com a globalização, o capital global libertou-se de grande parte das atividades reguladoras do Estado, as que restringiam a mobilidade e as que defendem direitos do trabalho, sem que isso implicasse necessariamente em níveis superiores de integração econômica.
  • Os efeitos da globalização são sentidos em diferentes intensidades, dependendo de quão aberto o país é ao mercado internacional e da forma como esse país consegue pôr em práticas políticas econômicas e sociais que possam servir de contraponto aos efeitos devastadores do mercado livre.
  • Ofereceu-se ao capital global a possibilidade de instituir a racionalidade comercial, na medida em que a OMC ou acordos regionais como o NAFTA significam que legalmente se pode penalizar estados que interfiram na liberdade de comércio. Portanto, o poder e a legitimidade democrática ficam sujeitos à racionalidade comercial.
Impacto nas economias
  • A questão da liberdade do comércio e das finanças constituem pilares da globalização, porém não há evidência comprovada de que países mais abertos possuam desempenho melhor que os que mantêm graus de proteção → contestação ao Consenso de Washington.
  • Surgiram acadêmicos que questionaram o paradigma dominante, como Stiglitz (2001) e Rodrik (2000), que destacava a importância das instituições para o bom funcionamento do mercado; e críticos dentro da teoria mainstream, como Krugman (1997) e Bhagwati (1998), sobre os excessos da liberalização dos mercados financeiros.
  • O que se exige não é menos globalização, mas uma menos centrada no Consenso de Washington e na ditadura das finanças e dos mercados, sem deixar de se preocupar de procurar formas transnacionais para resolver questões econômicas, sociais e ambientais.
  • Questão dos bens e serviços públicos: um impacto negativo da tirania financeira resulta da dificuldade de criar e manter os bens públicos necessários para o bem estar das sociedades e respectivo desenvolvimento. Deixar tudo a critério do mercado corresponde alargar os espaços de exclusão.
  • Talvez nos países desenvolvidos o mercado possa ser mais ágil que o Estado, no entanto surgem dois problemas:
    1. o capital privado só se arrisca nessas áreas em parceria e com apoio do Estado.
    2. como assegurar aos excluídos que não podem pagar os preços de mercado para ter acesso a bens e serviços públicos.
  • Nos países subdesenvolvidos, a tendência é de o capital global só dotar de bens e serviços públicos áreas geográficas e setores atrativos para ele, deixando parte do globo condenada à exclusão  e subdesenvolvimento.

Conclusão

  • Estamos diante de um processo em que à utopia do capital se contrapõe a utopia de uma outra globalização necessária para resolver problemas como os que ultrapassam a dimensão econômica (ambiental, de saúde pública etc) e também os econômicos, que a lógica do mercado não está em condições de satisfazer, caso dos bens e serviços públicos de âmbito internacional.

Globalização: Notas Sobre um Conceito Controverso

PRADO, L. C. D. Globalização: notas sobre um conceito controverso. IE-UFRJ. 2003.

Introdução

  • ideias importam em relações internacionais, pois legitimam o poder e são sua essência; nesse sentido, o artigo busca analisar a história de uma ideia: globalização.
  • o uso popular do conceito de globalização como expressão de uma mudança econômica produzida pela dinâmica das inovações tecnológicas, sendo simultaneamente fenômeno inevitável e desejável, é impreciso, embora cumpra seu papel de legitimar certa interpretação do mundo.

Definindo Globalização

  • apenas no final da década de 1980 e durante os anos 1990 que o termo globalização passou a ser empregado com dois sentidos: positivo, como processo de integração da economia mundial; e, normativo, prescrevendo uma estratégia de desenvolvimento baseada na rápida integração com a economia global.
  • a globalização pode ser interpretada sob quatro linhas básicas:
    1. globalização como um período histórico: Ramonet afirma que a globalização é a característica do ciclo histórico iniciado com o fim da Guerra Fria; autores como Wallerstein e Arrighi usam o conceito de “sistema-mundo” e também interpretam a globalização como período histórico.
    2. globalização como compressão do tempo e do espaço: autores como Harvey e Giddens; a organização do “espaço” define relações sociais; a liberdade do capital de mover-se por todo o globo dá aos capitalistas uma vantagem sobre os trabalhadores, que têm menor poder de ação em razão de restrições migratórias e custos de mudança. Da mesma forma, “tempo” representa fonte de valor e poder, por isso as empresas capitalistas submetem o trabalho a constantes pressões para reduzir o tempo e aumentar a produtividade.
    3. globalização como hegemonia dos valores liberais: autores como Hirsch e Fukuyama. Para Hirsch, a economia mundial é dominada por três blocos de riqueza (Am. do Norte, Europa e Japão), o investimento estrangeiro direto é concentrado em um número limitado de países, e diferencia empresas transnacionais (realmente internacionalizadas mas em menor número) das multinacionais (cultural e economicamente vinculadas ao país de origem, mas que opera em vários outros). Para Fukuyama, a globalização é a universalização dos valores da democracia liberal e da ordem econômica baseada nos princípios da economia de mercado, cujo exemplo ideal é o norte-americano.
    4. globalização como fenômeno sócio-econômico: Reinaldo Gonçalves afirma que a globalização define-se pela interação de 3 processos distintos – expansão dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais; acirramento da concorrência internacional; maior integração entre os sistemas econômicos nacionais. Para François Chesnay, economista da OCDE, globalização traduz a capacidade estratégica do grande grupo oligopolista em adotar abordagem e conduta globais, relativas simultaneamente a mercados compradores, fontes de aprovisionamento, localização da produção industrial e estratégias dos principais concorrentes.
  • Globalização, para Prado, é o processo de integração de mercados domésticos na formação de um mercado mundial integrado. Toma-se a abordagem da globalização como fenômeno sócio-econômico, o qual é dividido em três processos: globalização comercial, globalização produtiva e globalização financeira.

Medindo a Globalização

Globalização Comercial

  • É a integração dos mercados nacionais através do comércio internacional e pode ser facilmente mensurada.
  • Se o crescimento do comércio mundial der-se a uma taxa de crescimento média anual superior a do PIB mundial, há globalização comercial.
  • Se o fenômeno for exclusivamente regional e explicado por políticas econômicas dos países da região, esse processo é chamado de integração econômica.
  • Primeira onda de globalização comercial (1820-1913): entre o fim das Guerras Napoleônicas e início da Grande Depressão da década de 1930 houve um primeiro período de crescimento da globalização.
  • Segunda onda de globalização comercial (1929-1950): a partir do pós-Guerra, houve um grande clico expansivo da globalização.
  • A globalização comercial, portanto, não é um fenômeno novo.
  • A dinâmica do processo de globalização só pode ser entendida considerando as demais dimensões: produtiva e financeira.

Globalização Produtiva

  • É o processo de integração das estruturas produtivas domésticas em uma estrutura produtiva internacional.
  • É a relação entre a parcela da produção internacionalizada e o PIB mundial.
  • O processo de globalização produtiva se dá:
    • pelo investimento direto internacional e a reinversão dos lucros desses investimentos
    • pela difusão de padrões tecnológicos e modelos de organização industrial
    • pela internacionalização das estruturas de mercado e da competição empresarial.
  • Esse processo está associado a uma estrutura produtiva formada por empresas locais, beneficiando-se de vantagens competitivas tradicionais, usando tecnologia e técnicas desenvolvidas a partir da realidade doméstica, com relativo isolamento da competição internacional, exceto através do comércio exterior. Tais empresas beneficiam-se de oligopólios diferenciados (pela força de suas marcas), oligopólios concentrados (devido a barreiras protecionistas) e de rendimentos crescentes de escala.
  • O comércio internacional reflete vantagens competitivas adquiridas, explicadas por aspectos institucionais domésticos e pela estratégia global das grandes empresas transnacionais.
  • A globalização produtiva é um processo mais recente: aceleração do fenômeno até a I Guerra Mundial, seguido de um retrocesso no Entre-Guerras e de uma grande aceleração no pós-guerra.
  • Diáspora da burguesia cosmopolita: expansão do comércio internacional a partir do fim das Guerras Napoleônicas. Até a década de 1850, o movimento internacional de K era associada principalmente a empréstimos com grande participação dos bancos de negócios britânicos, em sua maioria direcionados a governos ou empreendimentos avalizados pelos governos. Os primeiros investimentos diretos no séc. XIX se destinavam a empresas de infraestrutura (portos e ferrovias). Após 1870, começaram a ser realizados os primeiros investimentos diretos na indústria manufatureira.
  • As estruturas produtivas do século XIX eram fundamentalmente nacionais, a competição se dava pelo comércio e não por uma competição direta através da produção nos mercados nacionais.
  • Crescimento da globalização comercial → revolução nos meios de comunicação → condições tecnológicas para maior integração produtiva internacional.
  • A globalização produtiva só ocorreu, portanto, após o surgimento da moderna empresa industrial (entre 1880 e a Segunda Guerra Mundial), a qual ultrapassa as fronteiras nacionais, mas busca no mercado internacional o controle de recursos que não eram supridos domesticamente. Eram chamadas de ETAs (Empresas Transnacionais Antigas) por Swartz, e operavam muitas vezes em mercados ligados por relações coloniais. Havia baixa articulação internacional, a não ser vínculos de propriedade e comerciais.
  • Após a II Guerra, surgem as ETs (Empresas Transnacionais Modernas), predominantemente americanas, que alteraram a natureza do investimento direto internacional graças a alguns fatores:
    • o tempo e o espaço foram comprimidos pelas melhorias nos transportes e comunicações;
    • a projeção do poder político e econômico americano e o apoio governamental fizeram as operações de empresas no exterior menos arriscadas e criavam um ambiente favorável nos países hospedeiros;
    • durante as décadas 1950 e 1960, as grandes empresas americanas viram-se compelidas a ampliar  seu acesso a mercados em rápido crescimento, como Europa Ocidental e alguns países em desenvolvimento;
    • as empresas se internacionalizaram porque mudanças na tecnologia, estrutura da demanda, política governamental, infraestrutura nacional ou diferenças institucionais influenciavam a competição inter-empresarial de diferentes países.
  • As ETs controlavam a tecnologia e o capital não disponíveis para os novos países independentes da África e Ásia (descolonização), mas estes controlavam o acesso a fontes de matérias-primas (petróleo e outros). Os países grandes exportadores de petróleo do Oriente Médio passaram a ter maior poder de barganha, através da OPEP.
  • O processo mais importante de internacionalização de empresas deu-se no setor manufatureiro, e foram países de maior mercado interno e maior dinamismo econômico os mais beneficiados desse processo.
  • O resultado de como as empresas reagem aos desafios e oportunidades criadas pelas transformações na ordem econômica internacional, pela aceleração do progresso técnico e pela convergência dos níveis de renda per capita nas principais economias industrializadas é o que conhecemos por competição global.
  • A partir da década de 1970 houve menor regulação dos investimentos internacionais, gerando oportunidades crescentes às empresas transnacionais, porém houve ameaças também crescentes: a maior competição internacional, a velocidade de introdução de novas tecnologias, a rápida obsolescência (e até desaparecimento de certos produtos) obrigavam as empresas a manter alto nível de eficiência e desempenho.
  • Indústrias tradicionais dependiam de mão-de-obra abundante e barata, já que faziam uso de tecnologias estáveis difundidas no mercado internacional ou de fácil aquisição.
  • Indústrias de alta tecnologia dependiam de seu acesso a recursos financeiros e humanos para P&D, da imagem de confiabilidade e qualidade de suas marcas e sua capacidade gerencial.
  • Modelo do Ciclo do Produto: criado por Vernon (1966), classifica um produto em 3 estágios (novo produto, produto maduro e produto padronizado). Havia uma grande distância entre acesso aos conhecimentos científicos contemporâneos e a transformação desses em produtos comercializáveis. Uma vez introduzido o produto (novo produto) em um país industrializado, parte de sua produção alcançava outros países via exportação; logo passa a ser interessante produzi-lo em algum dos grandes mercados consumidores (produto maduro); após ser padronizado e produzido em larga escala com tecnologia difundida (produto padronizado), o principal fator para localização da produção é o custo dos fatores e o o que determina os custos é o preço da mão-de-obra.
  • Modelo dos Gansos Voadores: criado por Akamatsu (1962), descreve o processo de realocação das indústrias do país mais avançado para outros, através do comércio internacional e do investimento, o que ocorre por mudanças de competitividade. O investimento internacional levaria a uma divisão internacional do trabalho graças à difusão da tecnologia, o que permitiria aos países seguidores produzirem parte dos produtos desenvolvidos pelo país-líder, empregando a mão-de-obra mais barata que esses países ofereciam.
  • Retrospectiva da internacionalização das empresas: empresas americanas (1950’s), empresas europeias (1960’s) e empresas nipônicas (1970’s).
  • As empresas japonesas contribuíram para alterar a competição global, quando a partir da década de 1980 passa a ocupar porções de mercado antes dominadas por empresas ocidentais. Essa participação no mercado era possível porque as exportações de produtos finais não vinham apenas do Japão, mas a partir de várias bases produtivas no Leste Asiático, beneficiando da forte integração da estrutura produtiva naquela região.
  • O produto passou a ser identificado não mais pelo país em que era produzido, mas pela sua qualidade através da marca.
  • As empresas americanas e europeias reagem à ascensão nipônica e ampliam o grau de integração e divisão de trabalho da estrutura produtiva da matriz e suas afiliadas. Organizaram-se em cada mercado em função dos custos locais e da estratégia global formulada no centro de decisão. Qualquer parte da produção, ou mesmo todo o ciclo produtivo, poderia ser feito em um ou mais países em que a filial local fosse competitiva no mercado interno da empresa.
  • Novo padrão de investimento internacional: origina-se da necessidade das empresas de ocuparem espaços estratégicos nos grandes mercados, beneficiando-se das vantagens locacionais para produção e distribuição de seus produtos. As empresas tornam-se atores globais.
  • A globalização produtiva é uma das mais importantes dimensões do fenômeno da globalização.
  • As empresas globais não são apátridas, pois toda empresa está conectada a um determinado país ou conjunto de países, onde se localiza sua matriz e onde se encontra seu núcleo de decisão política. A partir desse núcleo que elas negociam com os governos para projeção de seus interesses estratégicos.

Globalização Financeira

  • É o processo de integração dos mercados financeiros locais (mercados de empréstimos e financiamentos, títulos públicos e privados, monetário, cambial etc) aos mercados internacionais.
  • A dimensão financeira é o aspecto mais importante da globalização.
  • A partir da década de 1970 houve crescimento das transações financeiras crossborder, caracterizadas por dois aspectos:
    1. crescimento da mobilidade da poupança: eficiência relativa do K na alocação intertemporal de recursos;
    2. desenvolvimento de transações que implicam em transferência de risco: internacionalização dos serviços financeiros.
  • Em uma economia aberta, a existência de déficits/superávits em transações correntes e a possibilidade de a conta capital ser superavitária ou deficitária permite uma dissociação entre o nível de poupança e o investimento doméstico dos diferentes Estados nacionais.
  • É fundamental para testar os efeitos da globalização financeira, analisar:
    • a capacidade desse processo de aumentar o nível de financiamento dos déficits em transações correntes na economia mundial;
    • se a globalização financeira tem reduzido a correlação entre poupança e investimento doméstico, ou seja, países com baixa taxa de poupança mas grandes oportunidades de investimento poderiam acelerar sua taxa de crescimento econômico importando poupança.
  • A capacidade de financiamento de déficits em conta corrente é muito menor no período recente do que no anterior à Primeira Guerra.
  • A globalização financeira recente não contribuiu de maneira significativa para aumentar a capacidade de investimento.
  • Paradoxo de Feldstein-Horioka: reforça evidências de que a globalização financeira não contribuiu para aumentar a mobilidade da poupança entre países.
  • Se os mercados fossem completamente integrados, um crescimento exógeno da poupança doméstica deveria ser investido no país que oferecesse a maior taxa de retorno, não afetando necessariamente o investimento doméstico.
  • Os estudos disponíveis mostram que os investidores têm grande preferência por manter maior parte de sua carteira de títulos nos mercados domésticos.
  • Globalização financeira é caracterizada pelo grande crescimento e integração de serviços financeiros em escala global, ou seja, um processo de criação de um mercado mundial integrado de serviços financeiros.
  • Serviços financeiros: atividades dos bancos comerciais, bancos de investimento, seguro, gestão de ativos, além de atividades do mercado financeiro internacional associadas à diversificação de risco (mercado cambial e de derivativos), vendas de produtos financeiros, garantia de transações etc.
  • Derivativo financeiro: instrumento financeiro cujo valor deriva do desempenho de outro ativo financeiro, índice ou investimento.
  • O crescimento dos fluxos internacionais e a desregulamentação dos serviços financeiros internacionalmente vem sendo acompanhada por frequentes crises. Isso oriunda do fim do sistema de Bretton-Woods.
  • Sistema de Bretton-Woods: negociado para reorganizar as relações econômicas internacionais depois da II Guerra, visando a evitar outra grande instabilidade monetária nas tentativas de recriação do padrão-ouro. Baseava-se nos seguintes compromissos:
    1. dólar seria a moeda de referência do sistema;
    2. outras moedas deveriam se manter com regime de taxas de câmbio fixas;
    3. seriam controlados movimentos especulativos na conta capital;
    4. o FMI seria a organização responsável por supervisionar a operação do novo sistema monetário.
  • O sistema de Bretton-Woods enfrentou um trilema macroeconômico: não é possível implementar simultaneamente taxas de câmbio fixas, liberdade de movimento de K e política monetária autônoma (voltada para fins domésticos).
  • Outros regimes de política cambial anteriores a Bretton-Woods: Padrão-Ouro (1880-1914) e sistema de taxa de câmbio flutuante (1918-1925 e após 1973).
  • O sistema de Bretton-Woods, combinado com políticas keynesianas, nos países da Europa Ocidental e EUA funcionou muito bem, viabilizando as maiores taxas de crescimento econômico entre 1948 e 1971.
  • Década de 1970: marcada por uma crise financeira no início da década, pela primeira crise do petróleo (1973) e pela crise gerada pela elevação da taxa de juros americana (1979).
  • Isso levou a mudanças profundas na política econômica dos países:
    • abandono das taxas de câmbio fixas nos países desenvolvidos e progressiva liberalização do movimento de capitais de curto prazo;
    • países em desenvolvimento também realizaram mudanças nas suas políticas econômicas;
    • países socialistas da Europa Oriental passaram gradativamente de economia centralizada para o capitalismo selvagem;
    • desvalorização do peso mexicano (1994-95);
    • economias desenvolvimentistas da Ásia oriental entram em crise;
    • Rússia entra em crise e desvaloriza o rublo → primeira crise econômica pós-socialismo.
    • crise na América Latina com a desvalorização do real e pressões sobre a taxa de câmbio fixa argentina.
  • Conclusão: a globalização financeira foi mais um produto da desintegração do sistema monetário internacional do que um objetivo perseguido por ela.