GONÇALVES, R. et al. Globalização financeira e globalização produtiva. In: ______ Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier e Campus, 2004. cap. 11. p. 221-236.
Globalização financeira
- A globalização financeira é a interação de 3 processos distintos mas que ocorreram simultaneamente ao longo dos últimos vinte anos:
- aceleração dos fluxos internacionais: incluindo empréstimos, financiamentos e investimentos de portfólio, que cresceram a uma taxa de 17% anual num período de 10 anos, não incluindo empréstimos inter-companhias. Quanto ao investimento internacional, o crescimento de fluxos ocorreu por emissão de títulos (bônus e notas) e de ações.
- acirramento da concorrência no sistema financeiro internacional: maior disputa por transações financeiras internacionais envolvendo bancos e instituições financeiras não-bancárias. Passaram a atuar diretamente os grupos transnacionais e os investidores institucionais passaram a adotar estratégias de diversificação de porfolio.
- integração crescente entre os sistemas financeiros nacionais: proporção crescente de ativos financeiros emitidos por residentes está nas mãos de não-residentes e vice-versa.
- Fatores determinantes da globalização financeira:
- Ascensão das ideias liberais ao longo dos anos 1980, tendo como resultado uma onda de desregulamentação do sistema financeiro internacional, que vinha desde a ruptura do sistema de Bretton Woods.
- Mudanças institucionais relacionadas à própria dinâmica do sistema financeiro internacional: a instabilidade gerada pelo fim do sistema de Bretton Woods nos países desenvolvidos provocou um processo de inovação e adaptação institucional no sistema financeiro, desenvolvendo novos instrumentos de proteção a riscos e incertezas, como o mercado de derivativos de moedas e taxas de juros.
- Progresso tecnológico associado à revolução da informática e das telecomunicações: reduziu drasticamente os custos de transação e operacionais em escala global, tornando as operações financeiras mais baratas.
- Mudanças das estratégias dos investidores institucionais e das empresas transnacionais (ETs) que operam em escala mundial: fundos mútuos, companhias de seguro e fundos de pensão dos países desenvolvidos depararam-se com instabilidade nas taxas de juro/câmbio, além dos próprios limites de expansão dos mercados de capitais e o resultado foi uma nova orientação no sentido de maior dispersão geográfica (aumento dos investimentos cruzados nos países desenvolvidos e penetração em mercados de capitais de emergentes).
- Políticas econômicas adotadas pelos países desenvolvidos nas últimas décadas: especialmente no que tange à taxa de juro. A partir dos anos 1980 houve aumento nas taxas de juros reais de CP e LP, o que incentivou investimentos financeiros nos mercados de capitais dos países desenvolvidos. A opção dos governos era a restrição monetária, e isso deslocou capitais da esfera produtivo para a financeira. Outro resultado é a financeirização das ETs (parcela crescente dos ativos totais das empresas são ativos financeiros). Contribuiu também a instabilidade e o desalinhamento das taxas de câmbio envolvendo as principais moedas do mundo.
- Fatores sistêmicos: a globalização financeira é parte integrante de um movimento de acumulação em escala global caracterizado pelas dificuldades de expansão da esfera produtiva real. 1) Países desenvolvidos apresentam menor potencial de ampliação de mercados domésticos e são ricos em capital, logo, há deslocamento de recursos da esfera produtiva para a financeira, contribuindo para a expansão do mercado de capitais doméstico e internacional. 2) houve mudanças nas estruturas produtivas dos países, com base em aquisições e fusões de empresas, que envolveram fluxos financeiros internacionais.
Globalização produtiva
- A globalização produtiva é também resultado de três processos:
- avanço da internacionalização da produção: em termos de inserção produtiva, os mecanismos relevantes são o IED (empresa produz no país hospedeiro) e as relações contratuais (faz um residente produzir). A partir dos anos 1980 houve aumento nos fluxos de IED e das relações contratuais, assim como da atuação das ETs (embora tenha sido cíclico) e depois estes fluxos passaram a aumentar mais que o total da renda mundial.
- acirramento da concorrência internacional: não é possível de ser mensurado, mas se verifica uma crescente importância da questão da competitividade na agenda política econômica dos países, o que sugere uma maior disputa no sistema econômico mundial.
- maior integração entre as estruturas produtivas das economias nacionais: na medida em que IED, operações de empresas transnacionais e relações contratuais em escala mundial aumentaram mais que o total da renda mundial, verifica-se uma maior integração entre as economias nacionais.
- Mecanismos que permitem a inserção produtiva dos países na economia internacional, ou seja, globalização financeira: fluxos de IED, operações das empresas transnacionais e das relações contratuais.
Volatilidade e vulnerabilidade
- O sistema financeiro internacional possui riscos específicos que provocam a instabilidade desse sistema e a volatilidade dos fluxos de investimento internacional, gerando o problema da vulnerabilidade externa.
- Risco de crédito: incapacidade do devedor de cumprir com suas obrigações.
- Risco de mercado: perdas decorrentes da queda no preço dos ativos.
- Risco de liquidação: descompasso de tempo entre uma operação de crédito e uma de débito, ou seja, a contrapartida de uma operação não ocorre.
- Risco de liquidez: falta temporária de recursos para saldar um débito.
- Risco operacional: falta de controle ou gerenciamento adequado das transações financeiras.
- Risco legal: resultado de imperfeições nos mecanismos jurídico e institucional que balizam as operações.
- Risco sistêmico: quando o sistema financeiro internacional é paralisado por um evento desestabilizador.
- Causas da volatilidade do investimento internacional:
- desenvolvimento do mercado de euromoedas nos anos 1960 e sua extraordinária expansão: permitiu aos bancos escapar de restrições nos sistemas financeiros nacionais, facilitando a expansão dos fluxos internacionais de capitais de curto prazo e especulativos.
- falta de decisão por parte dos governos dos países desenvolvidos sobre a evolução do sistema monetário internacional após o fim de Bretton Woods (1971): incapacidade desses países de estabelecer um novo conjunto de regras, práticas e procedimentos, além da falta de regulação do mercado internacional de moedas e do sistema internacional de taxas de câmbio, desregrado.
- globalização financeira: a volatilidade está associada em grande parte ao investimento de portfólio de curto ou longo prazo. O IED não é tão volátil, mas possui padrão de flutuação cíclica, que pode se tornar um fator desestabilizador externo para economias nacionais.
Vulnerabilidade das economias nacionais
- Vulnerabilidade externa: baixa capacidade de resistência de uma economia nacional frente a pressões, fatores desestabilizadores ou choques externos. Possui duas dimensões: opções de resposta com os instrumentos de política disponíveis e custos de enfrentamento ou de ajuste em face dos eventos externos.
- Vulnerabilidade unilateral: alta sensibilidade a eventos externos, sofrendo de forma significativa as mudanças no cenário internacional, enquanto eventos internos nestes países têm impacto quase nulo sobre o sistema econômico mundial.
- A volatilidade do investimento internacional se manifesta por meio de mudanças abruptas na quantidade e no preço do capital externo.
- A vulnerabilidade externa implica em resistência aos efeitos negativos da volatilidade do investimento internacional, através de políticas macroeconômicas tradicionais (monetária e fiscal restritivas) ou controle direto sobre os fluxos de capital, além de políticas cambial e comercial.
- Mudanças abruptas no investimento internacional tem efeitos sobre as economias nacionais através de três mecanismos:
- processo de ajuste das contas externas: está ligado ao gerenciamento das reservas internacionais do país. Turbulência no sistema financeiro internacional afeta fontes de financiamento externo e pode esgotar as reservas no CP, assim o país é forçado a adotar políticas contracionistas (redução do nível dos gastos e mudança na composição dos gastos).
- impacto nas esferas monetária e financeira: impacto se dá no mercado de câmbio. A volatilidade do investimento internacional gera maior instabilidade no mercado de câmbio e um desalinhamento da taxa de câmbio. A volatilidade financeira internacional também gera instabilidade no sistema monetário nacional, afetando a oferta de moeda e o volume de crédito interno. Há manifestação de vulnerabilidade externa quando o sistema financeiro doméstico fica com ativos/passivos em moeda estrangeira.
- impacto sobre a dimensão real da economia: a volatilidade da taxa de câmbio encurta o horizonte de investimentos, tendo em vista riscos e incertezas, além de custos de transação. A maior volatilidade das taxas de juros, resultado do impacto dos fluxos financeiros internacionais sobre a política monetária, também afeta negativamente os investimentos produtivos, em razão das expectativas alteradas. O impacto mais direto da volatilidade do investimento internacional sobre a vulnerabilidade dos países decorre do aumento do passivo externo de CP, resultante da importância crescente dos fluxos de investimento de portfólio de CP ou de natureza especulativa.