Cuba since 1959

DOMINGUEZ, Jorge. Cuba since 1959. In: BETHELL, Leslie (Ed.). Cuba: A Short History. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 95-156.

  • Dominguez nos dá um panorama no mínimo peculiar da Revolução Cubana, considerando que ela aconteceu “somewhat unexpectedly” e dando margem à interpretação de que a queda de Batista foi um fenômeno isolado do movimento de guerrilha. Como o próprio autor diz “suddenly Batista was gone” e o poder simplesmente teria passado de uma mão para outra, agora para uma nova geração de cubanos.
  • O antigo regime colapsou e agora eram necessárias novas normas, regras e instituições. Esse processo iniciou através do desmantelamento do Exército oficial e dos partidos políticos, restando apenas o Partido Socialista Popular (PSP). Os próximos trinta anos, a partir de 1959, demandariam criatividade revolucionária, persistente comprometimento para criar ordem na revolução e compromisso com os ideais revolucionários.

A Consolidação do Poder Revolucionário (1959-62)

  • Os EUA viram com preocupação o que ocorria em Cuba, em razão da importância estratégica e econômica da ilha para os interesses norte-americanos. Ademais, em 1959, Cuba recebia o maior número de investimentos norte-americanos que qualquer outro país da América Latina, com exceção da Venezuela, além de, em termos de comércio, os EUA absorverem 2/3 das exportações cubanas e fornecerem ¾ das importações.
  • Inicialmente, Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho, bem como outras forças revolucionárias, buscaram afirmar o nacionalismo em Cuba e as críticas aos EUA eram limitadas, segundo o autor, por motivos táticos, durante a fase de guerrilha.
  • As relações Cuba-EUA estavam pautadas, no início da Revolução, por três pontos:
    1. Havia desconfiança e raiva com relação às críticas norte-americanas sobre os eventos em Cuba. As relações tornaram-se pobres em razão do choque entre os valores dos revolucionários e os dos norte-americanos.
    2. Impacto inicial da Revolução nas firmas norte-americanas operando em Cuba. Os conflitos em decorrência da aplicação da reforma agrária se deram principalmente com a expropriação de terras de proprietários estrangeiros; tais “conflitos agrários locais” azedaram as relações EUA-Cuba.
    3. Mudança de atitude cubana com relação ao investimento estrangeiro privado e ajudas econômicas estrangeiras oficiais. Inicialmente Castro deu boas-vindas ao investimento estrangeiro e realizou uma visita oficial aos EUA, a qual segundo o autor, serviu para ganhar tempo para transformações mais amplas de uma forma específica que ainda estava incerta. Entretanto, um pequeno grupo de revolucionários concluíram que o choque com os EUA era inevitável.

A revolution would require the promised extensive agrarian reforms and probably a new, far-reaching state intervention in the public utilities, mining, the sugar industry and possibly other manufacturing sectors. Given the major U.S. investments in these sectors, and United States hostility to statism, revolution at home would inevitably entail confrontation abroad. (BETHELL, 1993, p. 98)

  • Junho de 1959: aprovada a Lei de Reforma Agrária, resultando na perda de apoio dos moderados. No mesmo mês, Guevara entra em contato pela primeira vez com a União Soviética, embora naquele momento o comércio bilateral com Cuba fosse insignificante.
  • As relações entre Cuba e EUA continuam a se deteriorar na segunda metade de 1959 por pequenos episódios em que um acusava o outro.
  • Em março de 1960 Eisenhower autorizou a CIA a organizar treinamento de exilados cubanos para uma futura invasão de Cuba.
  • Junho de 1960: refinarias estrangeiras recusam-se a processar o petróleo cru importado por Cuba da URSS. Castro então as expropria. No mesmo mês, o Congresso norte-americano autorizava o presidente a realizar cortes na compra da cota de açúcar de Cuba. Como resposta, Cuba expropria todas as propriedades norte-americanas em seu território.
  • Julho de 1960: Eisenhower cancelou a cota de açúcar de Cuba. Como resposta, seguem-se expropriações de empreendimentos norte-americanos nos ramos industrial e agrário, bem como confisco de todos os bancos dos EUA em Cuba. A reação dos EUA foi proibir exportações para Cuba, exceto gêneros alimentícios não subsidiados e medicamentos.
  • Janeiro de 1961: os EUA rompem formalmente relações diplomáticas com Cuba.
  • Em contraste, as relações com a URSS foram aprofundadas no mesmo período. Em 1960 foram assinados acordos bilaterais nas áreas econômica e militar. A URSS estava disposta a defender Cuba de uma possível invasão norte-americana e esta crescente colaboração militar Cuba-URSS aguçou as hostilidades dos EUA em relação a Havana.
  • A rápida e dramática mudança nas relações Cuba-EUA foi acompanhada pela reorganização dos assuntos econômicos e políticos internos de Cuba, a qual gerou dentre outras consequências uma migração massiva para os EUA. Politicamente, essa comunidade de exilados vai formar uma forte força anticomunista.

Most emigrantes came from the economic and social elite, the adult males typically being professionals, managers and executives, although they also included many white-collar workers. On the other hand, skilled, semi-skilled and unskilled workers were under-represented relative to their share of the work force, and rural Cuba was virtually absent from this emigration. This upper-middle- and middle-class emigration was also disproportionately white. (BETHELL, 1993, p. 100)

  • Esses exilados vão chamar a atenção do governo norte-americano, que vai passar a auxiliá-los na derruba de Castro. Em março de 1961, diversos líderes-chave dos exilados concordaram em formar um Conselho Revolucionário, cuja Brigada 2506 estava sendo treinada na Nicarágua e Guatemala. A administração Kennedy herdou o plano para a invasão do governo anterior e concordou em permitir à força de invasão treinada pela CIA avançar, tomando cuidado de que as forças norte-americanas não fossem utilizadas, de forma similar ao golpe dado em Arbenz na Guatemala em 1954. Esse episódio foi a invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, que foi derrotada em 48 horas pelas forças cubanas. Essa vitória de Castro foi importante para consolidar a revolução socialista.
  • A defesa de uma revolução radical em face ao ataque dos EUA demandava, segundo o autor, suporte da URSS. Em dezembro de 1961, Castro declara-se marxista-leninista e em julho de 1962, Raúl Castro, Ministro das Forças Armadas, viaja à URSS para garantir suporte militar adicional soviético. Em outubro de 1962, a URSS instalou 42 mísseis balísticos de médio alcance em Cuba, gerando uma crise nuclear sem precedentes desde o lançamento das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. O desfecho da crise, entretanto, deu-se sem prévia consulta a Cuba, onde a URSS retirava suas forças estratégicas e em troca os EUA comprometiam-se a não invadir Cuba. Um entendimento sobre a questão veio a governar as relações EUA-URSS sobre Cuba. Como consequência, segundo o autor, ambos Fidel Castro e os oponentes exilados perderam o apoio de suas superpotências aliadas.
  • O ponto de inflexão na política interna de Cuba ocorreu em outubro e novembro de 1959, ou seja, antes de romper com os EUA ou dos primeiros tratados com a URSS. Os ingredientes internos dessa mudança, segundo o autor, foram a eliminação de muitos não-comunistas e anticomunistas da coalizão original e o choque do regime com os negócios. “Uma nova liderança consolidou a ordem centralizada e autoritária.” (p. 105)
  • Conforme os conflitos internos e internacionais aprofundaram-se durante 1960 e 1961, o governo desenvolveu seu próprio aparato organizacional. Tendo obtido controle sobre a FEU (Federación Estudiantil Universitaria) e a CTC (Confederación de Trabajadores Cubanos), a liderança estabeleceu uma milícia com dezenas de milhares de membros para construir apoio e intimidar inimigos internos. Nesse contexto, foram importantes a FMC (Federación de Mujeres Cubanas) e os CDR (Comités de Defensa de La Revolución), espalhados em cada cidade, quadra, fábrica ou centro. Em 1961 foi criado um novo partido comunista, a ORI (Organizaciones Revolucionarias Integradas), com membros do antigo Partido Comunista, o PSP. Os membros do PSP trouxeram conhecimento teórico sobre o marxismo-leninismo para a ORI, bem como funcionavam de ponte entre a liderança e a URSS. Em 1963, a ORI torna-se o PURS (Partido Unido de La Revolución Socialista).

Políticas Econômicas e Desempenho

  • A política econômica dos primeiros anos da Revolução era de uma rápida industrialização, pois a ultradependência na indústria de açúcar era vista como sinal de subdesenvolvimento. Essa estratégia foi arquitetada por Guevara enquanto Ministro das Indústrias.
  • Um plano de desenvolvimento foi formulado com a ajuda da União Soviética e países do Leste Europeu, mas, de acordo com Dominguez, Cuba não estava preparada para uma economia centralmente planificada. Os planos previam metas ambiciosas, mas o resultado foi que a economia colapsou em 1962, aprofundando-se em 1963, com a queda da produção de açúcar. A importação de maquinário e equipamento para a acelerada industrialização, associado ao declínio nas exportações de açúcar, geraram uma crise no balanço de pagamentos.
  • Em junho de 1963, Castro anuncia uma nova estratégia, desta vez voltada para a produção de açúcar e diminuindo os esforços para a industrialização. As expectativas em torno da colheita de 1970 eram grandes e mobilizaram todos os cubanos em um espírito nacionalista. A expectativa era de elevar para 10 mi de toneladas, mas alcançaram 8.5 mi.
  • De 1963 a 1970, ocorreu um debate de alto nível sobre a “natureza da organização econômica socialista”. Havia, de um lado, Guevara, que arguia que a parte da economia nas mãos do Estado era uma única unidade. A lei do mercado deveria ser eliminada para mover rapidamente para o comunismo e, nesse sentido, o planejamento central era crucial. De outro lado, argumentava que a parte da economia cubana possuída pelo Estado era uma variedade de empreendimentos independentes de posse do Estado e operado por ele. Dinheiro e créditos eram necessários para manter controles efetivos sobre a produção e avaliar o desempenho econômico. O primeiro modelo, portanto, requeria “extraordinary centralization”, já o segundo conferia maior autonomia para cada firma.
  • O debate foi encerrado com a saída de Guevara do Ministério das Indústrias em 1965, em suas jornadas na África e América Latina. Suas políticas, entretanto, foram totalmente adotadas e sua implementação foi levada aos extremos. O autor atribui, aí, a “calamidade” do desempenho econômico nos anos 1960 à “visão equivocada” de Guevara bem como ao caos administrativo desencadeado por Fidel Castro, como ele próprio reconheceria no discurso de 26 de julho de 1970.
  • O modelo requeria a centralização total da economia. Em 1963, houve uma nova lei de reforma agrária, passando 70% das terras para as mãos do Estado. O “clímax da coletivização”, segundo o autor, ocorreu em 1968 quando lojas, restaurantes, bares, etc passaram para o domínio e gerência do Estado. Paradoxalmente, o planejamento foi abandonado e, somente um plano setorial foi implementado de 1966 em diante, mas com poucos efeitos. O autor tece um panorama caótico da economia dos anos 1960 em Cuba.
  • As mudanças na política trabalhista foram igualmente “dramáticas”. A mudança dos incentivos materiais para uma ênfase nos “incentivos morais” significava que a consciência revolucionária do povo garantiria um aumento da produtividade, da qualidade e reduções dos custos. Os trabalhadores eram pagos da mesma forma, independente dos esforços ou qualidade e o dinheiro era visto como fonte de corrupção capitalista.
  • Tais mudanças foram acompanhadas de uma mudança estrutural maior no mercado de trabalho. O desemprego despencou, porque nos anos 1960 muitos desempregados foram alocados em empreendimentos do Estado, mas Cuba passou a sofrer com falta de mão-de-obra. “Inefficiency and under-employment were institutionalized in the new economic structures”. A produtividade por trabalhador despencou, enquanto emprego aumentava e a produção declinava. Havia, ainda, o fator sazonal da produção de açúcar. A interpretação do autor é curiosa, pois considera que o fato de o governo cubano ter empregado todos os trabalhadores durante todo o ano foi um dos incentivos para que eles “trabalhassem menos”.
  • Os incentivos morais, para Dominguez, não eram suficientes. O governo passou então a mobilização das massas para trabalhar nos campos de cana e outros setores da economia. Essa mobilização contou com voluntários e por membros das Forças Armadas, que, após derrotarem as forças internas em 1966, passaram a atuar diretamente nas atividades econômicas produtivas.
  • Nos anos 1970 o crescimento econômico de Cuba era sombrio. Duas duras recessões marcaram o início e o fim da década. Castro assumiu responsabilidade pelo desastre e mudou a polícia econômica. Um alívio para Cuba veio do mercado internacional, onde os preços do açúcar subiram de 3,68 centavos de dólar para 29,60 centavos em 1974, contribuindo para uma melhoria no desempenho econômico na primeira metade da década de 1970.
  • Paralelamente, ocorreu uma reforma interna na organização econômica, passando a adotar o modelo soviético. Assim, reapareceu em Cuba o planejamento central macroeconômico, levando a adoção de seu primeiro plano quinquenal em 1975, o qual, segundo o autor, foi “mais realístico que qualquer coisa que o governo tinha adotado antes” (p. 112).

A Revolução Cubana e a Questão da Revolução na América Latina

GUAZZELLI, Cesar Barcellos. A Revolução Cubana e a questão da revolução na América Latina. In: ______ História contemporânea da América Latina, 1960-1990. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993, p. 14-24.

  • A Revolução Cubana foi decisiva para o destino das nações latino-americanas bem como influenciou a postura do imperialismo norte-americano no tratamento das questões que envolviam o subcontinente. O processo revolucionário não tinha inicialmente o objetivo de incorporar o socialismo, mas conforme aprofundaram-se as reformas, a revolução se tornou anti-imperialista e acabou rompendo com o capitalismo.
  • A solução encontrada por Cuba para resolver a “dependência neocolonial” teve profundos impactos nos países latino-americanos. Num contexto de falência do pacto populista, aumenta o temor das elites de um exemplo cubano, as quais passam a refugiar-se nas Forças Armadas. A esquerda se reorganiza, abandonando práticas tradicionais e alianças com grupos “progressistas”, formulando “processos de ação revolucionária”.
  • A preocupação do imperialismo era minimizar os “efeitos deletérios” da Revolução Cubana em outras regiões. Para isso utilizou novamente da política do big stick, elaborou doutrinas de contra-insurgência e aparelhou as Forças Armadas da América Latina para combater o “inimigo infiltrado”. Na República Dominicana, houve intervenção direta.
  • Os projetos de Castro em “A história me absolverá” não se enquadram em “nada que signifique uma transformação socialista para Cuba” e compreendiam medidas como reforma agrária, participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e nos direitos da cana-de-açúcar, nacionalização dos trustes de telefonia e eletricidade e redução drástica dos alugueis.
  • Inicialmente, como membro do Partido do Povo Cubano (Ortodoxo), Castro não conseguiu atrair para seu projeto os militantes comunistas, mas obteve apoio de amplos setores populares durante as guerrilhas, pois, na medida em que liberavam uma região, imediatamente implantavam as reformas previstas, como reforma agrária e melhorias na condição de vida do povo, como assistência médica e escolas. Isso gerou confiança da população nos revolucionários em detrimento da oligarquia no poder. Outro resultado é que os próprios revolucionários aprendiam, neste processo, sobre as reais necessidades dos dominados e, assim, aprofundavam seu conhecimento sobre as reformas necessárias.
  • Imbuídos de enorme confiança popular, em 1959 os revolucionários tomam o poder e, neste primeiro momento, tomam medidas de combate à corrupção do governo Batista, como o desmantelamento da ampla rede de hotéis, cassinos e casas de prostituição controlada por norte-americanos aliados a Batista. Esse foi, segundo o autor, o primeiro ataque ao capital estrangeiro em Cuba.
  • Houve oposição de setores mais moderados que não estavam satisfeitos com as expropriações e controle de preços, dada suas posições de classe. Entretanto, com a “virtual ruptura do aparelho repressivo anterior”, com o desmantelamento dos órgãos policiais e das Forças Armadas, o Exército Rebelde era o poder de fato na Ilha, impedindo a reversão do programa revolucionário. (p. 17)
  • A resistência interna contou com o apoio dos EUA, cujos interesses foram contrariados com a nacionalização do truste telefônico, resultando, como represália, na prática clandestina de incendiar canaviais por parte da aviação norte-americana. O governo cubano confiscou, ainda, as terras da United Fruits, o que gerou nova retaliação, desta vez no porto de Havana.
  • Os EUA cortaram o fornecimento de petróleo à Ilha e impediram o refino por parte de empresas norte-americanas de petróleo soviético, o que levou Castro a nacionalizar companhias petrolíferas e um grande conjunto de bancos e empresas estrangeiras.
  • Além disso, os EUA suspenderam a compra de cana-de-açúcar de Cuba, o que obrigou o país a buscar novos parceiros econômicos, especialmente as nações do bloco socialista, levando Cuba a se tornar “um dos principais focos da Guerra Fria”.
  • Guevara conseguiu, em 1961, um contrato comercial com a URSS para aquisição de toda a cota de produção de açúcar cubano, assim como garantias de abastecimento de petróleo. Assim, desarticulou-se a principal “coação econômica norte-americana ao governo revolucionário cubano”, restando aos EUA intimidações políticas e militares.
  • Os EUA, então, rompem relações diplomáticas com Cuba, dando início a uma “virtual abertura de hostilidades”, com apoio a grupos dissidentes em território cubano, os quais fracassaram por não contar com o apoio popular.
  • Em abril de 1961 ocorre uma clara tentativa de intervenção, a invasão da Baía dos Porcos, a qual fracassou, pois houve “surpreendente mobilização das milícias populares” além da capacidade do jovem exército de derrotar a ameaça externa. Com esse episódio, desmentiu-se internacionalmente que a Revolução era impopular, bem como desmentia-se a presença norte-americana como fiadora da liberdade; e, internamente, serviu para uma maior coesão entre o comando revolucionário e a população. (p. 19)
  • Em 1962 é decretado o bloqueio continental à Revolução Cubana, segundo o autor, “primeira ocasião em que […] ficou demonstrada a importância da situação criada em Cuba para as demais nações latino-americanas”, pois o episódio seguiu-se de pressões dos EUA a todos os países da OEA, resultando no rompimento de relações diplomáticas com Cuba por parte destes, exceto o México e na expulsão de Cuba da OEA, colocada na posição de inimiga dos países americanos.
  • Na “Segunda Declaração de Havana”, Castro critica a submissão dos países latino-americanos aos EUA e alertava que os episódios de bloqueio continental seguido de expulsão de Cuba da OEA abriam um precedente para novas intervenções norte-americanas no subcontinente. Refutava, ainda, a acusação de que Cuba exportava a Revolução, pois “as revoluções as fazem os povos”. (p. 20)
  • Ainda em 1962, ocorre o que muitos autores consideram o clímax da Guerra Fria, a crise dos mísseis, que foi esvaziada graças a intensas atividades diplomáticas, como por exemplo a criação do Telefone Vermelho. EUA e URSS chegaram a um acordo onde os soviéticos retiravam os mísseis em troca do compromisso formal dos EUA de não invadirem Cuba.
  • Guazzelli considera que a Revolução Cubana, em três anos, “provocara uma guinada decisiva para a história de Cuba e uma influência internacional como poucos acontecimentos depois da Segunda Grande Guerra”. (p. 21). O programa de reformas implantado afastou os grupos dominantes internos e entrou em atrito com o imperialismo, daí que sua plataforma política conduziu a uma postura anti-imperialista e anticapitalista. Isso significou para a América Latina um novo paradigma em que, de um lado, havia um exemplo capaz de levar à luta socialista; e, de outro, havia a necessidade de conter “eventuais explosões revolucionárias”.

E se Fidel simbolizara a revolução vitoriosa e a resistência aos inimigos internos e externos, seria Ernesto “Che” Guevara o teórico da revolução latino-americana, capaz de fornecer os instrumentos que, uma vez vitoriosos em Cuba, possibilitariam a transformação socialista da América. (GUAZZELLI, 1993, p. 21)

  • As obras de Guevara, segundo o autor, criaram uma espécie de “abecedário da Revolução”, em que certa medida havia transposição da experiência maoista para a América Latina, mas sobretudo significava uma ruptura com o que as esquerdas latino-americanas pensavam sobre a Revolução.
  • A principal ideia era a de “foco guerrilheiro”, onde haveria “ativa e intensa interação” entre o grupo armado que desencadeia a luta e a população camponesa na região. Os guerrilheiros iriam funcionar como verdadeiros reformadores sociais, o que angariaria apoio popular para derrotar o Exército regular.
  • Segundo o autor, no entanto, houve uma “eufórica interpretação das chances de sucesso de um movimento armado” nos países latino-americanos, e o “guevarismo” tornou-se uma bandeira para tornar essas nações em múltiplos vietnames capazes de derrotar o imperialismo.
  • A história da Revolução Cubana, portanto, não se reproduziu na América Latina, porque as condições para uma insurreição camponesa eram muito diferentes de acordo com as realidades locais, o que foi admitido pelo próprio Guevara em seu diário na campanha da Bolívia, antes de ser morto.
  • De qualquer forma, ficou no imaginário da esquerda e provocou inclusive grande mudança de comportamento desta, que passou a entender os movimentos operários como apenas reformistas e a aproximação com grupos até então considerados progressistas ia perdendo sentido. Do outro lado da moeda, entretanto, os governos latino-americanos foram se tornando ditatoriais e militarizados com o apoio dos EUA para “o enfrentamento da ameaça que pairava”. (p. 24)

Cuba – Estados Unidos

AYERBE, L. F. Cuba – Estados Unidos: De Monroe a Reagan. In: ______ A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004, p. 41-57.

América para os Americanos

  • Embora marcada pelo isolacionismo no século XIX, a política externa dos EUA estendeu esse conceito a toda a América Latina, criando a Doutrina Monroe em 1823, que fixava limites à intervenção de potências europeias no continente.
  • A Doutrina Monroe foi invocada explicitamente de 1823 a 1904, mas nunca deixou de integrar o pensamento dos formuladores da política exterior norte-americana. Durante esse período são formulados cinco corolários, sendo o mais famoso o de Theodore Roosevelt, de 1904, conhecido como Big Stick, utilizado para solucionar a questão da dívida externa da Venezuela, com seus portos bloqueados por esquadra de navios ingleses, alemães e italianos.
  • Theodore Roosevelt era influenciado pelas ideias de Mahan sobre geopolítica do poder naval e controle marítimo, daí a importância que os EUA passam a dar para a região do Caribe, considerada estratégica; segundo o autor, uma “terceira fronteira”.
  • O governo Theodore Roosevelt (1901-1909) será marcado por uma tentativa de hegemonia na região do Caribe. Em 1903, embasados na Emenda Platt, instalaram uma base militar em Cuba, em Guantánamo. A pedido do presidente cubano Estrada Palma, em 1906 os EUA ocupam Cuba pela segunda vez, para derrotar a “Revolução de Agosto” do Partido Liberal, abandonando a ilha somente em 1909.
  • Nos anos 1930, com Franklin Roosevelt na presidência, as relações hemisféricas foram pautadas pela “boa vizinhança”, a qual sofreu algumas adaptações com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, contexto em que os EUA passam a pressionar as nações latino-americanas para um envolvimento com os aliados e uma tentativa de proteção da região contra o Eixo, promovendo o isolamento de governos simpáticos ao nazifascismo.

Os Desafios do Mundo Bipolar

  • A Revolução Cubana se torna emblemática para os EUA no pós-Segunda Guerra, porque neste contexto eles se preocupavam com a possibilidade de expansão do bloco soviético e faziam o possível para contê-lo.
  • O governo Eisenhower (1953-61) perseguiu esses objetivos ao derrubar o primeiro-ministro do Irã em 1953, em razão de sua política nacionalista com relação ao petróleo; e ao intervir na Guatemala contra o presidente eleito em 1954, que ao realizar reforma agrária, contrariava aos interesses da United Fruit.
  • O governo Kennedy (1961-63) gera uma inflexão no intervencionismo de Eisenhower, segundo o autor, e propõe a promoção de reformas econômicas e sociais, embora sem abandonar políticas preventivas e repressivas. Essa iniciativa foi cristalizada na Aliança para o Progresso (ALPRO) de 1961, criada para a implementação de políticas de reformas estruturais na América Latina e Caribe. Quanto à prevenção de novas revoluções como a cubana, reforçou-se a política de treinamento e aparelhamento das forças repressivas.
  • Entretanto, em abril de 1961 os EUA colocam em prática o plano de intervenção em Cuba, deixado pela administração anterior. Uma expedição partindo da Guatemala invadiu a Baía dos Porcos e foi rapidamente derrotada pelas forças cubanas, que fizeram prisioneiros. O fracasso da invasão desencadeia um “processo de radicalização nas relações entre Cuba e os Estados Unidos”. (p. 49)
  • No final de 1961, Kennedy autoriza a Operação Mangusto, envolvendo ações clandestinas de sabotagem, guerra econômica e atentados contra autoridades. Cuba torna-se uma obsessão no interior da administração Kennedy e isso só se intensifica com a descoberta de mísseis soviéticos na ilha. Em outubro de 1962, os EUA impõem o bloqueio naval a Cuba, incluindo barcos comerciais. O fim da crise dos mísseis se deu através da negociação, em que a URSS comprometeu-se a retirar os armamentos e os EUA comprometeram-se em não invadir Cuba.
  • A questão que se impõe, segundo o autor, é o fato de novamente, assim como na guerra pela independência de 1898, Cuba não ter participação nas negociações para o desfecho da crise, mesmo sendo um episódio que afetava seu destino como “nação soberana”. (p. 51)
  • Finda a crise dos mísseis, Kennedy retoma as ações encobertas contra Cuba, que previam diversas modalidades de atentados terroristas, os quais não foram implementados, embora em 1963 o governo autorizasse algumas operações de sabotagem.
  • Che Guevara irá criticar a ALPRO na reunião da OEA em 1961, argumentando que o foco da iniciativa não era o desenvolvimento econômico da região, mas apenas suprir deficiências básicas. Segundo sua visão otimista, Cuba poderia crescer 10%, enquanto a OEA projetava um crescimento de 2,5% para a América Latina e Caribe.
  • Após o assassinato de Kennedy, assume o vice-presidente Lyndon Johnson (1963-69), cujas preocupações recaem cada vez mais sobre o Vietnã, enquanto na América Latina reforçam-se as saídas não institucionais, com o apoio do Pentágono e da CIA no combate encoberto aos inimigos dos EUA. Nesse período a via do militarismo irá recair em golpes na Argentina, Brasil, Peru, Bolívia, Guatemala, Honduras e República Dominicana.