Os Bragança, a Independência e o Sistema de Viena (1808-1831)

Resumo do capítulo I do livro Relações Exteriores do Brasil I (1808-1930): A Política Externa do Sistema Agroexportador, de José Luiz Werneck da Silva e Williams Gonçalves – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

A Diplomacia dos Bragança e a Independência (1808-1822)

  • O mercantilismo português entrou em crise com a guerras napoleônicas, colocando França e Inglaterra como os principais poderes do início do séc. XIX. Os franceses, liderados por Napoleão, que impusera o Bloqueio Continental aos países europeus, através do Decreto de Berlim (1806), e ameaçava invadir Portugal; e os ingleses, que se afirmavam como maior potência marítima da época, detentores de um vasto império colonial de proporções globais.
  • Portugal precisava decidir para que lado iria: se se aliava a Napoleão, como fizeram os espanhois, ou se pendia para a salvaguarda dos ingleses, seu maior parceiro comercial da época.
  • Prós da associação com a Inglaterra: a família real portuguesa não precisaria se submeter a Napoleão e poderia, ao transferir a corte para o Brasil, transformar o imenso território da colônia em sede de um poderoso império.
  • Contras da associação com a Inglaterra: aumento da dependência com os ingleses.
  • Prós da associação com a França: as tropas napoleônicas eram superiores às britânicas, logo, os britânicos não poderiam defender os portugueses.
  • Contras da associação com a França: Portugal corria o risco de perder todo o seu império, pois não possuía capacidades necessárias para defender seu território e suas colônias.
  • O que de fato aconteceu? Portugal não conseguiu transformar o Brasil em sede do seu império, pois, ao elevar o país a Reino Unido de Portugal e dos Algarves (1815), acabou facilitando a independência, que aconteceria alguns anos depois. Ainda, o território português tampouco foi tomado pelos franceses, como aconteceu com a França, em virtude da mobilização do clero e de ajuda militar inglesa, que foram vitoriosos em expulsar os franceses do reino.
  • 1807: D. João põe em prática o plano de transferência da Corte para o Brasil, escoltados pela marinha britânica.
  • 1808: chegada da família real no Brasil e abertura dos portos às nações amigas (Inglaterra), como retribuição ao apoio prestado.
  • 1809: D. João revoga todos os tratados assinados com a França e invade a Guiana Francesa, considerando-a parte do império português, conforme o Tratado de Utrecht (1713). O território foi devolvido à França somente em 1817.
  • 1810: assinatura dos chamados Tratados Desiguais, que concedia privilégios alfandegários aos ingleses (15%), enquanto que Portugal pagava 16% e as demais nações 24%. O porto franco da ilha de Santa Catarina (atual Florianópolis) passa à tutela inglesa.
  • Questão do Prata: área estratégica para o comércio colonial com toda a região, especialmente a Colônia de Sacramento, disputada por Portugal, Espanha e Buenos Aires (que buscava independência).
  • D. Carlota Joaquina de Bourbon: filha do rei espanhol Carlos IV, irmã de Fernando VII (herdeiro do trono) e ex-esposa de D. João, reivindicava possessões na América hispânica, após a invasão de José Bonaparte, que destituiu a coroa espanhola. Contava com a simpatia de certas elites portenhas, porém setores pró-britânicos da corte joanina eram contra esse projeto, por almejarem anexar a região do Prata, além dos próprios ingleses serem também contrários por preferirem que a região se mantivesse fragmentada, facilitando assim o comércio.
  • 1810: Buenos Aires declara independência da Espanha e incentivam a emancipação do atual Uruguai.
  • 1811: D. João envia tropas à Banda Oriental para assegurar as fronteiras, porém as agitações persistem até 1817.
  • 1821: as tropas joaninas vencem os rebeldes e a região – agora denominada Estado Cisplatino – passa a pertencer ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A Política Externa do Primeiro Reinado (1822-1831)

  • 1822: Independência do Brasil, totalmente arquitetada pelos próprios Braganças (do Brasil e de Portugal) e com o aval da Inglaterra. Não houve participação popular, guerra, e tampouco significou um ruptura com os portugueses. A independência pode ser vista como um acordo com a metrópole e uma interiorização da metrópole, mantendo todas as estruturas antes existentes, embora o Brasil passasse a ser juridicamente um Estado independente.
  • Em termos de política externa, 1822 nada significou para o Brasil, pois até a abdicação de D. Pedro I (1831) se manteve uma diretriz similar a que vinha sendo adotada pelos Bragança, qual seja, atender os interesses destes, fossem ultramarinos, fossem transoceânicos.
  • O Estado Monárquico Brasileiro herda, por consequência, duas questões da política portuguesa: a dependência em relação à Inglaterra (elemento de subordinação) e as questões platinas com vistas a um expansionismo (elemento de relativa autonomia).
  • 1823: primeira Assembleia Constituinte da História do Brasil, com a participação de uruguaios, representando a Cisplatina.
  • 1825: o diplomata inglês Sir Charles Stuart intermedeia um acordo entre os Bragança de Portugal e os do Brasil para que D. João VI reconheça D. Pedro I como Imperador do Brasil. Nas negociações também foram renovados os tratados livre-cambistas com a Inglaterra e Portugal comprometeu-se a acabar com o tráfico negreiro.
  • Quais os interesses da Inglaterra ao dar seu aval à independência brasileira? Além dos acordos feitos em 1825, exigiram que o Brasil assumisse uma dívida que Portugal tinha contraído com banqueiros ingleses, em 1823, no valor de 2 milhões de libras esterlinas, valor que acabaria sendo o preço pago pelo reconhecimento da independência.
  • D. Pedro I herda uma soberania vendida (com empréstimos britânicos), tratados livre-cambistas feitos com os ingleses e o compromisso de extinguir o tráfico negreiro.
  • Província Cisplatina: uruguaios não queriam estar subordinados nem ao Brasil nem a Buenos Aires, porém com o exílio de Artigas (principal incitador pela independência uruguaia), seus objetivos foram adiados.
  • A elite do Brasil independente era luso-brasileira, estava relativamente coesa e desvinculada das demais latino-americanas.
  • 1825: Argentina (na época, Províncias Unidas do Rio da Prata) anexa a Província Cisplatina → Guerra da Cisplatina. Inglaterra se posiciona como mediadora do conflito, pois queria um ponto de apoio na foz do Prata para 1) penetrar pelos rios platinos, e 2) ter um ponto de escala na rota para a Índia, ou seja, estava preocupada em garantir rotas marítimo-comerciais.
  • 1828: Convenção Preliminar de Paz sobre a Guerra da Cisplatina.
  • Missão Santo Amaro (1828): ao abdicar do trono em 1826, D. Pedro I desejava tornar sua filha, Maria da Glória em rainha de Portugal, porém D. Miguel I (seu irmão) já havia ocupado o posto. Para tentar obter o apoio da Santa Aliança (formada por absolutistas russos, prussos e austríacos, responsáveis pela expulsão de Bonaparte da França) enviou o Marquês de Santo Amaro à Europa oferecendo em troca vantagens na América Latina. Resultados: a missão fracassou com a queda de Carlos X, na França, enfraquecendo a Santa Aliança e, foi cancelada pelos regentes. Mesmo assim, gerou uma hostilidade por parte dos vizinhos hispano-americanos, que passaram a ver o Brasil como adversário.

Tratado de Madri


Resumo do cap. 7 – O Tratado de Madri, do livro Bandeirantes e Diplomatas, de Synésio Sampaio Goes – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

Um Acordo Favorável a Portugal?

  • séc. XVI: colonização portuguesa dedicou-se à ocupação de pontos isolados na costa leste do Brasil e quando ocorreram as primeiras entradas.
  • séc. XVII: períodos das bandeiras paulistas (para o sul, oeste e Amazônia), primeiras missões de religiosos no Amazonas e afluentes.
  • séc. XVIII: mineração, monções para o MT, consolidação da presença portuguesa no norte da Amazônia e monções do norte (partindo de Belém).
  • 1750: marco na história do Brasil. Por quê?
  1. declínio da produção aurífera;
  2. morte de Dom João V;
  3. Portugal torna-se um estado de despotismo esclarecido, com Dom José I e o Marquês de Pombal;
  4. fim das bandeiras paulistas;
  5. assinatura do Tratado de Madri (1750).
  • Tratado de Madri: legalizou a posse do sul e oeste brasileiros e da área amazônica, que estavam à esquerda de Tordesilhas. Foi um tratado sem precedentes no direito internacional, possível graças à relação amigável entre os dois Estados envolvidos, ambos beneficiados pelo acordo. Houve uma compensação global, pois Portugal adquiriu territórios pertencentes à Espanha na América e a Espanha ficou com regiões portuguesas na Ásia (Filipinas).
  • Portugal possuía uma relativa superioridade em regiões disputadas.
  • Por que os portugueses ocuparam a Amazônia, ao invés dos espanhois?
  1. os espanhois estavam fixados nas montanhas andinas, de onde obtinham metais preciosos e outras riquezas oriundas da organização do império Inca, por eles conquistados. não haveria interesse em descer para a região Amazônica, hostil e pouco conhecida → inadaptabilidade física.
  2. os portugueses tinham posse de regiões estratégicas para entrar na planície Amazônica: SUL, trilhas feitas pelos bandeirantes e monções para o sul da bacia amazônica; NORTE, foz do Rio Amazonas estava sob a posse lusa, permitindo a penetração no território. Ainda, para defender a região de holandeses, franceses e ingleses, Portugal fundara a Capitania do Cabo Norte (hoje AP).
  3. o Tratado de Utrecht (1713) assegurou a posse da margem esquerda do Amazonas aos portugueses, negociada com a França, com a ajuda dos ingleses.
  4. relativa prosperidade econômica de Portugal, graças ao finalmente encontrado outro no Brasil (década de 1740).
  5. estabilidade política do reinado de D. João V, que propiciou prestígio internacional a Portugal.
A Obra de Alexandre de Gusmão
  • Alexandre de Gusmão, nascido em Santos, dotado de conhecimentos históricos e geográficos sobre o Brasil, atuou como Secretário del Rei, para D. João V e, em virtude da defasagem do Tratado de Tordesilhas (com as bandeiras e posse da Amazônia), agiu como advogado dos interesses brasileiros no século XVIII para a constituição do Tratado de Madri.
  • 1729: renascimento dos estudos geográficos sobre o Brasil – chegada de especialistas de várias nações europeias para elaborar um Novo Atlas do Brasil.
  • Havia um desnível de conhecimento cartográfico entre Portugal e Espanha, que pesaria nas negociações do Tratado de Madri. Portugal tomava a dianteira, solicitando estudos sobre o quanto havia ultrapassado a linha de Tordesilhas no oeste.
  • A Espanha não reagiu efetivamente à implantação da Capitania de Mato Grosso (1748) e à consequente fixação luso-brasileira na região. Sua única ação foi elaborar planos a partir de missões jesuíticas próximas ao Rio Paraguai e Guaporé, pois estava satisfeita com suas possessões ultramarinas (quase toda a América do Sul, além dos territórios na Ásia, tomados de Portugal). Preocupava-se mesmo era com a questão do Prata.
  • O Tratado de Tordesilhas deveria ser abandonado por ser indemarcável e por ambas as partes terem violado o acordo.
  • A solução – que viria através do Tratado de Madri – era uma negociação global baseada em duas regras: 1. uti possidetis (quem ocupa a região fica com ela) e 2. fronteiras naturais (ligado ao mito da “ilha Brasil”, que levaria a uma consonância com as fronteiras fluviais).
  • Portugal já estava preparado antes de 1750 (em grande parte graças a Gusmão) para negociar com a Espanha os limites do Brasil.
  • 1746: Fernando VI assume o trono espanhol (genro de D. João V).
  • O que os portugueses queriam com o novo tratado?
  1. abandonar o meridiano de Tordesilhas;
  2. “arredondar e segurar o país” (segundo Gusmão), baseado no utis possidetis;
  3. fronteiras deveriam ser rios/montes notáveis;
  4. Colônia de Sacramento: é portuguesa, mas poderia ser usada como moeda de troca para preservar territórios no oeste e Amazônia.
  • O que os espanhois queriam com o novo tratado?
  1. que Portugal abdicasse de suas posses nas Filipinas;
  2. conter o expansionismo português;
  3. boas relações com Portugal, para não atrair nações inimigas à Espanha;
  4. Colônia de Sacramento: consideravam trocar por um equivalente, porém se preocupavam com o controle da região, em virtude do forte contrabando das riquezas do Peru que por ali passavam;
  • No curso das negociações Os Sete Povos das Missões passaram a ser vistos como equivalente de troca pela Colônia de Sacramento.  
  • Alexandre de Gusmão enviava cartas e mapas, de seus estudos aqui no Brasil, para o negociador português na Espanha e, assim, foi-se delineando o futuro tratado.
  • Mapa das Cortes: desenhado por Gusmão, a área intra-Tordesilhas foi aumentada para dar a impressão de que as perdas para os espanhois eram menores do que na realidade foram. Foi, portanto, propositadamente alterado para fins diplomáticos.
  • Após a assinatura do Tratado, houve resistência de jesuítas e indígenas dos Sete Povos das Missões a migrarem – Guerra Guaranítica (1755-56).
  • Tratado de Madri (1750) foi uma obra de Alexandre de Gusmão e serve de base até hoje para definir os limites territoriais do Brasil. 
“A linha divisória é, assim, considerada como um todo, uma linha razoavelmente natural, em correspondência com a configuração da superfície.” – Brandt, geógrafo alemão
Os Tratados de El Pardo, Santo Ildefonso e Badajós
  • Motivos que levaram à anulação do Tratado de Madri: 1. Guerras Guaraníticas; 2. dificuldades de demarcação no norte; 3. ascensão de Marquês de Pombal como Primeiro-Ministro de Portugal, pois ele era contrário à cessão da Colônia de Sacramento.
  • Tratado de El Pardo (1761): anula, cancela e cassa o Tratado de Madri e os atos decorrentes dele. Significou uma pausa para um cenário mais propício à assinatura de um tratado melhor para as partes envolvidas.
  • 1777: ascensão de D. Maria I ao trono português, anti-pombalina.
  • Tratado de Santo Ildefonso (1777): tratado preliminar de limites entre Portugal e Espanha, conservando as fronteiras oeste e norte do Brasil obtidas com o Tratado de Madri, mas deixava os Sete Povos para a Espanha.
  • ao encerrar o século XVIII ainda não se tinha demarcado as fronteiras da Amazônia, ficando a mercê do mais ousado (Portugal).
  • Guerra de 1801 (Guerra de las Naranjas): Portugal x França + Espanha. Termina com a assinatura do Tratado de Paz de Badajós.
  • Tratado de Badajós (1801): os Sete Povos das Missões e outras regiões amazônicas que não constavam em Ildefonso passam para o domínio português, porém a Espanha mantém o território de Olivença, invadido no início da guerra. Muitos historiadores hispanico-americanos não reconhecem Badajós, mas Ildefonso como  último tratado assinado entre as duas coroas na questão.

A Amazônia no Final da Colônia

  • Com Pombal, os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759.
  • A política pombalina para a Amazônia consistia em valorizar o índio, usando-o como mão-de-obra do Estado, ensiná-los português e promover a miscigenação. Foi o período de maior interesse pela região.
  • 1755: criação da Companhia de Comércio Grão-Pará e Maranhão, importante para a economia amazônica.
  • Construção de diversos fortes com localização estratégica para defesa das fronteiras: Macapá, São Joaquim e Príncipe da Beira.