Alinhamento e desenvolvimento associado (1946-1961)

CERVO, A.; BUENO, C. Alinhamento e desenvolvimento associado (1946-1961). História da Política Exterior do Brasil. Brasília: EdUnB, 2002, p. 269-307.

Dutra e o alinhamento na Guerra Fria

  • Chanceler do período: Raul Fernandes.
  • Pós-guerra: Brasil e América Latina sob hegemonia norte-americana, graças ao “plano” implantando na década de 1940, que se refletia nas esferas econômica, política e cultural.
  • O “plano norte-americano” não se restringia à conjuntura da guerra, mas visava à conquista de mercados e fortalecimento de sua própria economia para consolidação de seu “sistema de poder”.
  • Naquele contexto os EUA haviam se tornado um dos “polos do poder mundial” e deram prioridade a um sistema planetário de segurança que deixava em segundo plano a América Latina.
  • Diferentes concepções sobre a cooperação para o desenvolvimento: EUA recomendavam usar o BIRD e o Brasil queria ajuda de caráter político.
  • Missão Abbink (1948): comissão técnica Brasil-EUA organizada para estudar a situação econômica do país e apresentar propostas para o seu desenvolvimento.
  • Nos aspectos político e militar, houve “completo alinhamento” com os EUA: visita oficial de Truman ao Brasil (1947) e de Dutra nos Estados Unidos (1949), primeiro presidente a visitar oficialmente os EUA.
  • Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR (1947): integrava o sistema interamericano ao sistema mundial, prevendo mecanismos de manutenção da paz e da segurança no hemisfério; significou o alinhamento da América Latina ao bloco de poder ocidental.
  • Ruptura de relações diplomáticas com a URSS após a cassação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), gerando ataques da imprensa estatal soviética ao governo brasileiro e levando à deterioração das relações.
  • Brasil-China: o governo brasileiro fechou embaixada e consulado após a derrota de Chang Kai-Chek; Brasil acompanhou o voto dos EUA na ONU votando contra a entrada da República Popular da China, embora Osvaldo Aranha fosse pessoalmente favorável.

O segundo governo Vargas e a pressão nacionalista

  • Chanceler do período: João Neves da Fontoura.
  • Contexto interno: polarização entre nacionalistas e entreguistas; “populismo”, nacionalismo e anti-imperialismo passam a integrar o discurso político da época.
  • IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos (mar/abr 1951): o governo americano solicitou esse encontro, preocupado com o comunismo internacional e seu possível avanço sobre a América Latina; assim apresentou um “plano de mobilização econômica” e pediu às nações latino-americanas que o adotassem.
    • O Brasil apresentou um memorandum com uma série de reivindicações para uma maior cooperação com o subcontinente e para um projeto de desenvolvimento para o país.
    • Vargas cobrou dos EUA o “ônus aos recursos das nações menos desenvolvidas” gerado durante a Guerra e tentava utilizar a fidelidade brasileira e sua atuação no conflito como barganha para obter ajuda econômica.
    •  Havia uma nova postura na política externa brasileira, que depois seria retomada na Operação Pan-Americana e na Política Externa Independente da década seguinte: o Brasil queria cooperação americana para seu desenvolvimento e argumentava que assim se evitaria a “agressão interna”, a revolução, enfim, a penetração do comunismo.
    • Resultados políticos: não houve divergências, referendaram a atuação da ONU na questão da Coreia.
    • Resultados militares: recomendou às nações do hemisfério preparação militar orientada à “defesa do continente” e repressão de eventual agressão.
    • Resultados econômicos: divergências, pois o plano de mobilização econômica americano previa utilizar as matérias-primas das nações latino-americanas, o que foi contestado pelo Brasil, preocupado com o desenvolvimento. Os EUA cederam às reivindicações dos países menos desenvolvidos e consideraram o desenvolvimento econômico como “elemento essencial” para a defesa do continente.
  • Comissão Mista Brasil-Estados Unidos: criada em 1950, mas só instalada em 1951 após negociações bilaterais com o governo americano na IV Reunião de Consulta. O objetivo era integrar técnicos e economistas dos dois países para formular projetos de cooperação econômica. Presidente: Horácio Lafer.
    • Vargas tomou duas medidas nacionalistas durante o funcionamento da Comissão: enviou ao Congresso projeto de criação da Petrobrás e regulamentou as remessas de lucros ao exterior.
    • Em 1952, a Comissão aprovou 41 projetos, na área de transportes e energia, financiados pelo Eximbank, BIRD e capitais europeus. Em contrapartida, o Brasil forneceria “minerais estratégicos”.
    • Em 1953, a Comissão foi extinta, com a ascensão dos republicanos e Eisenhower no poder.
    • Os resultados foram positivos apenas no longo prazo, pois seus projetos seriam incorporados no plano de metas de JK.
    • Plano Lafer (ou Plano de Reaparelhamento Econômico), originou da Comissão e previa importação de máquinas/equipamentos com empréstimos do BIRD e Eximbank, embora não tenha sido aplicado integralmente.
  • O acordo militar e os minerais atômicos: por iniciativa norte-americana, Brasil e EUA assinam um Acordo de Assistência Militar Recíproca (1952), mudança de postura dos EUA em razão da Guerra da Coreia, contexto em que ficariam responsáveis pela defesa do continente e forneceriam armas, financiamento e treinamento para os países da AL. Em contrapartida, o Brasil deveria fornecer “matérias-primas estratégicas”.
    • Brasil ficava numa situação de dependência dos EUA com relação à aquisição dos equipamentos e treinamento; debate ideológico: nacionalistas consideraram que só beneficiava os EUA; para o MRE, era benéfico em termos militares e do desenvolvimento econômico; os partidários do alinhamento aplaudiram.
    • Guerra da Coreia: Vargas recusou-se a enviar tropas, em desacordo com a solicitação da ONU (1951) e apenas contribuiu com “minerais estratégicos”. A recusa agradou em parte aos nacionalistas.
    • Fev 1952: outro acordo com os EUA para venda de “minerais atômicos” (monazita, cério, terras raras), tendo como contrapartida financiamentos para o desenvolvimento do país. Não houve “compensações específicas”, no sentido de transferência de tecnologia para possível uso da energia atômica no país. Em 1954, o Brasil fez outro acordo com os EUA para exportar tório em troca de trigo.
    • Havia divergências entre integrantes do governo e das Forças Armadas sobre a “política atômica”, bem como entre CNPq e Itamaraty, refletindo-se no Congresso.
    • Resultados: Brasil fica dependente dos EUA também no aproveitamento de materiais atômicos; deterioração dos termos de troca no comércio entre os dois países; forte presença cultural norte-americana e em investimentos muito acima dos outros países geraram o discurso anti-EUA.
  • Algumas medidas nacionalistas de Vargas teriam desagradado aos EUA e possivelmente contribuído para o suicídio de Vargas: criação da Petrobrás (1953), decreto-lei que limitava em 10% as remessas de lucro ao exterior (1954) e o projeto da Eletrobrás (1954). Tais medidas incomodar o Departamento de Estado, mas segundo Bandeira “inexistem provas sobre a participação oficial norte-americana”.

O hiato Café Filho

  • Chanceler do período: Raul Fernandes
  • Ministro da Fazenda: Eugênio Gudin, liberal; tendência simpática ao capital estrangeiro; buscou empréstimos nos EUA, mas lá persistia a concepção de que os países deveriam buscar financiamentos privados para seu desenvolvimento.
  • Acordo sobre “excedentes agrícolas” (1955): Brasil compraria cereais em cruzeiros a uma taxa fixa, em contrapartida os EUA emprestariam o produto desta venda ao BNDE. Intercâmbio comercial melhorou.
  • Acordos na área de energia atômica (1955): acordo de cooperação para uso civil da energia atômica e Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, visando a um levantamento das “províncias uraníferas brasileiras” através de técnicos norte-americanos.
  • Os acordos sofreram restrições, dentro da política “Átomos para a Paz” de Eisenhower. Isso desagradou aos nacionalistas e gerou debates com os liberais.
  • Os acordos produziram resultados “satisfatórios” já em 1956 e apresentavam compensações específicas em decorrência do Atomic Energy Act (1954), em que os EUA passaram a transferir conhecimentos nessa área. Também outros países da AL assinaram acordos semelhantes, refutando a tese do entreguismo.
  • O governo foi acusado pelos nacionalistas de ter atendido aos interesses americanos na política atômica e isso gerou uma CPI no Congresso em 1956.
  • Em termos de política exterior, Café Filho representou um retorno ao governo Dutra e destacou-se pela política atômica, marcada por intensas divergências entre os militares e o Itamaraty na questão das compensações.

Juscelino Kubitschek: rumo à diplomacia brasileira contemporânea

  • Chanceleres do período: José Carlos de Macedo Soares, Negrão de Lima e Horácio Lafer sucessivamente.
  • Acreditava-se que o contexto externo poderia solucionar a situação de subdesenvolvimento em que se encontrava o país. Para sair do “atraso”, era preciso reformas internas para atacar problemas como 1) a necessidade de receber capitais e tecnologia; 2) a deterioração dos termos de troca; 3) ampliação do mercado externo para aumentar a capacidade de importar bens/equipamentos para o desenvolvimento.
  • O governo JK é considerado “nacional-desenvolvimentista” e seu projeto de desenvolvimento previa ampla participação do capital estrangeiro, o que implicou em políticas para sua atração em uma conjuntura internacional favorável.
  • Nos últimos anos de governo, diante de desequilíbrios externos e deterioração dos termos de troca, passou a adotar uma política de fomento às exportações, já que a capacidade de importação do país havia aumentado, e de atração da poupança externa.
  • Operação Pan-Americana (1958): iniciativa brasileira a partir de troca de cartas entre JK e Eisenhower, resgatando o ideal “pan-americanista” e conclamando por solidariedade política para enfrentar, através do desenvolvimento e do fim da miséria, ameaças de ideologias “exóticas” e “anti-democráticas”.
    • O contexto na América Latina, no entanto, era de antiamericanismo e anti-imperialismo → hostilidades ao vice Nixon em Caracas e Lima (1958).
    • JK sempre se referia ao desenvolvimento da América Latina como um todo, não apenas o Brasil e desejava “formar ao lado do Ocidente, mas não desejamos constituir seu proletariado”.
    • A OPA visava à luta contra o subdesenvolvimento em escala global, não apenas no sentido econômico.
    • Foram propostos estudos para aplicação de capitais privados em áreas atrasadas do continente, fortalecimento das economias internas, disciplina do mercado de produtos de base, entre outros.
    • JK enfatizava a importância de capitais públicos em razão do elevado montante para setores básicos e de infraestrutura.
    • Criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (1960), com capital inicial de 1 bilhão de dólares para financiamento e assistência técnica, com participação de 20 países americanos.
    • Criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC (fev 1960), entre Brasil, Argentina, México, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, com objetivo de promover a “estabilidade” e a “ampliação do intercâmbio comercial”, desenvolvimento de novas atividades, aumento da produção e “substituição de importações”.
    • Aliança para o Progresso: resposta tardia do presidente Kennedy, na conjuntura da crise de Cuba, à ideia da OPA.
    • Críticas de Osvaldo Aranha: falta de conversão das propostas em resultados práticos; modelo desenvolvimentista de JK muito fundado na industrialização, ignorando a agricultura e a reforma agrária.
  • Defesa da agroexportação nos organismos internacionais lutando pela estabilização dos preços dos produtos primários e denunciando a “injustiça” do comércio internacional.
    • 1957: Brasil reage apreensivamente à formação do Mercado Comum Europeu, em razão da concorrência desigual que geraria entre as exportações do país e as oriundas do territórios “não-autônomos”, e levou sua posição junto ao GATT.
    • Horácio Lafer apresentou um memorando à Comunidade Econômica Europeia (CEE), reclamando sobre a tarifa comum que incidia em mercadorias originários de países fora da comunidade e pleiteando por sua redução para países da América Latina.
    • Conferência Internacional do Café (1958): objetivo de racionalizar as relações de comércio para evitar os “males” advindos de flutuações bruscas. Foram firmados acordos para criação de uma OI do café.
    • Aproximação comercial com a URSS: enviada uma Missão (1959), num contexto de excedentes de café e do início da “coexistência pacífica” entre EUA e URSS. Assinatura de acordo comercial de compensação: venda de café em troca de trigo, petróleo e diesel. → reações na opinião nacional. Osvaldo Aranha se mostra favorável e considerava que o Brasil não deveria se isolar.
  • Relações com a África: acompanhou a posição dos colonialistas na ONU e passou “ao largo” do processo de libertação das nações africanas que foi decisivo justamente entre 1958 e 1960, não assumindo posição veemente de condenação do colonialismo, embora defeendesse a “auto-determinação” dos povos. Mesmo assim no Relatório do MRE de 1960 consta que o Brasil reconheceu a independência de 17 países africanos.
  • Relações com a Ásia: estabelecidas relações diplomáticas com a República da Coreia e com o Ceilão (1960) e abertura de embaixadas.
  • Relações bilaterais no Cone Sul: Acordos de Roboré (1958), firmados com a Bolívia.
    • Tratados sobre vinculação ferroviária e exploração do petróleo (1938) → Comissão Mista Brasil-Bolívia de Petróleo (1952) → presidente Estenssoro repõe a questão a Café Filho (1955) → embaixador do Brasil na Bolívia Teixeira Soares propõe “negociação global” das relações (1956) → Missão Especial (1957) → início das negociações entre os chanceleres dos dois países em Corumbá e Roboré (1958), resultando em 31 acordos bilaterais.
    • Os acordos previram a demarcação de limites entre os dois países; modificação do tratado ferroviário de 1938 relativo à estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra; e, aproveitamento do petróleo boliviano, o que abriu espaço à “iniciativa privada brasileira”, mas não à Petrobrás.
    • Houve grande repercussão contrária aos acordos, que o consideravam “entreguista”, “estratégia arquitetada pelos trustes”, “atentado à Petrobrás e ao monopólio estatal de petróleo”. Assim, apesar de terem sido feito sob notas reversais, houve solicitação da Câmara para que fosse negada a ratificação de algumas reversais (parecer acolhido em 1960). Em 1961 o Executivo submeteu as reversais ao Congresso.

 

Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional

CERVO, A.; BUENO, C. Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: EdUnB, 2002, p. 233-267.

A Revolução de 1930 e a política externa

  • Chanceler do período: Afrânio de Melo Franco (até 1933). Não ocorreram profundas alterações na política externa que o Brasil vinha desenvolvendo, como a questão das fronteiras e ênfase nas relações comerciais → diplomacia econômica.
  • As transformações econômicas e sociais levaram a uma nova formulação da política externa, baseada no pragmatismo como instrumento do projeto de desenvolvimento nacional, cujo principal objetivo era criar uma siderurgia no país.
  • O Brasil fez “jogo duplo” em relação aos EUA e à Alemanha no período que antecede a Guerra, com a finalidade de barganhar, o que foi facilitado pela maior presença alemã no comércio brasileiro (1934-1938) e o declínio da participação britânica e norte-americana → “equidistância pragmática”.
  • O abandono da equidistância pragmática se dá no final da década de 1930, com a missão Osvaldo Aranha (1939) aos EUA e consequentes acordos de cooperação. Também o Brasil havia aderido ao Pacto Briand-Kellog em 1933.
  • Os autores questionam de certo modo a ênfase que se dá nessa tentativa de barganha entre EUA e Alemanha, pois consideram que faltavam “condições objetivas” ao III Reich para atender as demandas brasileiras. Argumento diferente tem Gerson Moura, que nos lembra que 1940-1941 foi um período muito difícil também para a Grã-Bretanha com recursos concentrados em sua defesa. A decisão de fornecer armas ou siderurgia ao Brasil, segundo Moura, seria “eminentemente política”, por isso poderia ser prioritária aos alemães em termos estratégicos.
  • Contexto regional: prestígio do pan-americanismo e atitude conciliatória com os vizinhos. As relações Brasil-Argentina caminharam bem nos aspectos comercial e diplomático.
  • Foram firmados uma série de acordos comerciais com vários países, baseados na cláusula da nação mais favorecida, mas cuja maioria perdeu efeitos práticos já em 1935.

A Questão de Letícia

  • Tratado de Salomón-Lozano (1922): território de Letícia passou para a Colômbia.
  • O Brasil preocupava-se com os territórios a leste da linha Apapóris-Tabatinga, que poderiam vir a ser reivindicados pela Colômbia, que ficou com as terras a oeste, antes peruanas.
  • Ata de Washington (1925): Brasil retirava suas “ponderações” e o Peru reconhecia a linha Apapóris-Tabatinga como limite para solucionar seus problemas de fronteira.
  • A Colômbia reconheceu posteriormente a linha em troca de livre navegação no Amazonas e outros rios comuns.  Brasil e Colômbia assinaram em 1928 um tratado de limites considerando Apapóris-Tabatinga como divisória.
  • 1932: peruanos de Loreto, inconformados com a anexação pela Colômbia, invadiram Letícia.
  • O Peru inicialmente não apoiou o levante, mas mudou de opção e se opôs à tentativa da Colômbia de restabelecer a região com base no tratado de Salomón-Lozano, levando os países à iminência de uma guerra.
  • 1933: Peru e Colômbia firmam um acordo onde seria instalada uma Comissão Administradora pelos EUA, Espanha e Brasil, que administrou o território por um ano, enquanto Melo Franco liderava uma investida diplomática no RJ.
  • 1934: os dois países chegam a um acordo, aceitando o tratado Salomón-Lozano, graças à mediação do diplomata brasileiro. Acordaram ainda sobre navegação fluvial dos dois países, entre outras coisas, no chamado Protocolo do Rio de Janeiro e em uma Ata Adicional. O Brasil manteve assim a garantia da linha Apapóris-Tabatinga.

Mediação brasileira na Guerra do Chaco

  • A questão do Chaco remete ao século XIX, quando o rio Paraguai foi fechado para a Bolívia através do Tratado de Navegação, Comércio e Limites (1858) entre Argentina e Paraguai. Na década de 1930 havia perspectiva de se explorar petróleo na região, e aí o conflito se exacerbou.
  • 1928: primeiro choque armado entre Bolívia e Paraguai. Brasil manteve-se neutro, porque tinha tratados de limites com os dois países e, segundo Mangabeira, a diplomacia brasileira evitava “situações de relevo” e por sua posição de neutralidade não integraria a comissão designada para arbitragem.
  • 1929: Brasil trocou ratificações em seus tratados tanto com a Bolívia quanto com o Paraguai (firmado em 1927), a fim de adquirir “mais liberdade em face da questão do Chaco”.
  • Melo Franco desistiu de mediar o conflito, assim como os EUA em 1933, que não tinham interesse na região e queriam evitar atrito com a Argentina, que estaria apoiando o Paraguai. A questão foi transferida para a Liga das Nações.
  • Após inúmeras tentativas fracassadas de mediação, o Brasil resolveu exercer seu papel de mediador junto com outros países latino-americanos, principalmente a Argentina, resultando no Protocolo Sobre a Convocação da Conferência da Paz relativa ao conflito do Chaco assinado em 1935, cessando o conflito armado.
  • 1938: Conferência de Paz do Chaco, em Buenos Aires, firmou-se o Tratado Definitivo de Paz, Amizade e Limites.

O Estado Novo: reflexos diplomáticos

  • Iniciado em 1937, o Estado Novo no plano exterior não se alinhou ao Eixo, assim como não integrou o Pacto Anticomintern para não prejudicar sua relação com os EUA e em razão de pressão interna.
  • As relações Brasil-EUA não se abalaram, mesmo com a suspensão do pagamento da dívida externa, as diferenças de regimes e do acordo comercial com a Alemanha em 1936.
  • Osvaldo Aranha no MRE (1938-1944): agiu como contrapeso aos simpatizantes das potências do Eixo e defendia o incremento das relações com os EUA.
  • As expectativas de identidade dos dois regimes (Estado Novo e Reich) foram abaladas pela campanha de nacionalização, pela proibição da propaganda e da organização de partidos políticos (1937), além de o Estado Novo oficialmente encerrar as atividades do ramo brasileiro do Partido Nazista, e proibir atividades políticas a estrangeiros (1938). Isso gerou reação do embaixador alemão Karl Ritter, que tentou associar a questão com as relações comerciais entre os dois países.
  • Ação Integralista Brasileira (AIB): apoiada pelos teuto-brasileiros do sul do país, que assim contribuíam para fortalecer o nacionalismo. Não há provas contundentes de que recebia apoio de nazistas de Berlim, embora houve contato entre seus membros. O integralismo pregava a fusão das raças, ao contrário das teorias racistas. Foi colocada na ilegalidade em 1937.
  • Seção brasileira do Partido Nazista: não compartilhava os mesmos objetivos da AIB por considerá-la nativista e nacionalista; passou a ser combatida pelo Estado Novo.
  • A partir do final de 1938, a Alemanha já havia perdido espaço na América do Sul, diante da aproximação do Brasil com os EUA e a cooperação com países americanos.
  • Após 1937, a Itália aproximou-se do Estado Novo, cessando subvenções à AIB e mantendo com esta apenas contatos informais. Antes disso desenvolviam uma diplomacia paralela com o governo e com a AIB.
  • As relações com os Estados Unidos melhoraram após 1938, principalmente com Osvaldo Aranha à frente do MRE e pela crise nas relações com a Alemanha.

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial

  • 1939: Osvaldo Aranha apresenta a Vargas sua proposta de regras de neutralidade, um conjunto de sugestões de providências a serem tomadas no contexto da Guerra, tais como economia e racionalização de produtos indispensáveis, proibição da exportação de ferro etc.
  • Setembro, 1939: início das hostilidades, Brasil se declara neutro, porém tem dificuldades de vigiar todo seu litoral em razão da falta de capacidade militar brasileira; a neutralidade passou a ser pró-Inglaterra e França. Exportações e importações alemãs no Brasil declinaram e aumentaram as trocas com EUA e UK.
  • Equidistância pragmática (1935-1941): Brasil tentou tirar proveito da disputa entre os dois blocos existentes, através de vantagens comerciais. O governo realizava livre comércio com os EUA concomitantemente ao comércio compensado com a Alemanha, em ambos os casos assimétrico. No final de 1941, o Brasil abandona a equidistância e se alinha aos Estados Unidos.
  • A ambiguidade de Vargas nas vésperas do conflito era reflexo da divisão interna no governo entre pró-Eixo e pró-Aliados. Vargas e militares do governo mantinham-se neutros, mesmo quando em 1940 houve uma ofensiva nazista e quando já avançavam sobre países europeus neutros. Isso porque a Alemanha nos fornecia armamentos e pela posição dos militares alemães.
  • Missão Aranha (Fev/Março, 1939): o comércio compensado Brasil-Alemanha fazia crescer o intercâmbio comercial entre esses países, o que preocupava os americanos, que convidaram Osvaldo Aranha para tratar de regular as relações entre EUA e Brasil. O objetivo era assistência econômica em troca de ajuda no sistema de poder dos EUA, parte da política da boa vizinhança. Houve reaproximação dos dois exércitos, através de visitas de fundo político de militares americanos tentando atrair admiradores do Eixo no Brasil. A colaboração econômica não foi como esperada, por resistências internas, mas os EUA conseguiram neutralizar a influência alemã.
  • Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas (1939): conferência para adotar uma posição diante do conflito inaugurado, onde o Brasil adotou atitude conciliatória e defendeu o princípio do mar continental. Expediu-se uma declaração de neutralidade.
  • Brasil-Alemanha: a guerra e o bloqueio naval inglês prejudicaram as relações comerciais, mas o poder de barganha do Brasil ainda não estava esgotado.
  • Brasil-EUA: houve intermediação norte-americana junto aos ingleses para que as armas alemãs compradas pelo Brasil pudessem chegar ao país; em 1941 firmou-se um acordo para venda exclusiva de minerais estratégicos aos EUA; em termos militares houve discórdias como a presença de soldados norte-americanos no nordeste e na relutância dos EUA em fornecer armas ao Brasil. Mesmo assim, Getúlio permitiu em 1941 que empresa americana construísse e melhorasse aeroportos na costa nordestina e concedeu à Panair do Brasil construção e melhoria de aeroportos no litoral norte e nordeste, importante colaboração estratégica.

Relações comerciais

  • Política comercial ambígua a partir de 1934, recorrendo ao comércio compensado com a Alemanha e ao livre comércio com os EUA, através do tratado de 1935 baseado na cláusula da nação mais favorecida.
  • Comércio compensado: sistema em que importações e exportações eram feitas à base da troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas caixas de compensação de cada país. A desvantagem era que os marcos de compensação não geravam moeda disponível no Brasil para arcar compromissos com nações com quem tinha livre comércio. Ponto a favor é que atendia aos interesses dos militares de reaparelharem as Forças Armadas, possibilitando fornecimento de material bélico para o Brasil. Na prática seriam trocadas matérias primas por armamentos, mas isso não se efetivou depois do bloqueio inglês, pois o Brasil não recebeu todas as encomendas.
  • Tratado de 2 de fevereiro de 1935: concedeu-se favores alfandegários aos EUA que em troca reduziram barreiras a algumas mercadorias brasileiras. Opositores consideraram prejudicial à indústria brasileira, já favoráveis entendiam que o café tinha de ser protegido pela sua importância econômica. O acordo foi aprovado pelo Congresso, mas na prática beneficiou mais os EUA e inibiu a produção nacional.
  • Missão Sousa Costa (jun/julho, 1937): norte-americanos aceitaram o comércio compensado com a Alemanha e concordaram em dispensar tratamento diferenciado ao pagamento da dívida brasileira. A intenção dos EUA era manter sua influência global sobre o Brasil, deveu-se a objetivos estratégicos mais amplos.
  • O comércio com a Alemanha declinou a partir de 1939 e aumentou o estreitamento com os EUA → a guerra regionalizou as relações comerciais do Brasil e diminuiu o nível de especialização da economia. Também aumentaram as reservas e houve utilização intensiva de maquinaria nacional.

O projeto siderúrgico

  • A questão da usina siderúrgica era vista como crucial para o desenvolvimento econômico nacional.
  • O Brasil tentou negociar com os EUA a consolidação de tal projeto, oferecendo cooperação em termos de defesa hemisférica através do “saliente nordestino” e gostaria de receber em troca vantagens para o desenvolvimento nacional, como recursos e tecnologia para a construção da usina de Volta Redonda, além do desejo de reequipar as Forças Armadas. Não havia, entretanto, interesse das firmas americanas.
  • Getúlio tenta barganhar tal cooperação ao fazer constar que procuraria tal ajuda com a Alemanha e manifestou isso no seu discurso de 11/06/1940 a bordo do encouraçado Minas Gerais, elogiando os sistemas totalitários.
  • No discurso de 29/06/1940, novamente elogiou o totalitarismo e tentou justificar o Estado Novo, como forma de demonstrar aos EUA que caso eles não cooperassem militar e economicamente, havia interesse de fazê-lo com os alemães.
  • Os discursos tiveram efeito e Osvaldo Aranha envia aos EUA uma delegação que concluiria um acordo entre os dois países sobre ajuda financeira (via Eximbank) e tecnológico para a construção da siderúrgica no Brasil.
  • Para os EUA, a implantação da siderurgia significava contraposição à influência econômica/militar alemã e posterior aumento da presença comercial norte-americana no Brasil.

A participação no conflito

  • Cresceu a importância do nordeste brasileiro no “sistema defensivo norte-americano”, em razão da presença de tropas do Eixo no noroeste da África. Vargas aproveita para negociar seu alinhamento a um dos blocos.
  • O ataque japonês a Pearl Harbor (dez 1941) alterou a conjuntura e o Brasil em janeiro de 1942 iria alinhar-se aos EUA e prestar sua solidariedade, rompendo relações com o Eixo sob a promessa norte-americana de reequipar as Forças Armadas brasileiras → início de uma etapa de “colaboração no relacionamento entre os dois países”, com efeitos posteriores.
  • Não havia muita saída para o Brasil, pois não poderia contar com o reequipamento das Forças Armadas pelos alemães, em razão do bloqueio naval inglês e do desenrolar do conflito.
  • Ocorreu intensa colaboração EUA-Brasil: venda de armas e munições a preço de custo, capital para assumir controle de 2 companhias aéreas (Condor e Lati) e capital para desenvolvimento da indústria extrativa mineral de importância militar; cooperação comercial e bancária e na área de espionagem. Em troca o Brasil autorizou o uso das bases militares de Belém, Natal e Recife pelos EUA.
  • Represália alemã: ataques a navios brasileiros por submarinos do Eixo (fev 1942) como tentativa de interromper o intercâmbio entre EUA e Brasil.
  • 31 de agosto de 1942: Brasil declara “estado de beligerância” contra a Alemanha e a Itália. Brasil passa ao lado dos Aliados, cooperando com o fornecimento de materiais estratégicos e cedendo as referidas bases militares.
  • Visita de Roosevelt em Natal (jan 1943): Vargas insiste no fornecimento de equipamentos para as Forças Armadas.
  • Vargas era favorável à presença de tropas brasileiras no “teatro de operações”, em razão do rearmamento e de uma maior presença nas conferências de paz.
  • Criou-se a Comissão Mista de Defesa Brasil-EUA para coordenar a cooperação militar. Nela o Brasil insistia em reforçar a defesa do Nordeste, num contexto em que os Aliados já haviam ocupado o noroeste da África. Decidiu-se que as forças terrestres brasileiras seriam incorporadas ao comando norte-americano. Em 1943, a Marinha incorporou-se à Quarta Esquadra norte-americana.
  • A participação direta no conflito refletia a busca por reequipar o Exército, aumentar o efetivo treinado e a indústria bélica, com o objetivo de transformar o Brasil numa “potência fortemente aparelhada para a guerra”.
  • Resultados: o Exército e a Força Aérea foram modernizados e equipados numa escala superior à anterior; houve aumento do prestígio internacional do país e do nacionalismo interno.