Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas

LOPES, Francisco L. Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas. Revista de Política Econômica, v. 05, n. 02, p. 135-151, 1985.

  • Apesar de todos os esforços feitos pelo governo para reduzir a inflação que em 1984 estava em 200% ao ano, ela continua estabilizada, fato que, segundo Lopes, significa que o caráter da inflação é “predominantemente inercial”. Ele vai mais longe e afirma que toda inflação crônica é “sempre predominantemente inercial”.

INFLAÇÃO INERCIAL

Componentes do Processo Inflacionário: Choques e Tendência

  • Choques inflacionários: são determinados impulsos inflacionários ou deflacionários que contribuem para o ritmo de elevação dos preços e que resultam de ações dos agentes econômicos (exitosas ou não) com vistas a alterar os preços relativos.
  • Tendência inflacionária: é uma componente de inflação pura, resíduo não explicado pelos choques.
  • Natureza da tendência inflacionária:
    1. Literatura convencional: explica a tendência com base nas expectativas inflacionárias.
    2. Hipótese alternativa (defendida pelo autor): explica a tendência em termos da “inércia inflacionária que resulta de um padrão rígido de comportamento dos agentes econômicos em economias cronicamente inflacionadas”.
      • Alguns autores demonstram que a importância quantitativa dos choques de demanda é pequena quando comparada aos níveis correntes de inflação. Para se combater uma inflação de 3 dígitos fica fora de questão, segundo Lopes, instrumentos convencionais de controle da demanda agregada, exceto se se acredite que eles afetem o mercado através de repercussões sobre a tendência.
      • Outros autores dedicam-se aos choques de oferta que, quando desfavoráveis, produzem impulsos inflacionários. Lopes interpreta que a máxi de fevereiro de 1983 foi responsável pelo aumento de 100% da inflação.
      • Conclusão: “um programa efetivo de combate à inflação brasileira atual [1985] tem que se basear menos na geração de choques deflacionários que em políticas que atuem diretamente sobre a tendência inflacionária.” (p. 136)

Tendência Inflacionária e Expectativas

  • Teoria expectacional da tendência inflacionária: a inflação pode ser explicada como resultante de choques inflacionários (de demanda ou oferta) e expectativas, demonstrado através de uma curva de Philips aceleracionista.
  • Ideia das expectativas racionais (MUTH, 1961): as expectativas, ao invés de serem formadas com base em valores da variável observada no passado, resultam da intuição dos agentes econômicos sobre a trajetória futura de equilíbrio da economia.
  • Combate à inflação: combinação de credibilidade e boa (ou austera) gestão da política econômico-financeira do governo.

Se a configuração dos instrumentos de política econômica for alterada de modo a viabilizar uma trajetória de equilíbrio de longo prazo da economia compatível com o valor desejado da taxa de inflação, e os agentes econômicos acreditarem que esta nova configuração será efetivamente mantida no futuro, a tendência inflacionária, que é determinada pela expectativa racional da taxa de inflação, assumirá imediatamente este valor desejado. (LOPES, 1985, p. 137)

A Hipótese da Inflação Inercial

  • A teoria alternativa defendida pelo autor enfatiza a “natureza inercial da tendência inflacionária”, ou seja, na ausência de choques a inflação vigente é determinada pela passada independente das expectativas.
  • Hipótese inercial sobre a tendência inflacionária: num ambiente cronicamente inflacionário, os agentes econômicos desenvolvem um comportamento fortemente defensivo na formação de preços, que em condições normais é uma tentativa de recompor o pico anterior de renda real no momento de cada reajuste de preço. Quando todos os agentes adotam esta estratégia de recomposição periódica dos picos, a taxa de inflação existente tende a se perpetuar: a tendência inflacionária torna-se igual à inflação passada.
  • Hipótese da inflação inercial: em termos de salários, supondo-se a totalidade dos agentes econômicos, a tendência inflacionária (que é a taxa de inflação que vigora com preços relativos constantes) tende a reproduzir a taxa de inflação passada quando os agentes tem um comportamento defensivo dos seus picos de renda real → teoria da recomposição defensiva dos picos de renda.
  • Existe um comportamento aparentemente irracional: o agente econômico tenta defender seu pico de renda real ao invés de sua renda real média. Ainda, o agente resiste a uma redução da renda real média que resulte da manipulação do pico de renda real, mas aceita dentro de certos limites uma redução da renda real média que resulte de elevação da taxa de inflação. Essa “rigidez” não é compatibilizada com o postulado da racionalidade dos agentes econômicos, segundo Lopes.
  • Qual a relação entre inflação inercial e indexação de salários? Para o autor, são “fenômenos logicamente independentes” e que a inércia inflacionária surge em economias de inflações crônicas independentemente da indexação.
  • A simples eliminação dos mecanismos de desindexação seria uma “desindexação ilusória”, já que a mecânica fundamental da inflação inercial não seria eliminada. A indexação formal pode ser utilizada como elemento estabilizador da inflação inercial, porque impede a recomposição plena dos picos de renda real ou impede a redução do intervalo de tempo entre reajustes quando a inflação acelera.

HIPERINFLAÇÃO

  • O autor apresenta os casos de hiperinflação da Áustria (1921-22) e da Alemanha (1922-23) e afirma que o grande desafio que as hiperinflações apresentam ao modelo da inflação inercial é justamente seu “fim surpreendentemente abrupto”.
  • O término abrupto pode soar como evidência em favor do modelo expectacional da inflação, como aponta Sargent (1983) para algumas medidas de austeridade monetária e fiscal que foram tomadas “mais ou menos contemporaneamente” ao fim das hiperinflações. Nos casos analisados, entretanto, isso não ocorreu, e a política monetária parece ter sido passiva em todo o período.

O Fim de uma Hiperinflação

  • A redução do intervalo de reajuste provocando queda do pico de renda real torna-se dominante a partir de certa fase do processo inflacionário quando a moeda de curso legal começa a ser substituída por moedas estrangeiras.
  • A renda real torna-se independente da taxa de inflação, dependendo apenas da taxa de câmbio real. Acontece como se o agente tivesse reduzido a zero a dimensão de seu intervalo de reajuste, fazendo sua renda real média ser igual ao pico da renda real, qualquer que seja a taxa de inflação.
  • Se a maioria dos agentes mudar para moeda estrangeira a níveis de renda incompatíveis com a situação vigente anteriormente, a taxa de câmbio real vai se valorizar, com valorização da taxa de inflação acima da taxa de desvalorização do câmbio nominal → combinação de valorização do câmbio real e choque inflacionário.
  • EXPLICAÇÃO: Na fase final do processo os agentes repudiam cada vez mais a moeda local passando a utilizar a moeda estrangeira; a taxa de inflação da moeda doméstica torna-se progressivamente menos representativa da taxa de inflação relevante para a média dos agentes econômicos; a taxa relevante de inflação pode estar declinando muito antes da estabilização; na fase final, a moeda local praticamente desaparece e todas as transações são em moeda estrangeira e nesse ponto a melhor medida para a taxa de inflação é a taxa de câmbio real; o evento final da estabilização em termos da moeda doméstica é a fixação pelo governo da taxa de câmbio nominal, o que torna ela um substituto aceitável da moeda estrangeira; os preços voltam a ser cotados na moeda nacional com base na sua paridade fixa com a moeda estrangeira; a taxa de inflação em termos da moeda doméstica é igual à inflação efetiva em termos da moeda estrangeira, caindo abruptamente.
  • A forma repentina que se dá o fim da hiperinflação é apenas “ilusória” para o autor. “Acreditamos que a tendência inflacionária não se altera bruscamente, mas provavelmente tende a dissolver-se mais ou menos lentamente à medida que os agentes econômicos passar a utilizar alguma moeda estrangeira cada vez mais intensamente como unidade de conta e meio de transação.” (p. 145)

DESINFLAÇÃO

O Desafio da Desinflação

  • Quanto maior a taxa de inflação, maior a demanda (econômica ou política) por indexação e, consequentemente, maior a vulnerabilidade do sistema a choques de oferta. Uma taxa de inflação alta tende a produzir indexação mais intensa, o que por sua vez aumenta o risco de aceleração inflacionária.
  • É importante desenhar mecanismos que nos permitam quebrar a tendência inercial da inflação:
    1. O choque heterodoxo: congelamento total e generalizado de preços e rendimentos acompanhado de políticas monetárias e fiscais passivas. A proposta de Lopes é um congelamento temporário seguido de fase de descompressão com controle de preços. O congelamento pode produzir resultados extraordinários em termos de inflação, mas ao custo de “distorções no sistema produtivo”, que resultam em mecanismos extramercado e movimentos especulativos e para evitá-las seriam necessárias ressincronizações de reajustes. As dificuldades políticas do congelamento seriam menores se fosse possível anunciar a decisão bem antes de sua aplicação efetiva, porém isto detonaria movimentos especulativos que poriam em risco a viabilidade do programa.
    2. A moeda indexada: introdução de uma nova moeda indexada, o novo-cruzeiro, com uma taxa de conversão oficial em relação ao cruzeiro que é atualizada diariamente de acordo com a variação pro-rata-ida da ORTN do mês (proposta de Lara Resende). Como forma de estímulo à fixação de preços em termos da nova moeda, o governo deixaria a partir de certo ponto de publicar índices em preços em termos da moeda velha, estabelecendo uma taxa de desvalorização diária do cruzeiro em relação ao novo-cruzeiro, o que leva a economia a fazer uma “transição voluntária” para o novo-cruzeiro, em termos do qual toda a inflação inercial anteriormente existente teria sido eliminada. A chave para o sucesso seriam as fórmulas de conversão baseadas em valores reais médios que o governo imporia a si próprio e aos trabalhadores, mas na prática seria impossível fazer a conversão pela média para todos os preços. O que se pretende com a introdução da moeda indexada é reproduzir o mecanismo de autodestruição da hiperinflação sem passar por uma efetivamente. O problema desse programa é que a taxa de inflação na velha moeda, caso não funcione, será integralmente transformada em igual taxa de inflação na nova moeda.
    3. Uma reforma monetária com desindexação total: i) introduzida uma nova moeda, o cruzeiro-ouro, que passará a ser a única moeda legal de curso forçado após breve período de transição; ii) todas as transações financeiras e depósitos passam imediatamente a ser obrigatoriamente contabilizados em cruzeiro-ouro; iii) fica estabelecida uma taxa de câmbio fixa entre o cruzeiro-ouro e o dólar; iv) os preços administrados pelo governo são imediatamente fixados em cruzeiro-ouro com base no seu valor real médio dos seis meses anteriores à reforma; v) em qualquer momento no período de transição os contratos privados podem ser livremente recontratados em termos de cruzeiro-ouro, valendo para salários, alugueis e prestação de serviços; vi) a partir da introdução, o cruzeiro-ouro será moeda legal de curso forçado podendo ser utilizado em qualquer transação no território nacional; vii) a partir do início do programa o sistema de controle de preços será acionado para impedir aumentos especulativos de preços; viii) durante os 15 meses seguintes ao início do programa fica proibida a celebração de qualquer tipo de contrato com cláusula de indexação.

 

Porter’s Five Forces

  • Estratégia de negócios: é um processo em que se analisam as implicações das mudanças no meio ambiente que modificam o modo como uma organização reage a elas.
  • De acordo com Johnson et al (2009), estratégia é “a direção e o escopo de uma organização sobre o longo prazo, adquirindo vantagem na mudança do meio através de sua configuração de recursos e competências”.
  • A tomada de decisão estratégia de uma organização depende de 4 aspectos: analisar, acessar, assessorar e ajudar. tomada-de-decisao-estrategica
  • O planejamento estratégico envolve cinco ferramentas de análise de negócios amplamente utilizadas: PESTLE, As Cinco Forças de Porter, Boston Box, SWOFT e Ansoff. As duas primeiras preocupam-se com o ambiente externo.

Análise das Cinco Forças de Porter

  • O modelo foi criado em 1979, quando Porter identificou cinco forças-chave que determinavam a atratividade fundamental de um mercado ou um setor de mercado no longo prazo. Permite às organizações analisar sua indústria levando em conta as atividades de seu competidor. Um dos aspectos cruciais dessa técnica consiste na habilidade da organização de definir o seu mercado adequadamente. Ainda, analisa as forças que o competidor pode exercer sobre seu mercado e como isso pode afetar sua organização e seu sucesso no longo prazo.
  • É importante, portanto, conhecer os seus competidores, mas há outras ameaças, como os novos participantes e as novas tecnologias.
  • O modelo considera, assim, as cinco forças que determinam a “atratividade” de seu mercado através da análise da “intensidade da competitividade”. Atratividade refere-se à rentabilidade total da indústria, a qual pode ser acessada olhando-se para as oportunidades e riscos potenciais.
  • Os cinco fatores chave para identificar e avaliar potenciais oportunidades e riscos são:
    1. Rivalidade competitiva
    2. Ameaça de novos participantes
    3. Ameaça de substitutos
    4. Poder de barganha dos fornecedores
    5. Poder de barganha dos consumidores
  • O método foi desenvolvido para ser usado no nível “line-of-business”, o que significa que se aplica a um conjunto de um ou mais produtos altamente relacionados que servem a uma transação específica de cliente ou a uma necessidade de comércio.
  • Se a organização possui um portfólio diverso de produtos e serviços, deverá estabelecer modelos separados para cada uma dessas áreas. O modelo não é apropriado para ser usado no “nível total dos negócios”.
  • As organizações usam a Análise das Cinco Forças para auxiliá-las na avaliação qualitativa de sua posição estratégica no início do desenvolvimento de um processo, por exemplo, de entrada em um novo mercado.
  1. RIVALIDADE COMPETITIVA: é essencial conhecer as diferenças entre os rivais para a longevidade de uma organização e para desenvolver uma estratégia. Para isso são amplamente utilizados dois índices que servem para julgar a sua margem de competitividade e dos rivais: a CRx (Concentration Ratio) e o HHI (Herfindahl-Hirschamn Index). Nos setores onde há baixa CRx há muitos rivais e nenhuma organização tem um substancial “market share”, por isso a competição é alta. O HHI mede o tamanho das organizações em relação à indústria e indica a quantidade de competição entre elas. Quanto mais próximo de zero o HHI, maior é o nível de competição dentro do setor.

Fatores que afetam a rivalidade competitiva:

  • Grande número de firmas
  • Crescimento lento do mercado
  • Altos custos fixos
  • Altos custos de armazenagem
  • Baixos custos de troca
  • Baixos níveis de diferenciação de produto
  • Altas barreiras de saída

Estratégias comuns para proteger o market share:

  • Alterar a política de preços
  • Fomentar a diferenciação do produto
  • Buscar formas de usar o canal de distribuição de forma mais criativa
  • Explorar as relações com os fornecedores
  • Melhorar os níveis de serviço

2. AMEAÇA DE NOVOS PARTICIPANTES: um mercado que possui uma base tecnológica comum, pouca consciência e lealdade à marca e cujos canais de distribuição são acessíveis a todo tipo de organização provavelmente será fácil para novos rivais entrarem.

O número de novos participantes num mercado será baixo se houver barreiras à entrada criadas por:

  • Governos
  • Patentes e conhecimento patenteado
  • Especificidade do bem
  • Economias de escala internas
  • Barreiras de saída

3. AMEAÇA DE SUBSTITUTOS: um produto substituto é um produto de outra indústria que oferece benefícios ao consumidor similares àqueles do produto produzido pelas firmas dentro da indústria. Quanto mais substitutos são oferecidos em um mercado, mais sensíveis ou “elásticos” os consumidores serão às mudanças no preço de um produto, devido às possibilidades de alternativa. A disponibilidade de substitutos pode tornar a indústria mais competitiva e declinar o lucro potencial das firmas na indústria.

A ameaça de substitutos é alta quando:

  • Custos de troca para o consumidor são baixos
  • O produto substituto é mais barato que o produto da indústria
  • A qualidade do produto substituto é igual ou superior ao do da indústria
  • A performance do produto substituto é igual ou superior a do da indústria

4. PODER DE BARGANHA DOS FORNECEDORES: as relações com os fornecedores estão imersas em uma distribuição de poder que tende em favor dos fornecedores, que usam sua influência para ditar preços e disponibilidade. É necessário acessar a balança de poder dentro do próprio mercado como parte do uso do modelo de Porter.

O poder de barganha do fornecedor é alto onde:

  • Há poucos fornecedores e muitos compradores
  • O custo de troca do produto de um fornecedor para outro é alto
  • Os fornecedores podem começar a produzir eles próprios o produto do comprador
  • O comprador não é sensível aos preços e é ignorante em relação ao produto
  • O produto do fornecedor é altamente diferenciado
  • O comprador não representa uma larga fatia das vendas do fornecedor
  • Produtos substitutos não estão disponíveis no mercado

5. PODER DE BARGANHA DOS CONSUMIDORES: quando os consumidores ou compradores tem uma posição forte eles podem pressionar o mercado e demandar melhor qualidade e preços mais baixos.

Fatores que aumentam o poder de barganha dos consumidores:

  • Consumidores são mais concentrados que vendedores
  • Custos de troca para consumidores são baixos
  • O consumidor é bem educado a respeito do produto
  • O consumidor é sensível aos preços
  • Uma grande fatia das vendas dos vendedores é de compras de consumidores
  • O produto ou serviço do próprio consumidor é afetado
  • Há pouca diferenciação entre os produtos
  • A ameaça de “backward integration” é alta.

CRÍTICAS AO MODELO

  • O ritmo das mudanças é muito lento: atualmente mudanças na tecnologia ocorrem regularmente e seus impactos são virtualmente instantâneos e podem causar significantes disrupções no mercado.
  • A estrutura do mercado é fantasiosamente estática: hoje poucas estruturas de mercado são estáticas e com a entrada de novos participantes, a disponibilidade de capital do tipo venture, barreiras à entrada e relacionamentos na cadeia de suprimentos podem alterar as condições de modo que o modelo se adapte para manter sua posição no mercado.
  • Provê somente uma porção do ambiente ou de um mercado particular: o modelo, entretanto, oferece sugestões sobre onde os desafios e ameaças à organização são mais prováveis de ocorrer através do exame dos substitutos.
  • A definição de “indústria” é complicada: por exemplo, o Walmart, deveria ser classificado em “general retailing market” ou deveria se considerar cada grande linha de produto separadamente, e, se sim, em que grau?
  • As forças que influenciam não são somente as do mercado: é preciso estar consciente, entender as implicações e responder às legislações governamentais, à ética corporativa e a responsabilidades sociais. Além disso, influenciam na estratégia a cultura interna e o “ethos” da organização.
  • O modelo é mais aplicável para a análise de estruturas de mercado simples.
  • O modelo assume que o mercado é competitivo.

Cuba since 1959

DOMINGUEZ, Jorge. Cuba since 1959. In: BETHELL, Leslie (Ed.). Cuba: A Short History. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 95-156.

  • Dominguez nos dá um panorama no mínimo peculiar da Revolução Cubana, considerando que ela aconteceu “somewhat unexpectedly” e dando margem à interpretação de que a queda de Batista foi um fenômeno isolado do movimento de guerrilha. Como o próprio autor diz “suddenly Batista was gone” e o poder simplesmente teria passado de uma mão para outra, agora para uma nova geração de cubanos.
  • O antigo regime colapsou e agora eram necessárias novas normas, regras e instituições. Esse processo iniciou através do desmantelamento do Exército oficial e dos partidos políticos, restando apenas o Partido Socialista Popular (PSP). Os próximos trinta anos, a partir de 1959, demandariam criatividade revolucionária, persistente comprometimento para criar ordem na revolução e compromisso com os ideais revolucionários.

A Consolidação do Poder Revolucionário (1959-62)

  • Os EUA viram com preocupação o que ocorria em Cuba, em razão da importância estratégica e econômica da ilha para os interesses norte-americanos. Ademais, em 1959, Cuba recebia o maior número de investimentos norte-americanos que qualquer outro país da América Latina, com exceção da Venezuela, além de, em termos de comércio, os EUA absorverem 2/3 das exportações cubanas e fornecerem ¾ das importações.
  • Inicialmente, Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho, bem como outras forças revolucionárias, buscaram afirmar o nacionalismo em Cuba e as críticas aos EUA eram limitadas, segundo o autor, por motivos táticos, durante a fase de guerrilha.
  • As relações Cuba-EUA estavam pautadas, no início da Revolução, por três pontos:
    1. Havia desconfiança e raiva com relação às críticas norte-americanas sobre os eventos em Cuba. As relações tornaram-se pobres em razão do choque entre os valores dos revolucionários e os dos norte-americanos.
    2. Impacto inicial da Revolução nas firmas norte-americanas operando em Cuba. Os conflitos em decorrência da aplicação da reforma agrária se deram principalmente com a expropriação de terras de proprietários estrangeiros; tais “conflitos agrários locais” azedaram as relações EUA-Cuba.
    3. Mudança de atitude cubana com relação ao investimento estrangeiro privado e ajudas econômicas estrangeiras oficiais. Inicialmente Castro deu boas-vindas ao investimento estrangeiro e realizou uma visita oficial aos EUA, a qual segundo o autor, serviu para ganhar tempo para transformações mais amplas de uma forma específica que ainda estava incerta. Entretanto, um pequeno grupo de revolucionários concluíram que o choque com os EUA era inevitável.

A revolution would require the promised extensive agrarian reforms and probably a new, far-reaching state intervention in the public utilities, mining, the sugar industry and possibly other manufacturing sectors. Given the major U.S. investments in these sectors, and United States hostility to statism, revolution at home would inevitably entail confrontation abroad. (BETHELL, 1993, p. 98)

  • Junho de 1959: aprovada a Lei de Reforma Agrária, resultando na perda de apoio dos moderados. No mesmo mês, Guevara entra em contato pela primeira vez com a União Soviética, embora naquele momento o comércio bilateral com Cuba fosse insignificante.
  • As relações entre Cuba e EUA continuam a se deteriorar na segunda metade de 1959 por pequenos episódios em que um acusava o outro.
  • Em março de 1960 Eisenhower autorizou a CIA a organizar treinamento de exilados cubanos para uma futura invasão de Cuba.
  • Junho de 1960: refinarias estrangeiras recusam-se a processar o petróleo cru importado por Cuba da URSS. Castro então as expropria. No mesmo mês, o Congresso norte-americano autorizava o presidente a realizar cortes na compra da cota de açúcar de Cuba. Como resposta, Cuba expropria todas as propriedades norte-americanas em seu território.
  • Julho de 1960: Eisenhower cancelou a cota de açúcar de Cuba. Como resposta, seguem-se expropriações de empreendimentos norte-americanos nos ramos industrial e agrário, bem como confisco de todos os bancos dos EUA em Cuba. A reação dos EUA foi proibir exportações para Cuba, exceto gêneros alimentícios não subsidiados e medicamentos.
  • Janeiro de 1961: os EUA rompem formalmente relações diplomáticas com Cuba.
  • Em contraste, as relações com a URSS foram aprofundadas no mesmo período. Em 1960 foram assinados acordos bilaterais nas áreas econômica e militar. A URSS estava disposta a defender Cuba de uma possível invasão norte-americana e esta crescente colaboração militar Cuba-URSS aguçou as hostilidades dos EUA em relação a Havana.
  • A rápida e dramática mudança nas relações Cuba-EUA foi acompanhada pela reorganização dos assuntos econômicos e políticos internos de Cuba, a qual gerou dentre outras consequências uma migração massiva para os EUA. Politicamente, essa comunidade de exilados vai formar uma forte força anticomunista.

Most emigrantes came from the economic and social elite, the adult males typically being professionals, managers and executives, although they also included many white-collar workers. On the other hand, skilled, semi-skilled and unskilled workers were under-represented relative to their share of the work force, and rural Cuba was virtually absent from this emigration. This upper-middle- and middle-class emigration was also disproportionately white. (BETHELL, 1993, p. 100)

  • Esses exilados vão chamar a atenção do governo norte-americano, que vai passar a auxiliá-los na derruba de Castro. Em março de 1961, diversos líderes-chave dos exilados concordaram em formar um Conselho Revolucionário, cuja Brigada 2506 estava sendo treinada na Nicarágua e Guatemala. A administração Kennedy herdou o plano para a invasão do governo anterior e concordou em permitir à força de invasão treinada pela CIA avançar, tomando cuidado de que as forças norte-americanas não fossem utilizadas, de forma similar ao golpe dado em Arbenz na Guatemala em 1954. Esse episódio foi a invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, que foi derrotada em 48 horas pelas forças cubanas. Essa vitória de Castro foi importante para consolidar a revolução socialista.
  • A defesa de uma revolução radical em face ao ataque dos EUA demandava, segundo o autor, suporte da URSS. Em dezembro de 1961, Castro declara-se marxista-leninista e em julho de 1962, Raúl Castro, Ministro das Forças Armadas, viaja à URSS para garantir suporte militar adicional soviético. Em outubro de 1962, a URSS instalou 42 mísseis balísticos de médio alcance em Cuba, gerando uma crise nuclear sem precedentes desde o lançamento das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. O desfecho da crise, entretanto, deu-se sem prévia consulta a Cuba, onde a URSS retirava suas forças estratégicas e em troca os EUA comprometiam-se a não invadir Cuba. Um entendimento sobre a questão veio a governar as relações EUA-URSS sobre Cuba. Como consequência, segundo o autor, ambos Fidel Castro e os oponentes exilados perderam o apoio de suas superpotências aliadas.
  • O ponto de inflexão na política interna de Cuba ocorreu em outubro e novembro de 1959, ou seja, antes de romper com os EUA ou dos primeiros tratados com a URSS. Os ingredientes internos dessa mudança, segundo o autor, foram a eliminação de muitos não-comunistas e anticomunistas da coalizão original e o choque do regime com os negócios. “Uma nova liderança consolidou a ordem centralizada e autoritária.” (p. 105)
  • Conforme os conflitos internos e internacionais aprofundaram-se durante 1960 e 1961, o governo desenvolveu seu próprio aparato organizacional. Tendo obtido controle sobre a FEU (Federación Estudiantil Universitaria) e a CTC (Confederación de Trabajadores Cubanos), a liderança estabeleceu uma milícia com dezenas de milhares de membros para construir apoio e intimidar inimigos internos. Nesse contexto, foram importantes a FMC (Federación de Mujeres Cubanas) e os CDR (Comités de Defensa de La Revolución), espalhados em cada cidade, quadra, fábrica ou centro. Em 1961 foi criado um novo partido comunista, a ORI (Organizaciones Revolucionarias Integradas), com membros do antigo Partido Comunista, o PSP. Os membros do PSP trouxeram conhecimento teórico sobre o marxismo-leninismo para a ORI, bem como funcionavam de ponte entre a liderança e a URSS. Em 1963, a ORI torna-se o PURS (Partido Unido de La Revolución Socialista).

Políticas Econômicas e Desempenho

  • A política econômica dos primeiros anos da Revolução era de uma rápida industrialização, pois a ultradependência na indústria de açúcar era vista como sinal de subdesenvolvimento. Essa estratégia foi arquitetada por Guevara enquanto Ministro das Indústrias.
  • Um plano de desenvolvimento foi formulado com a ajuda da União Soviética e países do Leste Europeu, mas, de acordo com Dominguez, Cuba não estava preparada para uma economia centralmente planificada. Os planos previam metas ambiciosas, mas o resultado foi que a economia colapsou em 1962, aprofundando-se em 1963, com a queda da produção de açúcar. A importação de maquinário e equipamento para a acelerada industrialização, associado ao declínio nas exportações de açúcar, geraram uma crise no balanço de pagamentos.
  • Em junho de 1963, Castro anuncia uma nova estratégia, desta vez voltada para a produção de açúcar e diminuindo os esforços para a industrialização. As expectativas em torno da colheita de 1970 eram grandes e mobilizaram todos os cubanos em um espírito nacionalista. A expectativa era de elevar para 10 mi de toneladas, mas alcançaram 8.5 mi.
  • De 1963 a 1970, ocorreu um debate de alto nível sobre a “natureza da organização econômica socialista”. Havia, de um lado, Guevara, que arguia que a parte da economia nas mãos do Estado era uma única unidade. A lei do mercado deveria ser eliminada para mover rapidamente para o comunismo e, nesse sentido, o planejamento central era crucial. De outro lado, argumentava que a parte da economia cubana possuída pelo Estado era uma variedade de empreendimentos independentes de posse do Estado e operado por ele. Dinheiro e créditos eram necessários para manter controles efetivos sobre a produção e avaliar o desempenho econômico. O primeiro modelo, portanto, requeria “extraordinary centralization”, já o segundo conferia maior autonomia para cada firma.
  • O debate foi encerrado com a saída de Guevara do Ministério das Indústrias em 1965, em suas jornadas na África e América Latina. Suas políticas, entretanto, foram totalmente adotadas e sua implementação foi levada aos extremos. O autor atribui, aí, a “calamidade” do desempenho econômico nos anos 1960 à “visão equivocada” de Guevara bem como ao caos administrativo desencadeado por Fidel Castro, como ele próprio reconheceria no discurso de 26 de julho de 1970.
  • O modelo requeria a centralização total da economia. Em 1963, houve uma nova lei de reforma agrária, passando 70% das terras para as mãos do Estado. O “clímax da coletivização”, segundo o autor, ocorreu em 1968 quando lojas, restaurantes, bares, etc passaram para o domínio e gerência do Estado. Paradoxalmente, o planejamento foi abandonado e, somente um plano setorial foi implementado de 1966 em diante, mas com poucos efeitos. O autor tece um panorama caótico da economia dos anos 1960 em Cuba.
  • As mudanças na política trabalhista foram igualmente “dramáticas”. A mudança dos incentivos materiais para uma ênfase nos “incentivos morais” significava que a consciência revolucionária do povo garantiria um aumento da produtividade, da qualidade e reduções dos custos. Os trabalhadores eram pagos da mesma forma, independente dos esforços ou qualidade e o dinheiro era visto como fonte de corrupção capitalista.
  • Tais mudanças foram acompanhadas de uma mudança estrutural maior no mercado de trabalho. O desemprego despencou, porque nos anos 1960 muitos desempregados foram alocados em empreendimentos do Estado, mas Cuba passou a sofrer com falta de mão-de-obra. “Inefficiency and under-employment were institutionalized in the new economic structures”. A produtividade por trabalhador despencou, enquanto emprego aumentava e a produção declinava. Havia, ainda, o fator sazonal da produção de açúcar. A interpretação do autor é curiosa, pois considera que o fato de o governo cubano ter empregado todos os trabalhadores durante todo o ano foi um dos incentivos para que eles “trabalhassem menos”.
  • Os incentivos morais, para Dominguez, não eram suficientes. O governo passou então a mobilização das massas para trabalhar nos campos de cana e outros setores da economia. Essa mobilização contou com voluntários e por membros das Forças Armadas, que, após derrotarem as forças internas em 1966, passaram a atuar diretamente nas atividades econômicas produtivas.
  • Nos anos 1970 o crescimento econômico de Cuba era sombrio. Duas duras recessões marcaram o início e o fim da década. Castro assumiu responsabilidade pelo desastre e mudou a polícia econômica. Um alívio para Cuba veio do mercado internacional, onde os preços do açúcar subiram de 3,68 centavos de dólar para 29,60 centavos em 1974, contribuindo para uma melhoria no desempenho econômico na primeira metade da década de 1970.
  • Paralelamente, ocorreu uma reforma interna na organização econômica, passando a adotar o modelo soviético. Assim, reapareceu em Cuba o planejamento central macroeconômico, levando a adoção de seu primeiro plano quinquenal em 1975, o qual, segundo o autor, foi “mais realístico que qualquer coisa que o governo tinha adotado antes” (p. 112).