Diversificação, competências e coerência produtiva

BRITTO, J. Diversificação, competências e coerência produtiva. In: KUPFTER, D.; HASENCLEVER, L. (orgs). Economia Industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2002. Cap. 14. p. 307-343.

  • O conceito de empresa derivado das visões institucionalistas/schumpeterianas identifica um contínuo crescimento, em razão da capacidade interna de geração de lucros e da realização do potencial de acumulação gerado em razão dos investimentos. Ou seja, a empresa obriga-se a reinvestir produtivamente os lucros gerados e mobiliza recursos da sua acumulação interna ou de fontes externas de financiamento.
  • Fenômeno da diversificação: refere-se à expansão da empresa para mercados distintos do da sua área. Permite superar os limites de seus mercados concorrentes e ampliar o potencial de acumulação, que influencia o crescimento da empresa.

Caracterização e mensuração do fenômeno

  • A diversificação é um processo que se confunde com o crescimento empresarial, que é analisado a partir das interações entre estrutura-conduta-desempenho. A origem disso está na concorrência intercapitalista, que obriga as empresas a diversificarem seus campos de atuação, com impactos sobre a lógica do processo de expansão para novos mercados. Quando viabilizada, a diversificação amplia o espaço da concorrência para além de mercados particulares, permitindo às empresas manter suas posições relativas ante outras também diversificadas.
  • Uma série de fenômenos internos à empresa afetam as estratégias para incorporar ou não um projeto de diversificação, tais como a maneira que são estruturadas as competências e como são equacionados os conflitos intra-organizacionais.
  • A empresa está atrelada à maneira como é operacionalizada sua política de investimentos, o que envolve avaliação de oportunidades e incorporação das variáveis risco e incerteza nas decisões empresariais.
  • A caracterização e a mensuração da diversificação são afetadas por elementos utilizados para diferenciar o conjunto de atividades realizadas pelas empresas, podendo-se diferenciar entre características de base técnico-produtiva e de base comercial. A amplitude do processo de diversificação depende do sentido atribuído a essas características.
  • Outro aspecto é a mensuração da diversificação a partir de fontes estatísticas que são geralmente dados oficiais a partir de classificações setoriais das atividades industriais, carregadas de arbitrariedade e com defeitos ligados à dicotomia entre categoria de mercado ou semelhança técnica.
  • É comum a utilização de indicadores que captam o nível de diversificação de empresas particulares, a partir de dados estatísticos disponíveis. A identificação de uma medida de diversificação é construída ponderando-se a importância quantitativa de cada uma das atividades realizadas em relação ao valor total da produção.

Direções possíveis do processo de diversificação

  • As possíveis direções do processo de diversificação consideram dois critérios básicos:
    1. proximidade existente entre as atividades originais da empresa e as novas para as quais está se expandindo, no que se refere à localização das mesmas nos diferentes estágios da transformação de insumos em produtos ao longo das cadeias produtivas. A partir desse critério há dois movimentos: diversificação horizontal/lateral e diversificação vertical/integração.
    2. grau de similaridade existente entre as atividades originais da empresa e as novas atividades quanto às competências produtivas e gerenciais para sua eficaz operação. Há dois tipos: processo de diversificação concêntrica (a similaridade é explorada como vantagem competitiva) e diversificação em conglomerado.
  • Diversificação horizontal: introdução de produtos relacionados ao produto original quanto ao mercado atingido e que possa ser vendido através de canais de distribuição já estabelecidos; a expansão para novos segmentos se associa a uma extensão da área especialização da empresa; esse processo visa explorar economias de escopo e canais de comercialização disponíveis.
  • Fatores que influenciam a diversificação horizontal: características tecnológicas de produto, processos utilizados pela empresa (contínuos ou não) e a capacitação mercadológica acumulada em suas atividades originais.
  • A diversificação horizontal amplia a possibilidade de realização do potencial de acumulação da empresa, eleva sua flexibilidade operacional e diminui a vulnerabilidade diante de variações cíclicas da demanda em seu mercado original. Ainda, pode elevar a capacidade de financiamento das diversas atividades através de subsídios cruzados entre elas.
  • Diversificação (integração) vertical: a empresa assume o controle sobre diferentes estágios ou etapas da progressiva transformação de insumos em produtos finais, o que ocorre de maneira não linear. É importante considerar os vínculos qualitativos entre os diversos estágios, ligados à forma como as especificações referentes ao produto/processo em certa etapa condicionam as atividades nas demais com que se articula. Há dois tipos de integração vertical:
    1. integração para trás: entrada em estágios anteriores ao processo de produção; não modifica a natureza do produto originariamente gerado pela empresa; ocorre elevação do valor agregado ao produto.
    2. integração para frente: entrada em estágios posteriores à produção; intensifica o processo de elaboração, aproximando-o do estágio ligado à geração do produto final; pode envolver a entrada em atividades não estritamente industriais, como distribuição-comercialização do produto final ou serviços pós-venda; o valor agregado, o preço e a receita obtidos são alterados.
  • Fatores que condicionam o processo de integração vertical: condicionantes de ordem técnica (desequilíbrios entre diferentes estágios do processo de produção, externalidades tecnológicas, necessidade de aglutinação de novas competências e necessidade de equilibrar uma cadeia de produção com diferentes estágios); condicionantes de eficiência econômica (redução de custos de produção, obtenção de ganhos de eficiência, redução de custos de transação e aumento nos níveis de segurança sobre insumos críticos); e condicionantes relativas ao processo competitivo nas indústrias em que a empresa atua (indústrias próximas às tradicionalmente caracterizadas como oligopólio homogêneo apresentam maior integração vertical, e também a criação de uma proteção contra a concorrência potencial de novos produtores).
  • A diversificação vertical torna a empresa mais sensível à instabilidade dos mercados em que atua, reduzindo sua flexibilidade ao elevar o nível de comprometimento do capital produtivo com o conjunto de atividades integradas. A diversificação horizontal pode preparar e facilitar a vertical, e vice-versa.
  • Diversificação concêntrica: o principal aspecto é a exploração do núcleo de competências essenciais da empresa como fonte de vantagens competitivas que favoreceriam a entrada em novas áreas de atuação, ou seja, a empresa procura manter um padrão coerente de expansão, explorando e ampliando suas competências originais. A empresa diversificada que surge está presente em vários mercados relacionados entre si do ponto de vista técnico-produtivo ou das capacitações gerenciais necessárias para operar as unidades eficazmente.
  • Empresas com diversificação concêntrica baseiam sua estratégia no acúmulo de capacitação genérica que pode ser usada em diferentes mercados, obtendo vantagem concorrencial através dessa capacitação. A empresa aufere ganhos com o intercâmbio de recursos produtivos, financeiros e gerenciais entre suas diversas unidades, resultando em ganhos de eficiência.
  • A diversificação concêntrica não tende a reforçar barreiras à mobilidade e à entrada, porque as empresas atuariam em vários mercados articulados de maneira relativamente tênue.
  • Diversificação em conglomerado: a evolução da diversificação concêntrica para a conglomerada envolve redução progressiva dos níveis de sinergia entre as atividades da empresa até uma situação em que elas são tênues, onde a empresa diversificada pode ser vista como um conjunto de atividades não correlacionadas. O caráter extremamente díspar dessas atividades gera problemas de consolidação de um nível de competência que permita se posicionar satisfatoriamente nos diferentes mercados em que atua.
  • Três modificações para que a empresa se diversifique de forma conglomerada:
    1. surgimento de novas oportunidades atrativas para a realização de investimentos;
    2. impacto desestabilizador de uma inovação tecnológica radical sobre as atividades originais da empresa;
    3. a diversificação em conglomerado pode ser induzida a um nível muito específico de especialização, impedindo relações de sinergia com outras atividades.
  • Há situações em que a diversificação em conglomerado é explorada como alternativa de crescimento, possibilitando a realização de operações de fusões e aquisições, além das modernas técnicas de planejamento financeiro.

Diversificação e crescimento da empresa

  • O processo de diversificação enquanto alternativa para viabilizar o crescimento da empresa fundamenta-se na análise do agente particular “empresa diversificada e diversificante”. A diversificação proporciona benefícios que aceleram o ritmo de acumulação e crescimento da empresa. São decorrentes de três fatores:
    1. busca de novas áreas de atuação enquanto alternativa para acelerar o ritmo de crescimento;
    2. benefícios relacionados ao incremento da eficiência técnico-produtiva, exploração das sinergias e melhor utilização de recursos disponíveis;
    3. benefícios relacionados à ampliação da rentabilidade da empresa ao longo do tempo.
  • A análise da diversificação pode contribuir para a compreensão de crescimento da empresa, considerando autores que entendem a empresa como entidade complexa orientada para o crescimento. Nesse sentido, o processo de crescimento tem capacidade de internalizar a tomada de decisões, reforçando a dimensão administrativa/deliberativa e diminuindo a importância das forças de mercado na alocação de recursos, importando em último grau a ação da concorrência intercapitalista.
  • Penrose (1959): a grande empresa industrial influencia as possibilidades de diversificação dela para uma maior gama de mercados.
    1. essa empresa é intrinsecamente complexa do ponto de vista admistrativo/organizacional, com atividades relacionadas e coordenadas;
    2. a empresa é vista como agrupamento de recursos produtivos tangíveis e intangíveis capazes de gerar serviços que viabilizam o processo de produção, como os serviços gerenciais.
    3. é possível identificar condicionantes do processo de crescimento relativos a fatores internos da empresa, como capacidade empresarial, níveis de risco e incerteza e expectativas de crescimento.
  • Os serviços gerenciais, para Penrose, são um tipo de conhecimento acumulado pela empresa através da experiência com a operação dos negócios e com a implementação de planos de expansão. A disponibilidade desses serviços gera incentivos à expansão para novos mercados que independem de estímulos ambientais, mas também limita o crescimento em dado momento do tempo, em razão dos limites à expansão de seus serviços gerenciais.
  • Limites internos à empresa do processo de diversificação:
    1. Considerar como fixos os serviços gerenciais implica desconhecer os efeitos dos ganhos de experiência que podem contrabalançar os efeitos das deseconomias.
    2. Situações onde os incentivos proporcionados pela disponibilidade de serviços gerenciais tende a desaparecer. Ocorre nas seguintes situações:
      • quando a expansão envolve produtos totalmente novos ou o estabelecimento de plantas em novas áreas geográficas;
      • quando há elevado grau de especialização nos recursos comprometidos com as novas atividades;
      • quando a vantagem proporcionada pela experiência de tais serviços restringe-se à maior facilidade de entrada na nova atividade.
    3. Ritmo de expansão das atividades da empresa e não à sua dimensão. Admite-se que a proporção dos serviços gerenciais requeridos para manter as operações da empresa em relação ao total de serviços produtivos pode crescer.
  • Efeito Penrose: é improvável que a disponibilidade de serviços gerenciais possíveis de serem comprometidos com a expansão cresça a uma taxa mais alta que o crescimento dos serviços produtivos totais da empresa, assim ocorre um decréscimo da produtividade média dos serviços gerenciais e se eleva o custo unitário desses serviços para taxas de crescimento acima de certo nível; por conseguinte, há uma elevação nos gastos com serviços gerenciais por unidade monetária adicional obtida na expansão para novos mercados.
  • A proximidade entre as atividades contempladas no processo de expansão e as atividades originais da empresa diminui a necessidade de serviços gerenciais.
  • Marris: a maximização do crescimento é o objetivo mais geral da empresa e isso está ligado ao processo de diversificação. A possibilidade de a empresa determinar a taxa de crescimento máximo que pode obter pela diversificação depende de duas restrições:
    1. restrição mercadológica: possibilidade de se compatibilizar a expansão da oferta com o crescimento da demanda nos novos mercados.
    2. restrição financeira: tomada como exógena, refere-se ao montante de recursos e ao nível de risco.
  • O sucesso do processo depende do volume de recursos mobilizados para o lançamento de produtos nos novos mercados, tendo um limite a partir do qual a taxa de sucesso decresce quando o número de novos produtos aumenta.
  • A taxa de sucesso dos produtos lançados está relacionada à taxa de diversificação e aos gastos com P&D e publicidade.
  • Com o incremente da diversificação, o sucesso de novos lançamentos cresce a taxas decrescentes, em razão da limitação das competências e da capacidade mercadológica da empresa.

Condicionantes internos à empresa no processo de diversificação

  • O processo de diversificação é afetado por fatores como o nível de especialização preexistente nas empresas e as sinalizações do ambiente competitivo nos quais se inserem. Há uma lógica no processo, baseada em uma coerência quanto à definição de novas oportunidades de negócios no processo de crescimento empresarial.
  • O nível de especialização de uma empresa está relacionado a duas dimensões:
    1. maneira como se articulam as diversas atividades de uma empresa que atua em diferentes mercados, considerando-se os diferentes modelos organizacionais, decisivos para a capacidade de responder a estímulos competitivos.
    2. nível de especialização de cada empresa nos conceitos de base tecnológica (cada tipo de atividade produtiva que utiliza máquinas, processos, capacitações e matérias-primas complementares associados ao processo de produção) e área de comercialização (grupo de clientes que a empresa esperar exercer influência sobre através de um mesmo programa de vendas).
  • A coerência do processo de diversificação está na existência de características comuns entre a base tecnológica e a área de comercialização das atividades originais da empresa e as das novas atividades incorporadas com a diversificação.
  • Horizonte de diversificação: indicações quanto às direções em que a expansão para novos mercados se mostra mais factível. A expansão pode alargar esse horizonte e assim o processo de diversificação se torna cumulativo, na medida em que se amplia o leque de oportunidades a serem exploradas, reforçando o movimento de expansão.
  • Outro elemento interno é a existência de serviços produtivos ociosos, que envolvem indivisibilidades técnicas associadas à presença de economias de escala e o surgimento de novos serviços produtivos no processo de expansão. Para Penrose, esses novos serviços funcionam como economias de crescimento, impulsionando a diversificação porque fornecem vantagens em relação às demais empresas para oferecer novos produtos no mercado.
  • Novas interpretações sugerem as empresas como organizações dotadas de competências específicas, que evoluem ao longo do tempo em razão de processos internos de aprendizado e de mudanças adaptativas feitas diante de alterações nas condições ambientais. Os processos cumulativos de aprendizado alteram permanentemente as competências organizacionais e tecnológicas.
  • A diversificação será facilitada se estiver orientada para indústrias onde se possa reproduzir as rotinas já experimentadas pela empresa (mesmo que em parte) em seus mercados de origem, ou nas quais a experiência obtida pelos processos de aprendizado renda alguma vantagem competitiva.
  • A diversificação também será facilitada quando orientada para setores em que a empresa possa aprofundar estratégias mercadológicas e tecnológicas exploradas em seus mercados de origem.
  • Dois impactos dinâmicos do processo de diversificação sobre o perfil de competência das empresas:
    1. a diversificação permite incrementar a capacitação técnico-produtiva dos agentes e permite explorar oportunidades tecnológicas e mercadológica atrativas em mercados que as competências acumuladas já representam alguma vantagem competitiva.
    2. a diversificação permite reduzir o risco implícito na desestabilização do nível de capacitação das empresas diante de mudanças tecnológicas radicais, reconfigurando o perfil de competências e reorientando o processo de crescimento.
  • Competências essenciais: o gerenciamento destas envolve cinco dimensões básicas.
    1. desenvolvimento destas competências ao longo do tempo envolvendo um processo cumulativo;
    2. difusão de competências ao nível da empresa, correlacionando ao grau de articulação/formalização do conhecimento no plano intra-empresarial;
    3. integração de competências;
    4. balanceamento entre o aprofundamento do aprendizado em campos correlatos aos das competências e extensão do esforço de capacitação para novos domínios;
    5. renovação de competências, contornando-se a inércia organizacional.
  • Enquanto a especialização procura focar as capacitações, concentrando o risco, a diversificação busca reduzir o risco através da expansão para novos negócios com maior/menor sinergia aos negócios originais. Na prática, há uma complementaridade entre as duas estratégias, porque a consolidação e fortalecimento de certas competências essenciais pode se tornar fator de estímulo à expansão.
  • O último condicionante interno é o formato organizacional e a estrutura de propriedade que as empresas adotam.
    • empresas multidivisionais: diversificação de padrão concêntrico, induzida por características tecnológicas/mercadológicas das atividades previamente desenvolvidas, possibilitando a exploração de economias de escopo e sinergias tecnológicas. Os elementos de sinergia indicam a direção do processo.
    • conglomerados gerenciais/companhias de investimento: seguem uma lógica financeira de distribuição dos riscos; no caso das cias de investimento, a orientação da diversificação segue a lógica da teoria do portfólio, que revela um trade-off entre lucratividade e risco em uma empresa diversificada.
  • Empresas que fazem parte de grandes grupos econômicos realizam sua diversificação combinando a lógica da coerência técnica-produtiva com a financeira. Mesmo que a empresa explore níveis de sinergia individualmente, a expansão sempre estará atrelada a uma estratégia mais geral do grupo a que pertence.

Condicionantes externos à empresa no processo de diversificação

  • As características estruturais dos ambientes competitivos afetam a diversificação. Há dois aspectos: 1) potencial de crescimento do mercado nas atividades originais da empresa; e 2) a maneira como os elementos específicos das estruturas de mercado, e os padrões de competição, predeterminam certas direções exploradas na diversificação.
  • O comportamento da demanda nos mercados concorrentes da empresa estimula a diversificação quando:
    1. há tendência à sua retração: por baixo dinamismo tecnológico, acirramento da competição, reduzida elasticidade-renda, etc.
    2. há intensificação de flutuações cíclicas dessa demanda: pode provocar esgotamento no LP.
    3. há crescimento relativamente lento em relação às expectativas de expansão.
  • Estabelece-se um vínculo entre o processo de diversificação e os padrões competitivos das diferentes estruturas de mercado, que predeterminam a direção do processo. Cada padrão de concorrência setorial gera estímulos (ligados a fatores que agem como fontes de vantagens competitivas) e estes influenciam o ritmo e a direção.
  • No caso de uma empresa que já apresenta nível preexistente de diversificação elevado, o processo de diversificação relaciona-se a uma política de crescimento que extrapola os mercados em que atua e assume dinâmica própria.

Formas de diversificação: investimentos em nova capacidade e operações de fusões/aquisições

  • Há duas formas de se viabilizar o processo de diversificação:
    1. criando uma capacidade de produção totalmente nova, através de uma nova unidade produtiva; estratégia ligada ao crescimento interno.
    2. aquisição ou fusão com uma empresa já atuante no mercado objeto da diversificação, incorporando nova unidade à sua estrutura organizacional, que incrementa seu nível de especialização e alarga o horizonte de diversificação; estratégia ligada ao crescimento externo.
  • O crescimento externo se diferencia do interno no sentido de que o último resulta em aumento da capacidade produtiva não só da empresa mas da indústria em questão e das atividades a ela articuladas, enquanto o primeiro só altera a capacidade da própria empresa que adotou a estratégia, funcionando ao nível da indústria como mera transferência de propriedade.
  • A vantagem das fusões/aquisições é a possibilidade de reduzir ou eliminar os riscos tecnológicos e de mercado implícitos na diversificação.
  • Enquanto a diversificação pode ser explicada pelo excesso de recursos financeiros, as fusões e aquisições, instrumentos fundamentais do processo de diversificação, são respostas a problemas de escassez de recursos técnico-produtivos.
  • Grande parte das fusões e aquisições é motivada pelas possibilidades de acessar recursos complementares entre as empresas. Assim, assume importância o acesso a ativos e competências complementares nos movimentos de fusão/aquisição, através da viabilização de processos de “fertilização cruzada” entre as competências dos agentes.

Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional

CERVO, A.; BUENO, C. Transição do período Vargas (1930-1945): nova percepção do interesse nacional. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: EdUnB, 2002, p. 233-267.

A Revolução de 1930 e a política externa

  • Chanceler do período: Afrânio de Melo Franco (até 1933). Não ocorreram profundas alterações na política externa que o Brasil vinha desenvolvendo, como a questão das fronteiras e ênfase nas relações comerciais → diplomacia econômica.
  • As transformações econômicas e sociais levaram a uma nova formulação da política externa, baseada no pragmatismo como instrumento do projeto de desenvolvimento nacional, cujo principal objetivo era criar uma siderurgia no país.
  • O Brasil fez “jogo duplo” em relação aos EUA e à Alemanha no período que antecede a Guerra, com a finalidade de barganhar, o que foi facilitado pela maior presença alemã no comércio brasileiro (1934-1938) e o declínio da participação britânica e norte-americana → “equidistância pragmática”.
  • O abandono da equidistância pragmática se dá no final da década de 1930, com a missão Osvaldo Aranha (1939) aos EUA e consequentes acordos de cooperação. Também o Brasil havia aderido ao Pacto Briand-Kellog em 1933.
  • Os autores questionam de certo modo a ênfase que se dá nessa tentativa de barganha entre EUA e Alemanha, pois consideram que faltavam “condições objetivas” ao III Reich para atender as demandas brasileiras. Argumento diferente tem Gerson Moura, que nos lembra que 1940-1941 foi um período muito difícil também para a Grã-Bretanha com recursos concentrados em sua defesa. A decisão de fornecer armas ou siderurgia ao Brasil, segundo Moura, seria “eminentemente política”, por isso poderia ser prioritária aos alemães em termos estratégicos.
  • Contexto regional: prestígio do pan-americanismo e atitude conciliatória com os vizinhos. As relações Brasil-Argentina caminharam bem nos aspectos comercial e diplomático.
  • Foram firmados uma série de acordos comerciais com vários países, baseados na cláusula da nação mais favorecida, mas cuja maioria perdeu efeitos práticos já em 1935.

A Questão de Letícia

  • Tratado de Salomón-Lozano (1922): território de Letícia passou para a Colômbia.
  • O Brasil preocupava-se com os territórios a leste da linha Apapóris-Tabatinga, que poderiam vir a ser reivindicados pela Colômbia, que ficou com as terras a oeste, antes peruanas.
  • Ata de Washington (1925): Brasil retirava suas “ponderações” e o Peru reconhecia a linha Apapóris-Tabatinga como limite para solucionar seus problemas de fronteira.
  • A Colômbia reconheceu posteriormente a linha em troca de livre navegação no Amazonas e outros rios comuns.  Brasil e Colômbia assinaram em 1928 um tratado de limites considerando Apapóris-Tabatinga como divisória.
  • 1932: peruanos de Loreto, inconformados com a anexação pela Colômbia, invadiram Letícia.
  • O Peru inicialmente não apoiou o levante, mas mudou de opção e se opôs à tentativa da Colômbia de restabelecer a região com base no tratado de Salomón-Lozano, levando os países à iminência de uma guerra.
  • 1933: Peru e Colômbia firmam um acordo onde seria instalada uma Comissão Administradora pelos EUA, Espanha e Brasil, que administrou o território por um ano, enquanto Melo Franco liderava uma investida diplomática no RJ.
  • 1934: os dois países chegam a um acordo, aceitando o tratado Salomón-Lozano, graças à mediação do diplomata brasileiro. Acordaram ainda sobre navegação fluvial dos dois países, entre outras coisas, no chamado Protocolo do Rio de Janeiro e em uma Ata Adicional. O Brasil manteve assim a garantia da linha Apapóris-Tabatinga.

Mediação brasileira na Guerra do Chaco

  • A questão do Chaco remete ao século XIX, quando o rio Paraguai foi fechado para a Bolívia através do Tratado de Navegação, Comércio e Limites (1858) entre Argentina e Paraguai. Na década de 1930 havia perspectiva de se explorar petróleo na região, e aí o conflito se exacerbou.
  • 1928: primeiro choque armado entre Bolívia e Paraguai. Brasil manteve-se neutro, porque tinha tratados de limites com os dois países e, segundo Mangabeira, a diplomacia brasileira evitava “situações de relevo” e por sua posição de neutralidade não integraria a comissão designada para arbitragem.
  • 1929: Brasil trocou ratificações em seus tratados tanto com a Bolívia quanto com o Paraguai (firmado em 1927), a fim de adquirir “mais liberdade em face da questão do Chaco”.
  • Melo Franco desistiu de mediar o conflito, assim como os EUA em 1933, que não tinham interesse na região e queriam evitar atrito com a Argentina, que estaria apoiando o Paraguai. A questão foi transferida para a Liga das Nações.
  • Após inúmeras tentativas fracassadas de mediação, o Brasil resolveu exercer seu papel de mediador junto com outros países latino-americanos, principalmente a Argentina, resultando no Protocolo Sobre a Convocação da Conferência da Paz relativa ao conflito do Chaco assinado em 1935, cessando o conflito armado.
  • 1938: Conferência de Paz do Chaco, em Buenos Aires, firmou-se o Tratado Definitivo de Paz, Amizade e Limites.

O Estado Novo: reflexos diplomáticos

  • Iniciado em 1937, o Estado Novo no plano exterior não se alinhou ao Eixo, assim como não integrou o Pacto Anticomintern para não prejudicar sua relação com os EUA e em razão de pressão interna.
  • As relações Brasil-EUA não se abalaram, mesmo com a suspensão do pagamento da dívida externa, as diferenças de regimes e do acordo comercial com a Alemanha em 1936.
  • Osvaldo Aranha no MRE (1938-1944): agiu como contrapeso aos simpatizantes das potências do Eixo e defendia o incremento das relações com os EUA.
  • As expectativas de identidade dos dois regimes (Estado Novo e Reich) foram abaladas pela campanha de nacionalização, pela proibição da propaganda e da organização de partidos políticos (1937), além de o Estado Novo oficialmente encerrar as atividades do ramo brasileiro do Partido Nazista, e proibir atividades políticas a estrangeiros (1938). Isso gerou reação do embaixador alemão Karl Ritter, que tentou associar a questão com as relações comerciais entre os dois países.
  • Ação Integralista Brasileira (AIB): apoiada pelos teuto-brasileiros do sul do país, que assim contribuíam para fortalecer o nacionalismo. Não há provas contundentes de que recebia apoio de nazistas de Berlim, embora houve contato entre seus membros. O integralismo pregava a fusão das raças, ao contrário das teorias racistas. Foi colocada na ilegalidade em 1937.
  • Seção brasileira do Partido Nazista: não compartilhava os mesmos objetivos da AIB por considerá-la nativista e nacionalista; passou a ser combatida pelo Estado Novo.
  • A partir do final de 1938, a Alemanha já havia perdido espaço na América do Sul, diante da aproximação do Brasil com os EUA e a cooperação com países americanos.
  • Após 1937, a Itália aproximou-se do Estado Novo, cessando subvenções à AIB e mantendo com esta apenas contatos informais. Antes disso desenvolviam uma diplomacia paralela com o governo e com a AIB.
  • As relações com os Estados Unidos melhoraram após 1938, principalmente com Osvaldo Aranha à frente do MRE e pela crise nas relações com a Alemanha.

O Brasil e a Segunda Guerra Mundial

  • 1939: Osvaldo Aranha apresenta a Vargas sua proposta de regras de neutralidade, um conjunto de sugestões de providências a serem tomadas no contexto da Guerra, tais como economia e racionalização de produtos indispensáveis, proibição da exportação de ferro etc.
  • Setembro, 1939: início das hostilidades, Brasil se declara neutro, porém tem dificuldades de vigiar todo seu litoral em razão da falta de capacidade militar brasileira; a neutralidade passou a ser pró-Inglaterra e França. Exportações e importações alemãs no Brasil declinaram e aumentaram as trocas com EUA e UK.
  • Equidistância pragmática (1935-1941): Brasil tentou tirar proveito da disputa entre os dois blocos existentes, através de vantagens comerciais. O governo realizava livre comércio com os EUA concomitantemente ao comércio compensado com a Alemanha, em ambos os casos assimétrico. No final de 1941, o Brasil abandona a equidistância e se alinha aos Estados Unidos.
  • A ambiguidade de Vargas nas vésperas do conflito era reflexo da divisão interna no governo entre pró-Eixo e pró-Aliados. Vargas e militares do governo mantinham-se neutros, mesmo quando em 1940 houve uma ofensiva nazista e quando já avançavam sobre países europeus neutros. Isso porque a Alemanha nos fornecia armamentos e pela posição dos militares alemães.
  • Missão Aranha (Fev/Março, 1939): o comércio compensado Brasil-Alemanha fazia crescer o intercâmbio comercial entre esses países, o que preocupava os americanos, que convidaram Osvaldo Aranha para tratar de regular as relações entre EUA e Brasil. O objetivo era assistência econômica em troca de ajuda no sistema de poder dos EUA, parte da política da boa vizinhança. Houve reaproximação dos dois exércitos, através de visitas de fundo político de militares americanos tentando atrair admiradores do Eixo no Brasil. A colaboração econômica não foi como esperada, por resistências internas, mas os EUA conseguiram neutralizar a influência alemã.
  • Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas (1939): conferência para adotar uma posição diante do conflito inaugurado, onde o Brasil adotou atitude conciliatória e defendeu o princípio do mar continental. Expediu-se uma declaração de neutralidade.
  • Brasil-Alemanha: a guerra e o bloqueio naval inglês prejudicaram as relações comerciais, mas o poder de barganha do Brasil ainda não estava esgotado.
  • Brasil-EUA: houve intermediação norte-americana junto aos ingleses para que as armas alemãs compradas pelo Brasil pudessem chegar ao país; em 1941 firmou-se um acordo para venda exclusiva de minerais estratégicos aos EUA; em termos militares houve discórdias como a presença de soldados norte-americanos no nordeste e na relutância dos EUA em fornecer armas ao Brasil. Mesmo assim, Getúlio permitiu em 1941 que empresa americana construísse e melhorasse aeroportos na costa nordestina e concedeu à Panair do Brasil construção e melhoria de aeroportos no litoral norte e nordeste, importante colaboração estratégica.

Relações comerciais

  • Política comercial ambígua a partir de 1934, recorrendo ao comércio compensado com a Alemanha e ao livre comércio com os EUA, através do tratado de 1935 baseado na cláusula da nação mais favorecida.
  • Comércio compensado: sistema em que importações e exportações eram feitas à base da troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas caixas de compensação de cada país. A desvantagem era que os marcos de compensação não geravam moeda disponível no Brasil para arcar compromissos com nações com quem tinha livre comércio. Ponto a favor é que atendia aos interesses dos militares de reaparelharem as Forças Armadas, possibilitando fornecimento de material bélico para o Brasil. Na prática seriam trocadas matérias primas por armamentos, mas isso não se efetivou depois do bloqueio inglês, pois o Brasil não recebeu todas as encomendas.
  • Tratado de 2 de fevereiro de 1935: concedeu-se favores alfandegários aos EUA que em troca reduziram barreiras a algumas mercadorias brasileiras. Opositores consideraram prejudicial à indústria brasileira, já favoráveis entendiam que o café tinha de ser protegido pela sua importância econômica. O acordo foi aprovado pelo Congresso, mas na prática beneficiou mais os EUA e inibiu a produção nacional.
  • Missão Sousa Costa (jun/julho, 1937): norte-americanos aceitaram o comércio compensado com a Alemanha e concordaram em dispensar tratamento diferenciado ao pagamento da dívida brasileira. A intenção dos EUA era manter sua influência global sobre o Brasil, deveu-se a objetivos estratégicos mais amplos.
  • O comércio com a Alemanha declinou a partir de 1939 e aumentou o estreitamento com os EUA → a guerra regionalizou as relações comerciais do Brasil e diminuiu o nível de especialização da economia. Também aumentaram as reservas e houve utilização intensiva de maquinaria nacional.

O projeto siderúrgico

  • A questão da usina siderúrgica era vista como crucial para o desenvolvimento econômico nacional.
  • O Brasil tentou negociar com os EUA a consolidação de tal projeto, oferecendo cooperação em termos de defesa hemisférica através do “saliente nordestino” e gostaria de receber em troca vantagens para o desenvolvimento nacional, como recursos e tecnologia para a construção da usina de Volta Redonda, além do desejo de reequipar as Forças Armadas. Não havia, entretanto, interesse das firmas americanas.
  • Getúlio tenta barganhar tal cooperação ao fazer constar que procuraria tal ajuda com a Alemanha e manifestou isso no seu discurso de 11/06/1940 a bordo do encouraçado Minas Gerais, elogiando os sistemas totalitários.
  • No discurso de 29/06/1940, novamente elogiou o totalitarismo e tentou justificar o Estado Novo, como forma de demonstrar aos EUA que caso eles não cooperassem militar e economicamente, havia interesse de fazê-lo com os alemães.
  • Os discursos tiveram efeito e Osvaldo Aranha envia aos EUA uma delegação que concluiria um acordo entre os dois países sobre ajuda financeira (via Eximbank) e tecnológico para a construção da siderúrgica no Brasil.
  • Para os EUA, a implantação da siderurgia significava contraposição à influência econômica/militar alemã e posterior aumento da presença comercial norte-americana no Brasil.

A participação no conflito

  • Cresceu a importância do nordeste brasileiro no “sistema defensivo norte-americano”, em razão da presença de tropas do Eixo no noroeste da África. Vargas aproveita para negociar seu alinhamento a um dos blocos.
  • O ataque japonês a Pearl Harbor (dez 1941) alterou a conjuntura e o Brasil em janeiro de 1942 iria alinhar-se aos EUA e prestar sua solidariedade, rompendo relações com o Eixo sob a promessa norte-americana de reequipar as Forças Armadas brasileiras → início de uma etapa de “colaboração no relacionamento entre os dois países”, com efeitos posteriores.
  • Não havia muita saída para o Brasil, pois não poderia contar com o reequipamento das Forças Armadas pelos alemães, em razão do bloqueio naval inglês e do desenrolar do conflito.
  • Ocorreu intensa colaboração EUA-Brasil: venda de armas e munições a preço de custo, capital para assumir controle de 2 companhias aéreas (Condor e Lati) e capital para desenvolvimento da indústria extrativa mineral de importância militar; cooperação comercial e bancária e na área de espionagem. Em troca o Brasil autorizou o uso das bases militares de Belém, Natal e Recife pelos EUA.
  • Represália alemã: ataques a navios brasileiros por submarinos do Eixo (fev 1942) como tentativa de interromper o intercâmbio entre EUA e Brasil.
  • 31 de agosto de 1942: Brasil declara “estado de beligerância” contra a Alemanha e a Itália. Brasil passa ao lado dos Aliados, cooperando com o fornecimento de materiais estratégicos e cedendo as referidas bases militares.
  • Visita de Roosevelt em Natal (jan 1943): Vargas insiste no fornecimento de equipamentos para as Forças Armadas.
  • Vargas era favorável à presença de tropas brasileiras no “teatro de operações”, em razão do rearmamento e de uma maior presença nas conferências de paz.
  • Criou-se a Comissão Mista de Defesa Brasil-EUA para coordenar a cooperação militar. Nela o Brasil insistia em reforçar a defesa do Nordeste, num contexto em que os Aliados já haviam ocupado o noroeste da África. Decidiu-se que as forças terrestres brasileiras seriam incorporadas ao comando norte-americano. Em 1943, a Marinha incorporou-se à Quarta Esquadra norte-americana.
  • A participação direta no conflito refletia a busca por reequipar o Exército, aumentar o efetivo treinado e a indústria bélica, com o objetivo de transformar o Brasil numa “potência fortemente aparelhada para a guerra”.
  • Resultados: o Exército e a Força Aérea foram modernizados e equipados numa escala superior à anterior; houve aumento do prestígio internacional do país e do nacionalismo interno.

Modelos Conceituais e a Crise dos Mísseis de Cuba

ALLISON, G. T. Modelos conceituais e a crise dos mísseis de Cuba. In: BRAILLARD, P. Teoria das relações internacionais. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1990. p. 216-246.

  • A crise dos mísseis de Cuba foi um acontecimento único, onde a probabilidade de ter ocorrido uma catástrofe como nunca foi estimada pelo presidente Kennedy entre 30 e 50%.
  • O que cada analista julga ser importante está ligado não somente à evidência dos fatos, mas a “lentes conceituais” através das quais ele considera a evidência.
  • O objetivo deste estudo é examinar algumas das hipóteses e das categorias fundamentais empregadas pelos analistas quando consideram os problemas do funcionamento do governo, especificamente assuntos externos e militares.
  • A tese se resume em três proposições:
    1. os analistas se baseiam em modelos conceituais largamente implícitos e que têm importantes consequências quanto ao conteúdo de suas reflexões. As explicações manifestam particularidades regulares e previsíveis. As regularidades refletem as suposições do analista, assim os conjuntos destas suposições conexas constituem quadros de referência ou modelos conceituais (no sentido de esquema). As suposições são essenciais para a explicação e a previsão, para não cair em mera descrição. A lógica da explicação exige que se distingua as determinantes significativas e importantes do acontecimento, ao mesmo tempo que a lógica da previsão permite recapitular as diversas determinantes enquanto elas influem sobre o acontecimento.
    2. a maior parte dos analistas explica e prediz através de um modelo conceitual fundamental → modelo de política racional: Modelo I. Através desse modelo tentam entender os acontecimentos como atos mais ou menos intencionais de governos nacionais unificados, tentando demostrar como o governo pode escolher a ação em questão dado tal problema estratégico.
    3. dois outros modelos: modelo de processo organizacional (Modelo II) e modelo de política burocrática (Modelo III), que fornecem melhor explicação e previsão. O Modelo II chama “ações” e “escolhas” de “outputs” de grandes organizações funcionando conforme modelos regulares de comportamento, ou seja, ao analisar um problema põe em evidência os tipos de comportamento organizacional que estiveram na origem da ação. O Modelo III está centrado na política interna do governo, os acontecimentos estão na categoria das consequências dos diversos jogos de negociações entre jogadores de diferentes hierarquias do governo nacional, ou seja, a política burocrática.

Modelo I: Política Racional

  • Dois sovietólogos concluíram que a instalação dos mísseis em Cuba foi motivada  principalmente pelo desejo dos líderes soviéticos de suprimir a larga margem de superioridade estratégica dos americanos.
  • Os analistas chegam a essa conclusão escolhendo várias características salientes desta ação e as utilizam como critérios para testar diversas hipóteses sobre os objetivos soviéticos.
  • Já Morgenthau, ao explicar o estopim da I Guerra, impõe aos dados um esboço racional, ou seja, busca um equilíbrio racional na ação e cria uma espantosa continuidade na política externa que faz com que ela se apresente como um continuum racional independentemente dos motivos/preferências/qualidades dos homens de Estado.
  • Suposições que caracterizam o modelo de política racional:
    • presume-se que o que deve ser explicado é a ação;
    • supõe-se que o ator é o governo nacional;
    • supõe-se que a ação é eleita como resposta calculada a um problema estratégico;
    • a explicação mostra qual objetivo o governo perseguia ao agir e de que modo esta ação era uma escolha racional dado os objetivos da nação.
  • A maior parte dos analistas adota este modelo e é fundamental a ideia de que acontecimentos são atos de nações, ou seja, explicar um acontecimento de política externa seria mostrar como o governo escolheu racionalmente esta ação.
  • Paradigma da política racional:
    1. Unidade básica de análise: a política como escolha nacional – acontecimentos no plano exterior são concebidos como ações escolhidas pela nação/governo nacional, optando por aquela que maximiza seus objetivos estratégicos. As “soluções” do problema estratégico são as categorias fundamentais da análise.
    2. Tipo dominante de raciocínio: se uma nação realiza certa ação, deve ter tido propósitos para os quais essa ação representa um meio ótimo. Põe-se em evidência o modelo intencional com o qual o acontecimento pode ser relacionado enquanto meio que maximiza um valor.
    3. Proposições gerais: a probabilidade de qualquer ação resulta da combinação de fatores como os valores e objetivos importantes da nação, as diferentes ações possíveis conhecidas da nação, as estimativas pela nação das diversas consequências decorrentes de cada ação possível e a avaliação final de cada conjunto de consequências.
      • Um aumento dos custos de uma ação (redução do valor do conjunto das consequências) ou uma redução da probabilidade de alcançar determinadas consequências reduz a probabilidade de escolha da ação.
      • Uma redução dos custos de uma ação (aumento do valor do conjunto das consequências) ou um aumento da probabilidade de alcançar determinadas consequências aumenta a probabilidade de escolha desta ação.

Modelo II: Processo Organizacional

  • O comportamento governamental pode ser entendido menos como escolhas deliberadas de líderes e mais como outputs de grandes organizações, funcionando como modelos-tipo de comportamento.
  • Os governos compõem-se de grandes organizações com responsabilidades compartilhadas de acordo com seus domínios e cada organização se ocupa de um conjunto particular de problemas com uma independência quase total.
  • O comportamento governamental sobre um problema importante reflete o output independente de várias organizações, parcialmente coordenadas, mas que requerem coordenação de ações através de regras para se fazerem as escolhas, além de serem necessários “programas” bem estabelecidos.
  • Um governo compõe-se de  organizações existentes, cada uma com um conjunto determinado de processos e de programas-tipo de funcionamento. O comportamento dessas organizações (logo, do governo) é determinado por rotinas estabelecidas anteriormente nessas organizações, embora elas se transformem.
  • As proposições utilizadas no estudo das organizações reduzem-se a tendências e são necessárias informações extras sobre uma organização particular para obter especificações sobre afirmações respeitantes às tendências.
  • Paradigma do Processo Organizacional:
    1. Unidade básica de análise: a política como output organizacional – os acontecimentos internacionais são outputs organizacionais de três modos: 1) os fatos são outputs organizacionais, 2) as rotinas organizacionais são opções efetivas para os responsáveis governamentais, 3) os outputs organizacionais estruturam a situação no interior de constrangimentos onde os responsáveis vão decidir sobre um problema.
    2. Tipo dominante de raciocínio: as características da ação governamental são consequência de rotinas estabelecidas e das escolhas dos responsáveis governamentais, através de informações e estimativas fornecidas pela rotina entre os programas existentes. A explicação se dá pela revelação das rotinas e dos repertórios organizacionais que produziram os outputs do acontecimento.
    3. Proposições gerais:
      • Ação da organização: as ações das organizações são determinadas pelas rotinas organizacionais.
        1. Os processos-tipo de operação constituem rotinas para se ocuparem situações standard. A capacidade regularizada de execução adequada é obtido a expensas da standardização. A média calculada no conjunto dos casos é melhor do que seria se cada caso fosse tratado individualmente.
        2. Um programa raramente está adaptado à situação específica na qual é executado, sendo na melhor das hipóteses, o mais apropriado num repertório estabelecido anteriormente.
        3. Considerando que os repertórios são feitos por organizações de “espírito fechado”, os programas disponíveis para enfrentar uma situação particular estão mal adaptados.
      • Flexibilidade limitada e transformação por crescimento: o comportamento num momento t é marginalmente diferente do comportamento no momento t-1.
        1. Os orçamentos das organizações modificam-se de maneira crescente. As previsões que exigem grandes transferência orçamentais entre organizações ou partes delas deveriam ser limitadas.
        2. Um investimento organizacional quando iniciado não é abandonado mesmo quando os custos são superiores aos benefícios, porque os interesses organizacionais em jogo nos projetos os conduzem muito além do nível de perda.
      • Possibilidades administrativas de realização: um desvio separa o que os responsáveis políticos escolhem e o que as organizações efetivamente realizam.
        1. Projetos que exigem que várias organizações atuem com elevado grau de precisão têm pouco sucesso.
        2. Projetos que exigem que os elementos da organização se desviem de suas funções raramente são executados como planejado.
        3. Os responsáveis governamentais podem esperar que cada organização realize a sua tarefa dentro do que ela é capaz de oferecer.
        4. Os responsáveis governamentais pode receber informação incompleta e deformada de cada organização sobre um problema.
        5. Quando parte de um problema de uma organização é contrário aos objetivos da organização haverá resistência à sua execução.

Modelo III: Política Burocrática

  • Política burocrática é um jogo de negociação segundo vias estabelecidas entre jogadores situados hierarquicamente no governo.
  • Para o modelo III, o comportamento do governo é resultado de jogos de negociação. Há numerosos atores vistos como jogadores, que não se concentram em apenas uma questão mas em várias, de acordo com diversas concepções dos objetivos nacionais, organizacionais e pessoais, onde as decisões governamentais se dão através das lutas que constituem a política.
  • Círculo dos jogadores centrais: altos responsáveis políticos + representantes de cúpula das organizações. Uma influência sobre este círculo assegura certa posição independente.
  • A descentralização necessária das decisões garante que cada jogador tenha considerável liberdade de ação, sendo o poder assim compartilhado.
  • As responsabilidades distintas sobre personalidades individuais encorajam as diferenças de percepção e de prioridade, nesse sentido se partilha o poder e a linha de conduta é decidida pela política.
  • O que altera a posição dos peões do jogo é o poder e a habilidade dos defensores da ação em questão e a daqueles que se opõem.
  • O comportamento do governo, portanto, é constituído pelas escolhas feitas por um jogador, pelos resultados dos jogos secundários, pelos resultados dos jogos centrais e dos mal entendidos, todos colocados no mesmo plano.
  • Paradigma da Política Burocrática:
    1. Unidade básica de análise: a linha de conduta como consequência política. As decisões e ações dos governos são consequências políticas internacionais, no sentido de que resultam antes do compromisso e até competição entre os membros do governo e políticas por envolver negociação. O comportamento nacional nos assuntos internacionais é resultado de jogos simultâneos, embora estruturados por vias fixadas.
    2. Tipo dominante de raciocínio: a ação praticada por uma nação é a consequência de negociações no interior do governo. A revelação das desavenças entre os jogadores com diferentes percepções e prioridades e concentrando-se em distintos problemas produz as consequências que constituem a ação.
    3. Proposições gerais:
      • Ação e intenção – a ação não pressupõe a intenção. O conjunto do comportamento sobre uma questão resulta de indivíduos com diferentes intenções que contribuíram para compor um resultado distinto do que qualquer um teria escolhido.
      • A vossa opinião depende da vossa posição – para muitas questões a posição de um jogador pode ser determinada a partir de informação a respeito de sua situação.
      • Os altos responsáveis e os executantes – o (a) presidente sonda o aspecto particular das questões, tenta preservar sua margem de manobra até as incertezas diminuírem e avalia os riscos; os altos responsáveis pela política externa lida com problemas “do dia” e devem “apoiar a confiança do presidente” na linha de conduta correta; já os executantes se encarregam da maior parte dos problemas e das escolhas possíveis e enfrentam o problema de atrair a atenção dos altos responsáveis para que o governo faça o que é justo. Um funcionário responsável teria que levar os outros a concluir que o que deve ser feito é o que a sua própria estimativa das responsabilidades exige que eles façam, no seu próprio interesse.
  • Implicações da discussão:
    1. a formulação de outros quadros de referência e o fato de que diferentes analistas que utilizam diferentes modelos produzem explicações completamente diferentes deve atentar para as “redes” que se emprega.
    2. implica uma tomada de posição sobre o problema da etapa atual da investigação, sendo necessário uma análise sistemática dos resultados atingidos no momento atual. Pontos anteriores à formulação das questões, quando utilizados com clareza e sensibilidade na forma de categorias e hipóteses, contribuem para aquisição de grande quantidade de dados, mas são obstáculo maior na análise de problemas importantes.
    3. os paradigmas preliminares e parciais apresentados fornecem uma base para análise de problemas de política externa e militar. A forma como os modelos II e III abordam problemas antes tratados pelo modelo I permite avanços na explicação e na previsão.
    4. a presente formulação dos paradigmas é um primeiro passo, mas a explicação das escolhas do governo nem sempre são satisfeitas. No modelo I, os analistas podem explicar qualquer ato como precedentes de uma escolha racional, porém isso não necessariamente constitui explicação da realização da ação. No modelo II, há a explicação sobre t em termos de t-1, mas os governos fazem claros desvios em relação à noção de que o mundo é contíguo, faltando compreender melhor a relação entre programas e processos-tipo dentro das organizações e como um responsável pode melhorar o funcionamento dela. No modelo III há muita complexidade, demandando informações frequentemente esmagadoras e detalhes da negociação que podem ser relegados. Os paradigmas põem em evidência a aceitação parcial dos quadros de análise, cada um se concentrando numa categoria de variáveis e considerando outros fatores como ceteris paribus.