Mais uma Teoria de Democracia

Ficha de resumo do capítulo 22 do livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, de Joseph A. Schumpeter – Política II: Teoria Política Contemporânea – Prof. Luis Gustavo Mello Grohmann

I. A LUTA PELA LIDERANÇA POLÍTICA

  • é questionável dizer que o povo tem a opinião certa e racional a respeito de todas as questões e que manifesta sua vontade na democracia, através da escolha de representantes.
  • o papel do povo é formar um corpo intermediário, que formará o executivo nacional (governo).
  • o método democrático é um sistema institucional para a tomada de decisões políticas, onde o indivíduo adquire poder decisório nesta luta competitiva pelos votos do eleitor.
  • as escolhas do povo nem sempre levam a um governo efetivamente democrático – a História prova isso.
  • o método democrático é realista quando o eleitorado, através dos corpos coletivos que o formam, atua no sentido de aceitar a liderança.
  • não basta a execução da vontade geral, mas há de se explicar como ela surge e como ela é substituída.
  • as vontades coletivas autênticas só são atendidas quando um líder favorável a elas chega ao poder e as transforma em fatores políticos (põem em prática).
  • situação política – conjunto de circunstâncias resultantes da interação entre interesses regionais e opinião pública.
  • a luta pela liderança se dá pela concorrência livre pelo voto livre, mas nem nem sempre há uma concorrência “justa” – democracia ideal. O que se verifica é a presença de uma competição muitas vezes desleal, fraudulenta, semelhante ao que ocorre na vida econômica.
  • relação democracia – liberdades individuais: não há um governo que garante todas as liberdades nem um que suprima todas elas, porém a democracia é a forma governamental que mais garante liberdades, principalmente as de expressão e de imprensa.
  • o eleitorado, além da função de formar o governo, também tem o poder de dissolvê-lo, quer através da pressão social visando a forçar os líderes a seguirem certa linha de ação, quer (de forma radical) derrubando o governo não-mais-desejável.
  • a democracia não atende a absolutamente todos, ou seja, não representa de fato a vontade do povo, mas apenas a vontade da maioria.
  • o argumento da representação proporcional (para evitar a “injustiça da democracia”) cai por terra quando consideramos que a verdadeira função do voto é a simples aceitação da liderança.
  • Princípio da Democracia: o governo é entregue àqueles que conquistaram maior apoio que seus concorrentes.

II. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

  • Schumpeter analisa o governo nacional, ou seja, no qual a eleição do governo significa quem vai ser o líder (primeiro-ministro).
  • Apenas nos EUA o eleitorado realiza função direta de escolher o primeiro-ministro, presidente no caso. Nos demais países, os eleitores escolhem um órgão intermediário – o parlamento.

Como o parlamento forma o governo?

  • Método simples: elege-se o primeiro-ministro e depois a lista de ministros por ele apresentada – método raramente usado.
  • Método inglês clássico: após uma eleição geral, o partido com maior número de cadeiras no Parlamento, logo, o vitorioso, aprova um voto de desconfiança contra qualquer indivíduo, menos seu próprio líder. Assim, o primeiro-ministro é designado pelo parlamento para liderar o país,  é formalmente nomeado pelo monarca, para o qual apresenta a lista de ministros. Nesta lista estão cargos honoríficos (para veteranos de partidos), cargos secundários (para homens estratégicos nos debates do parlamento), cargos para elementos promissores (intelectuais) e cargos de indicação (para alianças, apadrinhamentos, troca de favores, etc).

Como se forma a liderança política do primeiro-ministro?

  • O primeiro-ministro toma posse como principal figura do seu partido no parlamento.
  • O primeiro-ministro após empossado torna-se líder do parlamento.
  • O primeiro-ministro adquire influência sobre os demais partidos ou desperta antipatia sobre eles ou sobre membros isolados.
  • A influência como primeiro-ministro é muito maior do que como líder do partido, pois pode elevar a opinião partidária à liderança nacional.
  • O parlamento, apesar de escolher o primeiro-ministro, não é independente em tal escolha, porque seus membros estão atrelados por fidelidade partidária ao suposto candidato antes e depois de eleito.
  • A revolta ou a resistência passiva contra o líder é essencial no processo democrático.
O Gabinete
  • constituído por um órgão duplo: o parlamento e o primeiro-ministro.
  • há um consenso interno e que visa à igualdade (não é desejável que um dos membros do gabinete se recuse a colaborar).
  • o gabinete constitui uma liderança intermediária, pela sua articulações intestinas e diárias que ocorrem entre os seus membros.
  • o objetivo primeiro é articular para os interesses do primeiro-ministro (líder máximo) que convergem para os da classe dominante e, em segundo plano, para o cumprimento da vontade do povo (muitas vezes não cumprida).
O Parlamento
  • elege o primeiro-ministro;
  • derrota o governo quando lhe convém;
  • função legislativa: elabora leis formais;
  • função administrativa: quando cuida de questões orçamentárias – aprova ou não propostas do ministro da Fazenda;
  • as manobras políticas internas, por parte dos partidos, são as que definem uma maior ou menor aceitação do governo e do próprio reconhecimento do primeiro-ministro.
  • o primeiro-ministro seleciona a pauta das discussões, porém herda muitas de outros governos e dificilmente consegue deliberar apenas segundo seus próprios interesses (sem enfrentar grupos opositores ou divergências intestinas de seu partido).
Exceções ao Princípio de Liderança Governamental
  • nenhuma liderança é absoluta.
  • a competição dentro da democracia pode resultar na substituição do líder, o qual não soube articular com eficiência o jogo político.
  • o líder reage às pressões negativas dentro do seu governo, adotando medidas equilibradas entre insistir na política que vinha desempenhando e ceder à oposição.
  • o jogo político na democracia, para Schumpeter, significa uma considerável liberdade, pois acaba atendendo os vários interesses.
  • quando um problema não é abordado pela máquina pública, há duas possibilidades:
  1. pode ser resolvido por um estranho, que de uma forma singular chega ao poder, independentemente, sem envolvimento com um partido.
  2. pode ser resolvido por um homem que simplesmente quer solucionar tal problema, mas sem intenção de fazer carreira política (exceção).
  • Schumpeter faz uma analogia entre o fim social e os verdadeiros objetivos na Economia e na Política. Na Economia, poderíamos dizer que o verdade objetivo é obter lucros, enquanto que o fim social seria a necessidade de produção para atender aos desejos humanos. Na política, por outro lado, podemos pensar que o significado social (do parlamento) é legislar e administrar, mas o verdadeiro objetivo seria a luta competitiva pelo poder e por cargos.
O Eleitorado
  • os eleitores possuem poder limitado, pois apenas aceitam os candidatos propostos e não podem escolher membros dos gabinetes, por exemplo.
  • a escolha de quem vai ser ou não uma liderança política é do próprio candidato (desconsiderando-se apelo popular).
  • a escolha dos candidatos por parte do eleitorado também é restringida pelos partidos políticos, pois os partidos têm princípios e plataformas pré-definidos, o que limita de uma forma ou outra a candidatura por parte de um ou outro aspirante a líder.
  • os eleitores, em última análise, são conduzidos de maneira limitada, tanto pelos partidos quanto pela máquina política.

As Lutas Políticas: o Estado, Condensação de uma Relação de Forças

Ficha de resumo sobre a segunda parte do livro O Estado, O Poder, O Socialismo, de Nícos Poulantzás – Política II: Teoria Política Contemporânia – Prof. Luiz Gustavo Mello Grohmann

  • O Estado deve ser analisado em termos de dominação política e de luta política.
  • Uma teoria do Estado capitalista deve considerar, além das relações de produção, a reprodução histórica desse Estado e as transformações por que ele passou quanto à constituição e reprodução das classes sociais, de sua luta e da dominação política.
  • Poulantzas refuta a teoria do Estado capitalista que prioriza a análise da estrutura econômica, deixando a luta de classes e a dominação política como causas que explicam àquela.
  • O autor critica ainda o teoricismo formalista que trata de concepções marxistas clássicas sobre o Estado como uma “teoria geral”, levando a banalizações do tipo “Todo Estado é um Estado de classes”. Tais formas são incapazes de expressar a realidade concreta e podem ser desastrosas, como foi no Entre Guerras, na estratégia do Komintern, fundamentada em uma concepção estatal inapta a diferenciar entre Estado democrático-parlamentar e Estado de exceção (o Fascismo).
  • O que Poulantzás propõe é uma análise no cerne das instituições estatais para, assim, compreender a inscrição da luta de classes, muito particularmente da luta e da dominação política, explicando as formas diferenciais e transformações históricas desse Estado.

I. O Estado e as Classes Dominantes

  • O Estado representa e organiza as classes dominantes.
  • O Estado representa e organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder, que é composto de frações de classe burguesas.
  • Classes oriundas de outros modos de produção participam junto com a burguesia deste bloco no poder. Exemplo: proprietários de terras.
  • O Estado é a unidade política das classes dominantes e é ele que as instaura como dominantes, através do conjunto de seus aparelhos (partidos políticos, polícia, exército etc)
  • O Estado tem autonomia relativa, devido à materialidade desse Estado em sua separação relativa das relações de produção e à especificidade das classes e lutas de classes sob o capitalismo que essa separação acarreta.
  • Poulantzas tenta fazer uma análise geral e atemporal, que abrange todos os tipos de capitalismos, argumentando que o Estado capitalista deve representar o interesse político a longo prazo da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações, variando conforme a época.
  • A burguesia, como classe dominante apresentada, apresenta-se sempre dividida em frações de classe.
  • Essas frações constituem, em conjunto, o bloco no poder, em graus de desigualdade no campo da dominação política.
  • O Estado detém autonomia relativa em relação a qualquer fração do bloco no poder, assegurando a organização do interesse geral da burguesia sob a hegemonia de uma das frações.

Como se estabelece concretamente essa política do Estado em favor do bloco burguês no poder?

Através da condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe no seio do Estado.

  • Refuta a ideia de o Estado ser Objeto (concepção instrumentalista do Estado, instrumento passivo, quase neutro, manipulado por uma das classes) ou de ser Sujeito (com autonomia plena, corrente institucionalista-funcionalista, racionalidade estatal, burocracia).
  • Poulantzás analisa as teorizações do Partido Comunista Francês (PCF), através de Fabre, Hincker e Sève, que rompem com o instrumentalismo e entendem o Estado como uma condensação da luta de classes. No entanto, tais pensadores apenas confrontam 2 teorias (a do Estado-objeto e a do Estado-sujeito), mas não conseguem perceber a materialidade própria do Estado como aparelho.
  • As duas teorias não precisam ser totalmente refutadas, argúi Poulantzas, mas fusionadas, já que o Estado é formado tanto pelas relações de produção como pela divisão social do trabalho, concentradas na separação capitalista do Estado e dessas relações, constituindo a ossatura material de suas instituições.
  • Mudanças de poder do Estado não bastam para transformar a materialidade do aparelho do Estado.
  • As teorias anteriores, quais sejam, do Estado-coisa e do Estado-sujeito, analisam o Estado como um bloco monolítico sem fissuras, ignorando suas contradições internas, sendo as contradições do Estado consideradas exteriores às classes sociais, neste; e, as contradições de classe consideradas exteriores ao Estado, naquele.
  • O Estado é constituído e dividido de lado a lado pelas contradições de classe e elas armam, assim, sua organização: a política estatal é o efeito de seu funcionamento no seio do Estado.
  • A organização do Estado é possível graças ao jogo de contradições (relações de força no interior do bloco no poder) na materialidade do Estado.
  • A política atual do Estado é resultado de contradições interestatais entre setores e aparelhos de Estado e intestinas a cada um deles:
  1. Trata-se de um mecanismo de seletividade estrutural da informação dada por parte de um aparelho e de medidas tomadas, pelos outros. (significa o lugar de cada aparelho na configuração da relação de forças);
  2. Representa um trabalho contraditório de decisões e de não-decisões (ausência sistemática) por parte dos setores e segmentos do Estado;
  3. Trata-se de uma série de prioridades e contra-prioridades contraditórias entre si;
  4. Há uma filtragem escalonada por cada ramo e aparelho, no processo de tomada de decisões, de medidas propostas pelos outros ou de execução efetiva.
  5. Verifica-se um conjunto de medidas pontuais, conflituais e compensatórias.
  • A política do Estado é constituída por contradições interestatais. Logo, o capitalismo está longe de ser organizado formalmente. No entanto, essas contradições inerentes ao processo de reprodução e acumulação do capital (e também à estrutura e cerne material do Estado) permitem a organização do bloco no poder e a autonomia relativa do Estado em relação a uma ou outra de suas frações.
  • A autonomia é resultante do que se passa dentro do Estado e não das contradições exteriores a ele.
  • As contradições interiores do bloco no poder atravessam a burocracia e o pessoal do Estado, segundo clivagens complexas, ramos e aparelhos do Estado (exército, administração, magistratura, partidos, igreja, etc).
  • O Estado deve ser entendido como um campo e um processo estratégicos, atravessado por núcleos e redes de poder repletas de contradições internas e compensações.
  • O Estado possui uma unidade de aparelho (centralismo) ligada à unidade do poder de Estado (atravessando suas fissuras).

Como foi estabelecida a unidade-centralização do Estado em favor do capital monopolista?

  1. Por transformações institucionais do Estado: alguns centros de decisão, dispositivos e núcleos dominantes só foram permeáveis aos interesses monopolistas.
  2. Esses centros passaram a orientar a política do Estado.
  3. A unificação de interesses gera hegemonia da classe ou fração, que se instala como aparelho dominante.
  4. No longo prazo, esse aparelho dominante passa a ser o próprio aparelho do Estado, estabelecendo-se por toda a cadeia de subordinação dos demais aparelhos interiores, consolidando os interesses hegemônicos.

Como deve se dar a ascensão das massas populares e suas organizações políticas ao poder, numa transição para o socialismo?

  1. Deve ser pela tomada do poder de Estado e pela transformação dos aparelhos de Estado.
  2. A esquerda tomar o poder não significa que ela vai controlar realmente (ou pelo menos alguns) aparelhos de Estado.
  3. A organização do Estado burguês permite funcionar por deslocamentos e substituições sucessivas, dando condições do deslocamento do poder da burguesia de um aparelho para outro.
  4. Como o Estado não é um bloco monolítico, as permutações do papel dominante entre os aparelhos (dado que os aparelhos são rígidos) constituem um processo mais ou menos longo.
  5. A rigidez e ausência de maleabilidade nas trocas entre aparelhos é desfavorável à burguesia, abrindo espaço para a esquerda no poder.
  6. As contradições internas e os deslocamentos entre poder real e poder formal estão também no seio de cada aparelho.
  7. Logo, é preciso raciocinar em termos de núcleos e focos de poder real em lugares estratégicos dos diversos setores e aparelhos de Estado.
  8. Não basta para a esquerda, portanto, tomar o poder, controlar o cume da hierarquia formal, mas se faz necessário, ainda, controlar núcleos de poder real.

II. O Estado e as Lutas Populares

  • O Estado concentra não apenas as relações entre forças do bloco no poder, mas também a relação de forças entre estas e as classes dominadas.
  • As lutas populares e os poderes atravessam o Estado e, por mais que elas sejam políticas, não constituem uma força exterior ao Estado, mas intrínsecas a ele.
  • Também as lutas que extrapolam o Estado (“fora do poder”), na verdade, originam-se dos aparelhos de poder, que as materializam e condensam-nas numa relação de forças. Logo, em virtude do encadeamento estatal complexo com os dispositivos de poder, sempre essas lutas são causadas (mesmo que indiretamente) por motivos intestinos.
  • A organização hierárquica-burocrática do Estado e sua estrutura material relativamente às relações de produção visam a reproduzir internamente a relação dominação-subordinação das classes populares, na qual o inimigo destas está sempre dentro do Estado.
  • Além de exercer hegemonia sobre as demais classes e frações de classes no poder, um aparelho dominante no seio do Estado também detém poderes político-ideológicos sobre as classes dominadas.
  • Não é possível, argumenta Poulantzas, uma relação de duplo poder dentro do Estado (das classes dominantes e das classes dominadas) – no caso de uma fração de classe popular participar do Estado.
  • É  preciso transformação radical do Estado para que a classe popular, adentrando no poder, efetivamente exerça poder real sobre os demais aparelhos. E, mesmo assim, a curto ou longo prazo, o Estado tende a restabelecer a relação de forças em favor da burguesia.
  • A ação das massas no interior do Estado é condição necessária, mas não suficiente.
  • Há diferenças nas estratégias políticas das diversas frações do capital para com as massas populares, que são fatores primordiais de divisão no seio do bloco no poder.
  • As várias frações do bloco no poder, muitas vezes, tentam assegurar-se no Estado com o apoio de massas populares (ou de frações delas contra outras).
  • As lutas populares estão inscritas na materialidade do Estado, não estando, portanto, em posição de exterioridade, mas derivam da configuração estatal através da relação existente nos aparelhos constitutivos.