Cuba since 1959

DOMINGUEZ, Jorge. Cuba since 1959. In: BETHELL, Leslie (Ed.). Cuba: A Short History. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. p. 95-156.

  • Dominguez nos dá um panorama no mínimo peculiar da Revolução Cubana, considerando que ela aconteceu “somewhat unexpectedly” e dando margem à interpretação de que a queda de Batista foi um fenômeno isolado do movimento de guerrilha. Como o próprio autor diz “suddenly Batista was gone” e o poder simplesmente teria passado de uma mão para outra, agora para uma nova geração de cubanos.
  • O antigo regime colapsou e agora eram necessárias novas normas, regras e instituições. Esse processo iniciou através do desmantelamento do Exército oficial e dos partidos políticos, restando apenas o Partido Socialista Popular (PSP). Os próximos trinta anos, a partir de 1959, demandariam criatividade revolucionária, persistente comprometimento para criar ordem na revolução e compromisso com os ideais revolucionários.

A Consolidação do Poder Revolucionário (1959-62)

  • Os EUA viram com preocupação o que ocorria em Cuba, em razão da importância estratégica e econômica da ilha para os interesses norte-americanos. Ademais, em 1959, Cuba recebia o maior número de investimentos norte-americanos que qualquer outro país da América Latina, com exceção da Venezuela, além de, em termos de comércio, os EUA absorverem 2/3 das exportações cubanas e fornecerem ¾ das importações.
  • Inicialmente, Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho, bem como outras forças revolucionárias, buscaram afirmar o nacionalismo em Cuba e as críticas aos EUA eram limitadas, segundo o autor, por motivos táticos, durante a fase de guerrilha.
  • As relações Cuba-EUA estavam pautadas, no início da Revolução, por três pontos:
    1. Havia desconfiança e raiva com relação às críticas norte-americanas sobre os eventos em Cuba. As relações tornaram-se pobres em razão do choque entre os valores dos revolucionários e os dos norte-americanos.
    2. Impacto inicial da Revolução nas firmas norte-americanas operando em Cuba. Os conflitos em decorrência da aplicação da reforma agrária se deram principalmente com a expropriação de terras de proprietários estrangeiros; tais “conflitos agrários locais” azedaram as relações EUA-Cuba.
    3. Mudança de atitude cubana com relação ao investimento estrangeiro privado e ajudas econômicas estrangeiras oficiais. Inicialmente Castro deu boas-vindas ao investimento estrangeiro e realizou uma visita oficial aos EUA, a qual segundo o autor, serviu para ganhar tempo para transformações mais amplas de uma forma específica que ainda estava incerta. Entretanto, um pequeno grupo de revolucionários concluíram que o choque com os EUA era inevitável.

A revolution would require the promised extensive agrarian reforms and probably a new, far-reaching state intervention in the public utilities, mining, the sugar industry and possibly other manufacturing sectors. Given the major U.S. investments in these sectors, and United States hostility to statism, revolution at home would inevitably entail confrontation abroad. (BETHELL, 1993, p. 98)

  • Junho de 1959: aprovada a Lei de Reforma Agrária, resultando na perda de apoio dos moderados. No mesmo mês, Guevara entra em contato pela primeira vez com a União Soviética, embora naquele momento o comércio bilateral com Cuba fosse insignificante.
  • As relações entre Cuba e EUA continuam a se deteriorar na segunda metade de 1959 por pequenos episódios em que um acusava o outro.
  • Em março de 1960 Eisenhower autorizou a CIA a organizar treinamento de exilados cubanos para uma futura invasão de Cuba.
  • Junho de 1960: refinarias estrangeiras recusam-se a processar o petróleo cru importado por Cuba da URSS. Castro então as expropria. No mesmo mês, o Congresso norte-americano autorizava o presidente a realizar cortes na compra da cota de açúcar de Cuba. Como resposta, Cuba expropria todas as propriedades norte-americanas em seu território.
  • Julho de 1960: Eisenhower cancelou a cota de açúcar de Cuba. Como resposta, seguem-se expropriações de empreendimentos norte-americanos nos ramos industrial e agrário, bem como confisco de todos os bancos dos EUA em Cuba. A reação dos EUA foi proibir exportações para Cuba, exceto gêneros alimentícios não subsidiados e medicamentos.
  • Janeiro de 1961: os EUA rompem formalmente relações diplomáticas com Cuba.
  • Em contraste, as relações com a URSS foram aprofundadas no mesmo período. Em 1960 foram assinados acordos bilaterais nas áreas econômica e militar. A URSS estava disposta a defender Cuba de uma possível invasão norte-americana e esta crescente colaboração militar Cuba-URSS aguçou as hostilidades dos EUA em relação a Havana.
  • A rápida e dramática mudança nas relações Cuba-EUA foi acompanhada pela reorganização dos assuntos econômicos e políticos internos de Cuba, a qual gerou dentre outras consequências uma migração massiva para os EUA. Politicamente, essa comunidade de exilados vai formar uma forte força anticomunista.

Most emigrantes came from the economic and social elite, the adult males typically being professionals, managers and executives, although they also included many white-collar workers. On the other hand, skilled, semi-skilled and unskilled workers were under-represented relative to their share of the work force, and rural Cuba was virtually absent from this emigration. This upper-middle- and middle-class emigration was also disproportionately white. (BETHELL, 1993, p. 100)

  • Esses exilados vão chamar a atenção do governo norte-americano, que vai passar a auxiliá-los na derruba de Castro. Em março de 1961, diversos líderes-chave dos exilados concordaram em formar um Conselho Revolucionário, cuja Brigada 2506 estava sendo treinada na Nicarágua e Guatemala. A administração Kennedy herdou o plano para a invasão do governo anterior e concordou em permitir à força de invasão treinada pela CIA avançar, tomando cuidado de que as forças norte-americanas não fossem utilizadas, de forma similar ao golpe dado em Arbenz na Guatemala em 1954. Esse episódio foi a invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961, que foi derrotada em 48 horas pelas forças cubanas. Essa vitória de Castro foi importante para consolidar a revolução socialista.
  • A defesa de uma revolução radical em face ao ataque dos EUA demandava, segundo o autor, suporte da URSS. Em dezembro de 1961, Castro declara-se marxista-leninista e em julho de 1962, Raúl Castro, Ministro das Forças Armadas, viaja à URSS para garantir suporte militar adicional soviético. Em outubro de 1962, a URSS instalou 42 mísseis balísticos de médio alcance em Cuba, gerando uma crise nuclear sem precedentes desde o lançamento das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki. O desfecho da crise, entretanto, deu-se sem prévia consulta a Cuba, onde a URSS retirava suas forças estratégicas e em troca os EUA comprometiam-se a não invadir Cuba. Um entendimento sobre a questão veio a governar as relações EUA-URSS sobre Cuba. Como consequência, segundo o autor, ambos Fidel Castro e os oponentes exilados perderam o apoio de suas superpotências aliadas.
  • O ponto de inflexão na política interna de Cuba ocorreu em outubro e novembro de 1959, ou seja, antes de romper com os EUA ou dos primeiros tratados com a URSS. Os ingredientes internos dessa mudança, segundo o autor, foram a eliminação de muitos não-comunistas e anticomunistas da coalizão original e o choque do regime com os negócios. “Uma nova liderança consolidou a ordem centralizada e autoritária.” (p. 105)
  • Conforme os conflitos internos e internacionais aprofundaram-se durante 1960 e 1961, o governo desenvolveu seu próprio aparato organizacional. Tendo obtido controle sobre a FEU (Federación Estudiantil Universitaria) e a CTC (Confederación de Trabajadores Cubanos), a liderança estabeleceu uma milícia com dezenas de milhares de membros para construir apoio e intimidar inimigos internos. Nesse contexto, foram importantes a FMC (Federación de Mujeres Cubanas) e os CDR (Comités de Defensa de La Revolución), espalhados em cada cidade, quadra, fábrica ou centro. Em 1961 foi criado um novo partido comunista, a ORI (Organizaciones Revolucionarias Integradas), com membros do antigo Partido Comunista, o PSP. Os membros do PSP trouxeram conhecimento teórico sobre o marxismo-leninismo para a ORI, bem como funcionavam de ponte entre a liderança e a URSS. Em 1963, a ORI torna-se o PURS (Partido Unido de La Revolución Socialista).

Políticas Econômicas e Desempenho

  • A política econômica dos primeiros anos da Revolução era de uma rápida industrialização, pois a ultradependência na indústria de açúcar era vista como sinal de subdesenvolvimento. Essa estratégia foi arquitetada por Guevara enquanto Ministro das Indústrias.
  • Um plano de desenvolvimento foi formulado com a ajuda da União Soviética e países do Leste Europeu, mas, de acordo com Dominguez, Cuba não estava preparada para uma economia centralmente planificada. Os planos previam metas ambiciosas, mas o resultado foi que a economia colapsou em 1962, aprofundando-se em 1963, com a queda da produção de açúcar. A importação de maquinário e equipamento para a acelerada industrialização, associado ao declínio nas exportações de açúcar, geraram uma crise no balanço de pagamentos.
  • Em junho de 1963, Castro anuncia uma nova estratégia, desta vez voltada para a produção de açúcar e diminuindo os esforços para a industrialização. As expectativas em torno da colheita de 1970 eram grandes e mobilizaram todos os cubanos em um espírito nacionalista. A expectativa era de elevar para 10 mi de toneladas, mas alcançaram 8.5 mi.
  • De 1963 a 1970, ocorreu um debate de alto nível sobre a “natureza da organização econômica socialista”. Havia, de um lado, Guevara, que arguia que a parte da economia nas mãos do Estado era uma única unidade. A lei do mercado deveria ser eliminada para mover rapidamente para o comunismo e, nesse sentido, o planejamento central era crucial. De outro lado, argumentava que a parte da economia cubana possuída pelo Estado era uma variedade de empreendimentos independentes de posse do Estado e operado por ele. Dinheiro e créditos eram necessários para manter controles efetivos sobre a produção e avaliar o desempenho econômico. O primeiro modelo, portanto, requeria “extraordinary centralization”, já o segundo conferia maior autonomia para cada firma.
  • O debate foi encerrado com a saída de Guevara do Ministério das Indústrias em 1965, em suas jornadas na África e América Latina. Suas políticas, entretanto, foram totalmente adotadas e sua implementação foi levada aos extremos. O autor atribui, aí, a “calamidade” do desempenho econômico nos anos 1960 à “visão equivocada” de Guevara bem como ao caos administrativo desencadeado por Fidel Castro, como ele próprio reconheceria no discurso de 26 de julho de 1970.
  • O modelo requeria a centralização total da economia. Em 1963, houve uma nova lei de reforma agrária, passando 70% das terras para as mãos do Estado. O “clímax da coletivização”, segundo o autor, ocorreu em 1968 quando lojas, restaurantes, bares, etc passaram para o domínio e gerência do Estado. Paradoxalmente, o planejamento foi abandonado e, somente um plano setorial foi implementado de 1966 em diante, mas com poucos efeitos. O autor tece um panorama caótico da economia dos anos 1960 em Cuba.
  • As mudanças na política trabalhista foram igualmente “dramáticas”. A mudança dos incentivos materiais para uma ênfase nos “incentivos morais” significava que a consciência revolucionária do povo garantiria um aumento da produtividade, da qualidade e reduções dos custos. Os trabalhadores eram pagos da mesma forma, independente dos esforços ou qualidade e o dinheiro era visto como fonte de corrupção capitalista.
  • Tais mudanças foram acompanhadas de uma mudança estrutural maior no mercado de trabalho. O desemprego despencou, porque nos anos 1960 muitos desempregados foram alocados em empreendimentos do Estado, mas Cuba passou a sofrer com falta de mão-de-obra. “Inefficiency and under-employment were institutionalized in the new economic structures”. A produtividade por trabalhador despencou, enquanto emprego aumentava e a produção declinava. Havia, ainda, o fator sazonal da produção de açúcar. A interpretação do autor é curiosa, pois considera que o fato de o governo cubano ter empregado todos os trabalhadores durante todo o ano foi um dos incentivos para que eles “trabalhassem menos”.
  • Os incentivos morais, para Dominguez, não eram suficientes. O governo passou então a mobilização das massas para trabalhar nos campos de cana e outros setores da economia. Essa mobilização contou com voluntários e por membros das Forças Armadas, que, após derrotarem as forças internas em 1966, passaram a atuar diretamente nas atividades econômicas produtivas.
  • Nos anos 1970 o crescimento econômico de Cuba era sombrio. Duas duras recessões marcaram o início e o fim da década. Castro assumiu responsabilidade pelo desastre e mudou a polícia econômica. Um alívio para Cuba veio do mercado internacional, onde os preços do açúcar subiram de 3,68 centavos de dólar para 29,60 centavos em 1974, contribuindo para uma melhoria no desempenho econômico na primeira metade da década de 1970.
  • Paralelamente, ocorreu uma reforma interna na organização econômica, passando a adotar o modelo soviético. Assim, reapareceu em Cuba o planejamento central macroeconômico, levando a adoção de seu primeiro plano quinquenal em 1975, o qual, segundo o autor, foi “mais realístico que qualquer coisa que o governo tinha adotado antes” (p. 112).

A Construção do Socialismo

AYERBE, L. F. A construção do socialismo. In: ______ A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004, p. 59-92.

  • Os EUA tendem a atribuir a política em relação a Cuba como uma resposta às medidas implementadas por Fidel Castro, entretanto o que se observa é que historicamente os norte-americanos possuíam interesses econômicos e políticos na ilha, além de um histórico de intervenções e interferências na América Latina e Caribe, cujo exemplo “mais fresco” para a época era a Guatemala.
  • Cuba dependia da exportação de um único produto, o açúcar, em relação a um único mercado, o dos EUA, o que “limitava enormemente” no momento da Revolução cubana as opções por uma política independente.
  • Houve inicialmente uma “simpatia benevolente” com relação à Revolução, mas quando Cuba tratou de fazer reformas estruturais, essa boa vontade desapareceu rapidamente.
  • Para financiar o “projeto de desenvolvimento com autonomia de decisões” era necessário não depender dos países capitalistas desenvolvidos ou do sistema financeiro internacional e, para isso, foram realizadas algumas “expropriações dos expropriadores”, que significavam na prática medidas nacionalizantes; nas palavras de Florestan Fernandes, “o governo revolucionário preparava ou estimulava a criação de uma base econômica para certas medidas de grande impacto ou para o alargamento de sua intervenção na economia”. (p. 60)
  • Tais expropriações foram uma resposta ao governo dos EUA, que havia radicalizado sua política exterior para Cuba. No entanto, a medida que causaria uma mudança estrutural mais radical foi a reforma agrária, as demais visavam a melhoria de vida da população e uma diversificação econômica, fortalecendo a industrialização.
  • A reforma agrária, portanto, desencadeou o início do confronto entre os objetivos da Revolução e a política externa dos EUA. A Lei de Reforma Agrária foi assinada em 17 de maio de 1959 e criava o Inra (Instituto Nacional de Reforma Agrária). Os objetivos eram “eliminar o latifúndio, corrigir os minifúndios e extinguir a alienação de terras cubanas e estrangeiras”. (p. 61)
  • Os EUA então reclamaram das indenizações das expropriações de terras pela reforma agrária, sendo que quando ocuparam o Japão (1945-52) e lá implantaram uma reforma agrária, utilizaram de métodos muitos semelhantes: prazos longos de carência e juros anuais relativamente baixos.
  • Na verdade, a “política de retaliação” já se delineava no governo Eisenhower e aprofudou-se no governo Kennedy, através de uma série de pressões contra Cuba e tentativa de isolamento da ilha e exclusão dos órgãos multilaterais regionais. Exemplos:
    • 1960: pressões para restringir a venda de combustível a Cuba, o que obrigou o país a recorrer ao fornecimento soviético de petróleo; redução da cota de importação do açúcar cubano em 95%.
    • 1961: rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Cuba então assina acordo de venda de açúcar para a URSS e de importação de petróleo; aviões dos EUA bombardeiam quartéis e aeroportos tentando destruir aviões cubanos; invasão da Baía dos Porcos.
    • 1962: Cuba é expulsa da OEA; EUA decretam o bloqueio econômico do país, mais tarde também impõem o bloqueio naval.
  • Em 16 de abril de 1962 Fidel Castro proclama publicamente pela primeira vez que a Revolução cubana é socialista.
  • Nos primeiros anos da Revolução ocorre uma grande onda migratória para a Flórida, principalmente setores médios e altos da população, gerando um déficit de técnicos e profissionais.
  • Diante do bloqueio, Cuba obrigou-se a reorientar seu comércio exterior para regiões mais distantes, o que encarecia suas exportações e importações.

A Presença de Ernesto “Che” Guevara

  • Na segunda metade dos anos 1960, a dependência do açúcar passou a ser vista pelas autoridades cubanas como um déficit estrutural, mas até 1965, período que Guevara esteve à frente da economia do país, não era essa a percepção.
  • Até 1965, foram implantadas diversas medidas que centralizavam a gestão econômica nas mãos do Estado, concentravam esforços na industrialização, na substituição de importações de manufaturados e na ampliação da pauta de exportações. Isso tudo sob o comando de Guevara, ocupando cargos como Ministro da Indústria e diretor do Banco Nacional de Cuba.

A estratégia que orienta sua atuação merece destaque em três aspectos: assegurar para o país uma alternativa permanente de acesso a mercados, financiamento e abastecimento que compense a ruptura de relações com os Estados Unidos; independência econômica autossustentada tendo como suporte principal a industrialização; estabelecimento de uma nova ética nas relações econômicas e sociais pautadas pela ideia de solidariedade e espírito comunitário. (AYERBE, 2004, p. 64)

  • A saída encontrada, quanto ao primeiro aspecto, foi o estreitamento de relações com o bloco soviético. Esse relacionamento perpassava os interesses puramente econômicos, mas era também estratégico, pois ao contar com o apoio de uma superpotência, seria possível romper o isolamento regional e reforçar o próprio regime que estava sob ataque externo e interno.
  • Quanto aos focos de insurgência internos, houve conflitos no início dos anos 1960, principalmente com focos armados na Serra de Escambray, província de Sancti Spiritus e na província de Las Villas. Foram derrotados pelas forças do governo, com baixas e prisioneiros. Desarticulados os movimentos armados, a principal força de oposição cubana será a comunidade de exilados nos EUA.
  • O ambiente agora era mais favorável ao aprofundamento da Revolução, conforme o objetivo estratégico de Guevara. Quanto ao segundo objetivo, um desenvolvimento autossustentado ancorado na industrialização, as expectativas foram frustradas. Para alcançá-lo, em 1961, Guevara lançou um plano quadrienal bastante ambicioso com meta de crescimento de 15% ao ano, que em 1963 ele próprio reconhecera ser “simplesmente ridículo” quer tal crescimento num país “com uma economia baseada na monocultura”. (p. 67)
  • Os êxitos obtidos com a melhoria das condições de vida do povo permitiram um maior acesso da população ao consumo, gerando escassez interna e aumento das importações, num contexto onde as exportações de açúcar declinavam em razão da diminuição da produção, resultado de uma forte seca.
  • Houve uma melhora significativa na qualidade de vida da população mais pobre, onde a taxa de analfabetismo caiu para 3,9%, o nível mais baixo da América Latina na época, foi implantado o ensino público em todos os níveis e houve forte redução das tarifas de energia e telefonia, fatores estes que levam o autor a considerar que aí reside o fundamental apoio da população à Revolução até os dias de hoje.
  • Havia, entretanto, um desencontro entre as metas de expansão e os limites estruturais da economia de Cuba, o que leva o governo a encarar a realidade da monocultura. Em 1963, é implementada a segunda reforma agrária, passando o Estado a controlar 60% da propriedade agrícola. Em 1964, é assinado um convênio com a URSS colocando 5 mi de toneladas anuais de açúcar.
  • Outro aspecto está relacionado ao “estímulo ao espírito coletivo da população”, compensando as deficiências estruturais do subdesenvolvimento. Este espírito estaria ancorado numa ética socialista que tinha como base sentimentos de solidariedade em que a comunidade não pouparia esforços para atingir as metas do plano quadrienal. Servia-se, segundo o autor, de um “instrumento de forte efeito simbólico”: o trabalho voluntário.
  • A frente do Ministério das Indústrias, Guevara implanta o Sistema Orçamentário de Financiamento, em que as transações comerciais foram convertidas em operações contábeis, graças a um controle centralizado das atividades das empresas. Encontra resistências de economistas marxistas, que defendiam um sistema de gestão baseado no cálculo econômico e menos centralizado. A saída do Ministério em 1965 não significará, entretanto, abandono da concepção de centralização da propriedade dos meios de produção nas mãos do Estado.
  • Guevara dirige-se ao Congo para lutar ao lado das forças de Mulele e do Comitê de Libertação Nacional (CLN), em uma nova campanha revolucionária, a qual fracassa. Após retornar a Cuba, em 1966 dirige-se à Bolívia, onde organiza um foco guerrilheiro, cujo objetivo seria funcionar como “centro de irradiação da revolução” pelos demais países da região, mas em 1967 é capturado e assassinado pelas forças bolivianas.
  • No início de 1967, Guevara redige a “Mensagem à Tricontinental”, dirigida aos líderes da Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, onde define as principais linhas da estratégia de internacionalização da revolução, que, na prática, guiará os rumos da política externa cubana na segunda metade dos anos 1960. Nessa carta, condena o imperialismo americano e critica as “burguesias autóctones”, que, segundo Guevara, perderam a capacidade de oposição ao imperialismo.
  • Em 1967 também é criada a Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas), que definiria a coordenação dos esforços revolucionários na região com apoio logístico, treinamento militar e cobertura de inteligência. O governo cubano passa, a partir daí, a dar apoio a diversas organizações armadas na América Latina, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, no Brasil, e o Movimento Peronista Montonero, na Argentina.
  • Segundo o autor, houve uma “radicalização política interna e externa” da revolução, processo que foi acompanhado de um aprofundamento da estatização dos meios de produção, com seu ápice em 1968, onde são nacionalizados todos os setores comerciais urbanos.
  • Nesse contexto de aproximação comercial com a URSS, a nova estratégia econômica de Cuba era colocar novamente o açúcar como eixo dos esforços de crescimento e, para isso, o governo mobilizou todos os recursos a seu alcance para a safra de 1970, transformando-a “num compromisso coletivo da sociedade cubana com o êxito da revolução”. A safra não atinge a meta e o governo, nos anos 1970, irá rever novamente sua política econômica, alinhando-se cada vez mais à URSS.

A institucionalização da revolução

  • Nos anos 1960 surgiram várias organizações sociais que expressavam a participação de amplos setores da sociedade cubana na construção do socialismo. Exemplos:
    • Associação de Jovens Rebeldes, que em 1962 passa a ser União de Jovens Comunistas (UJC).
    • Federação das Mulheres Cubanas (FMC).
    • Comitês de Defesa da Revolução (CDR): voltados principalmente para vigilância, enfrentamento de ilegalidades, prevenção social e saúde.
    • Escolas de Instrução Revolucionária.
    • Bureau de Coordenação de Atividades Revolucionárias: cria as bases para a formação de um partido unificado da revolução. Em 1965 é criado o PCC (Partido Comunista Cubano).
  • O país vinha sendo regido pela Lei Fundamental da República de 1959, sancionada pelo Conselho de Ministros nomeado pelo presidente Manuel Lleó. Essa Lei garantia a divisão de poderes, entretanto concentrando no Executivo as atribuições legislativas e constituintes, formando um “superpoder”, conforme De La Cuesta.
  • Em julho de 1959 Lleó renuncia, sendo substituído por Osvaldo Torrado, que exerce o cargo de presidente até 1976, quando Fidel assume, depois de eleito com base na nova constituição, a Constituição de 1976.
  • A Constituição de 1976 significou a institucionalização da revolução e naquele mesmo ano ocorrem as primeiras eleições desde 1959. Com esta Carta, Cuba seguirá passos semelhantes ao dos países do Leste Europeu, definindo-se como um país socialista e com um partido (o PCC) de orientação marxista-leninista, além de prever a implantação de um sistema de planejamento central com base em planos quinquenais e a participação no Came (Conselho Econômico de Ajuda Mútua), que reunia o bloco soviético.

Cuba – Estados Unidos

AYERBE, L. F. Cuba – Estados Unidos: De Monroe a Reagan. In: ______ A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004, p. 41-57.

América para os Americanos

  • Embora marcada pelo isolacionismo no século XIX, a política externa dos EUA estendeu esse conceito a toda a América Latina, criando a Doutrina Monroe em 1823, que fixava limites à intervenção de potências europeias no continente.
  • A Doutrina Monroe foi invocada explicitamente de 1823 a 1904, mas nunca deixou de integrar o pensamento dos formuladores da política exterior norte-americana. Durante esse período são formulados cinco corolários, sendo o mais famoso o de Theodore Roosevelt, de 1904, conhecido como Big Stick, utilizado para solucionar a questão da dívida externa da Venezuela, com seus portos bloqueados por esquadra de navios ingleses, alemães e italianos.
  • Theodore Roosevelt era influenciado pelas ideias de Mahan sobre geopolítica do poder naval e controle marítimo, daí a importância que os EUA passam a dar para a região do Caribe, considerada estratégica; segundo o autor, uma “terceira fronteira”.
  • O governo Theodore Roosevelt (1901-1909) será marcado por uma tentativa de hegemonia na região do Caribe. Em 1903, embasados na Emenda Platt, instalaram uma base militar em Cuba, em Guantánamo. A pedido do presidente cubano Estrada Palma, em 1906 os EUA ocupam Cuba pela segunda vez, para derrotar a “Revolução de Agosto” do Partido Liberal, abandonando a ilha somente em 1909.
  • Nos anos 1930, com Franklin Roosevelt na presidência, as relações hemisféricas foram pautadas pela “boa vizinhança”, a qual sofreu algumas adaptações com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, contexto em que os EUA passam a pressionar as nações latino-americanas para um envolvimento com os aliados e uma tentativa de proteção da região contra o Eixo, promovendo o isolamento de governos simpáticos ao nazifascismo.

Os Desafios do Mundo Bipolar

  • A Revolução Cubana se torna emblemática para os EUA no pós-Segunda Guerra, porque neste contexto eles se preocupavam com a possibilidade de expansão do bloco soviético e faziam o possível para contê-lo.
  • O governo Eisenhower (1953-61) perseguiu esses objetivos ao derrubar o primeiro-ministro do Irã em 1953, em razão de sua política nacionalista com relação ao petróleo; e ao intervir na Guatemala contra o presidente eleito em 1954, que ao realizar reforma agrária, contrariava aos interesses da United Fruit.
  • O governo Kennedy (1961-63) gera uma inflexão no intervencionismo de Eisenhower, segundo o autor, e propõe a promoção de reformas econômicas e sociais, embora sem abandonar políticas preventivas e repressivas. Essa iniciativa foi cristalizada na Aliança para o Progresso (ALPRO) de 1961, criada para a implementação de políticas de reformas estruturais na América Latina e Caribe. Quanto à prevenção de novas revoluções como a cubana, reforçou-se a política de treinamento e aparelhamento das forças repressivas.
  • Entretanto, em abril de 1961 os EUA colocam em prática o plano de intervenção em Cuba, deixado pela administração anterior. Uma expedição partindo da Guatemala invadiu a Baía dos Porcos e foi rapidamente derrotada pelas forças cubanas, que fizeram prisioneiros. O fracasso da invasão desencadeia um “processo de radicalização nas relações entre Cuba e os Estados Unidos”. (p. 49)
  • No final de 1961, Kennedy autoriza a Operação Mangusto, envolvendo ações clandestinas de sabotagem, guerra econômica e atentados contra autoridades. Cuba torna-se uma obsessão no interior da administração Kennedy e isso só se intensifica com a descoberta de mísseis soviéticos na ilha. Em outubro de 1962, os EUA impõem o bloqueio naval a Cuba, incluindo barcos comerciais. O fim da crise dos mísseis se deu através da negociação, em que a URSS comprometeu-se a retirar os armamentos e os EUA comprometeram-se em não invadir Cuba.
  • A questão que se impõe, segundo o autor, é o fato de novamente, assim como na guerra pela independência de 1898, Cuba não ter participação nas negociações para o desfecho da crise, mesmo sendo um episódio que afetava seu destino como “nação soberana”. (p. 51)
  • Finda a crise dos mísseis, Kennedy retoma as ações encobertas contra Cuba, que previam diversas modalidades de atentados terroristas, os quais não foram implementados, embora em 1963 o governo autorizasse algumas operações de sabotagem.
  • Che Guevara irá criticar a ALPRO na reunião da OEA em 1961, argumentando que o foco da iniciativa não era o desenvolvimento econômico da região, mas apenas suprir deficiências básicas. Segundo sua visão otimista, Cuba poderia crescer 10%, enquanto a OEA projetava um crescimento de 2,5% para a América Latina e Caribe.
  • Após o assassinato de Kennedy, assume o vice-presidente Lyndon Johnson (1963-69), cujas preocupações recaem cada vez mais sobre o Vietnã, enquanto na América Latina reforçam-se as saídas não institucionais, com o apoio do Pentágono e da CIA no combate encoberto aos inimigos dos EUA. Nesse período a via do militarismo irá recair em golpes na Argentina, Brasil, Peru, Bolívia, Guatemala, Honduras e República Dominicana.

Alinhamento e desenvolvimento associado (1946-1961)

CERVO, A.; BUENO, C. Alinhamento e desenvolvimento associado (1946-1961). História da Política Exterior do Brasil. Brasília: EdUnB, 2002, p. 269-307.

Dutra e o alinhamento na Guerra Fria

  • Chanceler do período: Raul Fernandes.
  • Pós-guerra: Brasil e América Latina sob hegemonia norte-americana, graças ao “plano” implantando na década de 1940, que se refletia nas esferas econômica, política e cultural.
  • O “plano norte-americano” não se restringia à conjuntura da guerra, mas visava à conquista de mercados e fortalecimento de sua própria economia para consolidação de seu “sistema de poder”.
  • Naquele contexto os EUA haviam se tornado um dos “polos do poder mundial” e deram prioridade a um sistema planetário de segurança que deixava em segundo plano a América Latina.
  • Diferentes concepções sobre a cooperação para o desenvolvimento: EUA recomendavam usar o BIRD e o Brasil queria ajuda de caráter político.
  • Missão Abbink (1948): comissão técnica Brasil-EUA organizada para estudar a situação econômica do país e apresentar propostas para o seu desenvolvimento.
  • Nos aspectos político e militar, houve “completo alinhamento” com os EUA: visita oficial de Truman ao Brasil (1947) e de Dutra nos Estados Unidos (1949), primeiro presidente a visitar oficialmente os EUA.
  • Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR (1947): integrava o sistema interamericano ao sistema mundial, prevendo mecanismos de manutenção da paz e da segurança no hemisfério; significou o alinhamento da América Latina ao bloco de poder ocidental.
  • Ruptura de relações diplomáticas com a URSS após a cassação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), gerando ataques da imprensa estatal soviética ao governo brasileiro e levando à deterioração das relações.
  • Brasil-China: o governo brasileiro fechou embaixada e consulado após a derrota de Chang Kai-Chek; Brasil acompanhou o voto dos EUA na ONU votando contra a entrada da República Popular da China, embora Osvaldo Aranha fosse pessoalmente favorável.

O segundo governo Vargas e a pressão nacionalista

  • Chanceler do período: João Neves da Fontoura.
  • Contexto interno: polarização entre nacionalistas e entreguistas; “populismo”, nacionalismo e anti-imperialismo passam a integrar o discurso político da época.
  • IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos (mar/abr 1951): o governo americano solicitou esse encontro, preocupado com o comunismo internacional e seu possível avanço sobre a América Latina; assim apresentou um “plano de mobilização econômica” e pediu às nações latino-americanas que o adotassem.
    • O Brasil apresentou um memorandum com uma série de reivindicações para uma maior cooperação com o subcontinente e para um projeto de desenvolvimento para o país.
    • Vargas cobrou dos EUA o “ônus aos recursos das nações menos desenvolvidas” gerado durante a Guerra e tentava utilizar a fidelidade brasileira e sua atuação no conflito como barganha para obter ajuda econômica.
    •  Havia uma nova postura na política externa brasileira, que depois seria retomada na Operação Pan-Americana e na Política Externa Independente da década seguinte: o Brasil queria cooperação americana para seu desenvolvimento e argumentava que assim se evitaria a “agressão interna”, a revolução, enfim, a penetração do comunismo.
    • Resultados políticos: não houve divergências, referendaram a atuação da ONU na questão da Coreia.
    • Resultados militares: recomendou às nações do hemisfério preparação militar orientada à “defesa do continente” e repressão de eventual agressão.
    • Resultados econômicos: divergências, pois o plano de mobilização econômica americano previa utilizar as matérias-primas das nações latino-americanas, o que foi contestado pelo Brasil, preocupado com o desenvolvimento. Os EUA cederam às reivindicações dos países menos desenvolvidos e consideraram o desenvolvimento econômico como “elemento essencial” para a defesa do continente.
  • Comissão Mista Brasil-Estados Unidos: criada em 1950, mas só instalada em 1951 após negociações bilaterais com o governo americano na IV Reunião de Consulta. O objetivo era integrar técnicos e economistas dos dois países para formular projetos de cooperação econômica. Presidente: Horácio Lafer.
    • Vargas tomou duas medidas nacionalistas durante o funcionamento da Comissão: enviou ao Congresso projeto de criação da Petrobrás e regulamentou as remessas de lucros ao exterior.
    • Em 1952, a Comissão aprovou 41 projetos, na área de transportes e energia, financiados pelo Eximbank, BIRD e capitais europeus. Em contrapartida, o Brasil forneceria “minerais estratégicos”.
    • Em 1953, a Comissão foi extinta, com a ascensão dos republicanos e Eisenhower no poder.
    • Os resultados foram positivos apenas no longo prazo, pois seus projetos seriam incorporados no plano de metas de JK.
    • Plano Lafer (ou Plano de Reaparelhamento Econômico), originou da Comissão e previa importação de máquinas/equipamentos com empréstimos do BIRD e Eximbank, embora não tenha sido aplicado integralmente.
  • O acordo militar e os minerais atômicos: por iniciativa norte-americana, Brasil e EUA assinam um Acordo de Assistência Militar Recíproca (1952), mudança de postura dos EUA em razão da Guerra da Coreia, contexto em que ficariam responsáveis pela defesa do continente e forneceriam armas, financiamento e treinamento para os países da AL. Em contrapartida, o Brasil deveria fornecer “matérias-primas estratégicas”.
    • Brasil ficava numa situação de dependência dos EUA com relação à aquisição dos equipamentos e treinamento; debate ideológico: nacionalistas consideraram que só beneficiava os EUA; para o MRE, era benéfico em termos militares e do desenvolvimento econômico; os partidários do alinhamento aplaudiram.
    • Guerra da Coreia: Vargas recusou-se a enviar tropas, em desacordo com a solicitação da ONU (1951) e apenas contribuiu com “minerais estratégicos”. A recusa agradou em parte aos nacionalistas.
    • Fev 1952: outro acordo com os EUA para venda de “minerais atômicos” (monazita, cério, terras raras), tendo como contrapartida financiamentos para o desenvolvimento do país. Não houve “compensações específicas”, no sentido de transferência de tecnologia para possível uso da energia atômica no país. Em 1954, o Brasil fez outro acordo com os EUA para exportar tório em troca de trigo.
    • Havia divergências entre integrantes do governo e das Forças Armadas sobre a “política atômica”, bem como entre CNPq e Itamaraty, refletindo-se no Congresso.
    • Resultados: Brasil fica dependente dos EUA também no aproveitamento de materiais atômicos; deterioração dos termos de troca no comércio entre os dois países; forte presença cultural norte-americana e em investimentos muito acima dos outros países geraram o discurso anti-EUA.
  • Algumas medidas nacionalistas de Vargas teriam desagradado aos EUA e possivelmente contribuído para o suicídio de Vargas: criação da Petrobrás (1953), decreto-lei que limitava em 10% as remessas de lucro ao exterior (1954) e o projeto da Eletrobrás (1954). Tais medidas incomodar o Departamento de Estado, mas segundo Bandeira “inexistem provas sobre a participação oficial norte-americana”.

O hiato Café Filho

  • Chanceler do período: Raul Fernandes
  • Ministro da Fazenda: Eugênio Gudin, liberal; tendência simpática ao capital estrangeiro; buscou empréstimos nos EUA, mas lá persistia a concepção de que os países deveriam buscar financiamentos privados para seu desenvolvimento.
  • Acordo sobre “excedentes agrícolas” (1955): Brasil compraria cereais em cruzeiros a uma taxa fixa, em contrapartida os EUA emprestariam o produto desta venda ao BNDE. Intercâmbio comercial melhorou.
  • Acordos na área de energia atômica (1955): acordo de cooperação para uso civil da energia atômica e Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, visando a um levantamento das “províncias uraníferas brasileiras” através de técnicos norte-americanos.
  • Os acordos sofreram restrições, dentro da política “Átomos para a Paz” de Eisenhower. Isso desagradou aos nacionalistas e gerou debates com os liberais.
  • Os acordos produziram resultados “satisfatórios” já em 1956 e apresentavam compensações específicas em decorrência do Atomic Energy Act (1954), em que os EUA passaram a transferir conhecimentos nessa área. Também outros países da AL assinaram acordos semelhantes, refutando a tese do entreguismo.
  • O governo foi acusado pelos nacionalistas de ter atendido aos interesses americanos na política atômica e isso gerou uma CPI no Congresso em 1956.
  • Em termos de política exterior, Café Filho representou um retorno ao governo Dutra e destacou-se pela política atômica, marcada por intensas divergências entre os militares e o Itamaraty na questão das compensações.

Juscelino Kubitschek: rumo à diplomacia brasileira contemporânea

  • Chanceleres do período: José Carlos de Macedo Soares, Negrão de Lima e Horácio Lafer sucessivamente.
  • Acreditava-se que o contexto externo poderia solucionar a situação de subdesenvolvimento em que se encontrava o país. Para sair do “atraso”, era preciso reformas internas para atacar problemas como 1) a necessidade de receber capitais e tecnologia; 2) a deterioração dos termos de troca; 3) ampliação do mercado externo para aumentar a capacidade de importar bens/equipamentos para o desenvolvimento.
  • O governo JK é considerado “nacional-desenvolvimentista” e seu projeto de desenvolvimento previa ampla participação do capital estrangeiro, o que implicou em políticas para sua atração em uma conjuntura internacional favorável.
  • Nos últimos anos de governo, diante de desequilíbrios externos e deterioração dos termos de troca, passou a adotar uma política de fomento às exportações, já que a capacidade de importação do país havia aumentado, e de atração da poupança externa.
  • Operação Pan-Americana (1958): iniciativa brasileira a partir de troca de cartas entre JK e Eisenhower, resgatando o ideal “pan-americanista” e conclamando por solidariedade política para enfrentar, através do desenvolvimento e do fim da miséria, ameaças de ideologias “exóticas” e “anti-democráticas”.
    • O contexto na América Latina, no entanto, era de antiamericanismo e anti-imperialismo → hostilidades ao vice Nixon em Caracas e Lima (1958).
    • JK sempre se referia ao desenvolvimento da América Latina como um todo, não apenas o Brasil e desejava “formar ao lado do Ocidente, mas não desejamos constituir seu proletariado”.
    • A OPA visava à luta contra o subdesenvolvimento em escala global, não apenas no sentido econômico.
    • Foram propostos estudos para aplicação de capitais privados em áreas atrasadas do continente, fortalecimento das economias internas, disciplina do mercado de produtos de base, entre outros.
    • JK enfatizava a importância de capitais públicos em razão do elevado montante para setores básicos e de infraestrutura.
    • Criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (1960), com capital inicial de 1 bilhão de dólares para financiamento e assistência técnica, com participação de 20 países americanos.
    • Criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC (fev 1960), entre Brasil, Argentina, México, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, com objetivo de promover a “estabilidade” e a “ampliação do intercâmbio comercial”, desenvolvimento de novas atividades, aumento da produção e “substituição de importações”.
    • Aliança para o Progresso: resposta tardia do presidente Kennedy, na conjuntura da crise de Cuba, à ideia da OPA.
    • Críticas de Osvaldo Aranha: falta de conversão das propostas em resultados práticos; modelo desenvolvimentista de JK muito fundado na industrialização, ignorando a agricultura e a reforma agrária.
  • Defesa da agroexportação nos organismos internacionais lutando pela estabilização dos preços dos produtos primários e denunciando a “injustiça” do comércio internacional.
    • 1957: Brasil reage apreensivamente à formação do Mercado Comum Europeu, em razão da concorrência desigual que geraria entre as exportações do país e as oriundas do territórios “não-autônomos”, e levou sua posição junto ao GATT.
    • Horácio Lafer apresentou um memorando à Comunidade Econômica Europeia (CEE), reclamando sobre a tarifa comum que incidia em mercadorias originários de países fora da comunidade e pleiteando por sua redução para países da América Latina.
    • Conferência Internacional do Café (1958): objetivo de racionalizar as relações de comércio para evitar os “males” advindos de flutuações bruscas. Foram firmados acordos para criação de uma OI do café.
    • Aproximação comercial com a URSS: enviada uma Missão (1959), num contexto de excedentes de café e do início da “coexistência pacífica” entre EUA e URSS. Assinatura de acordo comercial de compensação: venda de café em troca de trigo, petróleo e diesel. → reações na opinião nacional. Osvaldo Aranha se mostra favorável e considerava que o Brasil não deveria se isolar.
  • Relações com a África: acompanhou a posição dos colonialistas na ONU e passou “ao largo” do processo de libertação das nações africanas que foi decisivo justamente entre 1958 e 1960, não assumindo posição veemente de condenação do colonialismo, embora defeendesse a “auto-determinação” dos povos. Mesmo assim no Relatório do MRE de 1960 consta que o Brasil reconheceu a independência de 17 países africanos.
  • Relações com a Ásia: estabelecidas relações diplomáticas com a República da Coreia e com o Ceilão (1960) e abertura de embaixadas.
  • Relações bilaterais no Cone Sul: Acordos de Roboré (1958), firmados com a Bolívia.
    • Tratados sobre vinculação ferroviária e exploração do petróleo (1938) → Comissão Mista Brasil-Bolívia de Petróleo (1952) → presidente Estenssoro repõe a questão a Café Filho (1955) → embaixador do Brasil na Bolívia Teixeira Soares propõe “negociação global” das relações (1956) → Missão Especial (1957) → início das negociações entre os chanceleres dos dois países em Corumbá e Roboré (1958), resultando em 31 acordos bilaterais.
    • Os acordos previram a demarcação de limites entre os dois países; modificação do tratado ferroviário de 1938 relativo à estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra; e, aproveitamento do petróleo boliviano, o que abriu espaço à “iniciativa privada brasileira”, mas não à Petrobrás.
    • Houve grande repercussão contrária aos acordos, que o consideravam “entreguista”, “estratégia arquitetada pelos trustes”, “atentado à Petrobrás e ao monopólio estatal de petróleo”. Assim, apesar de terem sido feito sob notas reversais, houve solicitação da Câmara para que fosse negada a ratificação de algumas reversais (parecer acolhido em 1960). Em 1961 o Executivo submeteu as reversais ao Congresso.