As Dimensões da Economia

Resumo do capítulo 2 do livro A Chave do Tamanho – Desenvolvimento Econômico e Perspectivas do Mercosul, de Luiz Augusto Estrella Faria – Economia Internacional I – Prof. Luiz Augusto Estrella Faria

A Dinâmica Econômica e Suas Dimensões

  • as primeiras comunidades humanas não tinham qualquer preocupação com o espaço territorial apenas faziam uso deste, desde o surgimento do homem até o início das civilizações.
  • a partir da invenção da agricultura (primeiro evento econômico da humanidade), o espaço passou a ser incluído na vida social do homem, alterando, inclusive, a dimensão temporal.
  • a relação sociedade-tempo-espaço pode ser entendida através de 2 relações:
  1. unidirecionalidade do tempo nas relações sociais— fênomenos sociais são irreversíveis e dependentes de outros fenômenos.
  2. constante dinamicidade— velocidade sempre crescente e distâncias no espaço cada vez maiores (Milton Santos, aceleração; Harvey, compreensão do tempo-espaço).

“Acelerações são momentos culminantes na História, como se abrigassem forças concentradas, explodindo para criarem o novo.”   (SANTOS, 1994)

  • Milton Santos: explica a aceleração do tempo, associando-a à inovação tecnológica.
  • David Harvey: argumenta no sentido da objetividade do espaço e do tempo, que teria padrões imutáveis, porém variam conforme a reprodução social em determinado período/lugar. Ou seja, um espaço e um tempo objetivos são resultados de um processo material, o qual, por sua vez, é reprodução da vida social.
  • Fernand Braudel: considera que o desenvolvimento da instituição do mercado foi determinante para transformar as dimensões de tempo e espaço no capitalismo.
  • antes do surgimento do capitalismo: acumulação de poder ligada à expansão territorial.
  • no capitalismo: o espaço é submetido pelo capital através da conquista política/militar.

“O espaço social é submetido pelo capital quando a relação mercantil se sobrepõe às demais […] quando sua vida é subordinada à lógica da mercadoria, quando a acumulação da riqueza abstrata é a fonte principal de poder, quando o fetiche da mercadoria envolve com seu véu todas as formas da existência social.”  (FARIA)

  • Gênese do capitalismo, segundo Marx:  1ª fase) acumulação primitiva: imposição da lógica da mercadoria à circulação da produção impulsionando a relação mercantil, graças ao domínio da moeda. 2ª fase) a que levou à Rev. Industrial: capital adentra a esfera da produção, apropriando-se dos meios de produção, utilizando o assalariamento no processo de criação do valor.
  • Polanyi →take off autopoiético: o capitalismo endogeniza mecanismos para sua auto-regulação.
  • Braudel e Polanyi criticam a visão neoclássica da evolução espontânea do comércio internacional, que imagina a lógica da mercadoria como natural ao ser humano (feiras medievais → mercantilismo → entrepostos/portos/encruzilhadas → comércio de longa distância →formação dos mercados nacionais).
  • Para Polanyi não houve evolução natural do comércio, pois foi necessário uma força externa = poder político → monopólios
  • Braudel, de argumentação semelhante, assevera que o comércio internacional não seria capaz de evoluir por si só, sem a aliança com o poder político (rei + burguesia = mercantilismo).
  • Por quê?
  1. a centralização monárquica propiciou a regulação do comércio e a criação de uma legislação (em cada Estado nacional), desde a unificação de pesos e medidas até a formação de empresas estatais (WIC, por exemplo), criando condições para a expansão do comércio;
  2. aliou-se às burguesias locais;
  3. pôs fim aos monopólios, acabou com o protecionismo imposto pela nobreza feudal e por cidades protecionistas, desmantelando o comércio local individualista e conduzindo o sistema ao livre-comércio em escala internacional.
  • Mercantilismo→ movimento predominantemente para dentro, o que leva (em um primeiro momento) à formação do mercado nacional e (em um segundo momento) à uma expansão para fora, ou seja, comércio internacional.
  • A internalização do mecanismo de regulação pelo sistema econômico é que vai criar condições para a posterior expansão para fora, o que, por tabela, leva à ampliação das dimensões do ciclo econômico, aumento do fluxo de informações e a uma maior velocidade nos processos sociais e políticos.

O Espaço

  • espaço é entendido aqui como espaço econômico = espaço territorial onde se desempenham atividades econômicas.
  • primórdios do comércio: a busca por mercadorias fora do seu espaço ocorria em virtude da necessidade de se buscar aquilo que não podia ser produzido internamente.
  • fatores que levaram à expansão do espaço econômico: 1) evolução técnica (Escola de Sagres, por exemplo); 2) desenvolvimento dos transportes e comunicações; 3) aumento do poder político (argumento de Arrighi).
  • Imperialismo (início do séc. XX) – segundo o marxismo clássico, o capitalismo era expansionista, pois necessitava de uma economia externa que proporcionasse uma saída para os excedentes de capital e mercadoria, impossíveis de serem realizados apenas internamente (Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo).
  • Pós-Segunda Guerra – teorias centro-periferia no sistema econômico mundial.
  • Segunda metade do século XX – capitalismo é entendido como sistema mundial com uma relação muito particular com a dimensão espacial (Braudel, Wallerstein, Hobsbawn).
  • Braudel – analisa a trajetória da evolução das relações mercantis e sua relação com a ampliação do espaço, onde mercados locais vai desaparecendo, considerando o desenvolvimento dos transportes e das comunicações em tal processo.
  • Podemos entender a evolução proposta por Braudel da seguinte forma:

mercado local (unidade econômica = burgo; monopólio dos comerciantes locais e obediência ao poder político local = nobreza feudal) → mercados regionais (unidade econômica = cidade mercantil; sistema hierarquizado de cidades; monopólio da burguesia das cidades dominantes) → mercados nacionais (unidade econômica = Estado moderno; destruição dos monopólicos locais/regionais através da centralização/unificação do poder em Estados que não tinham cidades comerciantes importantes = Reino Unido, França, Portugal, Espanha, por exemplo).

  • formação dos mercados nacionais:

1º Nível: continuidade da circulação mercantil da produção em um sistema articulado com seus diferentes setores;

2º Nível: unidade fiscal (baseada na circulação da produção);

3º Nível: unidade monetária (facilita a ação da lei do valor, o fluxo comercial e a cobrança de tributos).

  • Arrighi – analisa o desenvolvimento da relação mercantil com a ampliação do espaço, argumentando que no capitalismo o poder emana da acumulação da riqueza abstrata, não apenas do controle político de um povo/território, distinguindo, assim, a lógica de poder do “capitalismo” da do “territorialismo”.

” Os governantes territorialistas identificam o poder com a extensão e a densidade populacional de seus domínios, concebendo a riqueza/o capital como um meio […] da busca pela expansão territorial. Os governantes capitalistas […] identificam o poder com a extensão de seu controle sobre os recursos escassos e consideram as aquisições territoriais um […] subproduto da acumulação de capital. ”                                                                                                                           (ARRIGHI, 1994, p. 33)

O Tempo

  • tempo é uma grandeza endógena ao sistema econômico com tamanho e velocidade determinados pelo próprio sistema.
  • Arrighi → Ciclos Sistêmicos de Acumulação:  os “séculos longos” são acelerados e duram cada vez menos; há um período de expansão e um de crise; a crise é o momento da mudança da hegemonia econômica; concentra sua toeria na ordem mundial.
  • crise sinalizadora: crise que inicia um período de transição.
  • crise terminal: crise que encerra o período de transição, logo, inicia uma nova fase do capitalismo.
  • exemplo: a crise de 1929 foi sinalizadora para o surgimento do Fordismo e terminal para os posteriores (pós-fordismo, toyotismo, just-in-time, etc).
  • Braudel → Teoria da Regulação: prioriza os sistemas econômicos nacionais, argumentando que semelhanças ocorrem entre o desenvolvimento de certos países pelo simples fato de terem características internas parecidas, graças à proximidade de seus níveis de amadurecimento (exemplo: EUA e Europa durante o Fordismo; o processo de industrialização dos paíse latino-americanos etc).

Os Sistemas Econômicos e o Regime Internacional

  • sistema econômico pode ser interpretado como a análise do capitalismo enquanto tipo de organização econômica da sociedade, considerando a relação entre capital, trabalho, etc; ou, ainda, pode se entender a economia mundial, composta de um conjunto de sistemas econômicos individuais justapostos e articulados (regime internacional, para Braudel).
  • teoria da estabilidade hegemônica (Gilpin, Keohane, Kindleberger): a ordem internacional liberal necessita de um líder (em termos de “capabilities”, considerando predominantemente o fator econômico como determinante dessa hegemonia). Tal liderança, retomando Gramsci, seria hegemônica quando fizesse uso da coerção (domínio legal e, se necessário, com o uso da força) e do consenso (domínio cultural, ideológico e psicológico) ao mesmo tempo.
  • Robert Cox: considera que o sistema de hegemonia é muito mais complexo, logo, instável, pois, segundo ele, depende não só dos fatores defendidos pelos teóricos da estabilidade hegemônica, mas também de uma imagem coletiva da ordem mundial e de razões intersubjetivas que induzem comportamentos/ações.  Assim, o regime internacional não seria puramente econômico, mas dependeria também de relações sociais, políticas e ideológicas.
  • críticas às teorias da dependência/centro-periferia/terceiro-mundismo: as nações têm uma autonomia relativa, pois podem fazer mediações no plano internacional, tornando-se ativas na sua própria inserção na DIT.
  • Mistral: considera que o regime internacional é integrado e essa integração é que permite estabelecer conexões que se complementam (“complementaridades“), as quais favorecem a acumulação de capital, ao invés de suscitar “competições destrutivas”. Essas complementaridades só são possíveis porque cada espaço econômico é específico e peculiar.
  • Lipietz: o regime internacional é resultado de processos multideterminados em que os resultados também podem ser múltiplos. (Nota minha: particularmente acho isso a maior verborragia)
  • o regime internacional, portanto, é fruto de inter-relações dos sistemas econômicos individuais através de uma relação hierárquica e não se pode afirmar que ele é autocentrado e auto-regulado.
  • não é autocentrado, pois é apenas o sistema individual hegemônico que atua como centro.
  • não é auto-regulado por não ser autopoiético (como são os sistemas econômicos individuais) e prescindir de relações sociais, que, quando combinadas com instituições, direcionam o sistema para o regime internacional.

Espaço e Economia na Aurora do Século XXI

  • Arrighi: o século XX foi caracterizado por diferentes regimes em disputa para inaugurar um novo ciclo sistêmico de acumulação, o que poderá caracterizar o século XXI também como longo.
  • crítica ao determinismo tecnológico: não é a técnica em si que importa para a constituição de um novo regime de acumulação, mas a mudança técnica associada a mudanças sociais.
  • o progresso técnico é um elemento endógeno do capitalismo, podendo ser encarado como “consequência” e não como “causa” de mudanças sistêmicas.
  • analisando o Fordismo, podemos considerar 3 pilares que levaram a ruína deste modo de regulação:
  1. redução dos ganhos de produtividade: governos aumentam salários reais para aumentar a demanda → aumento do gasto público = inflação
  2. quebra da estabilidade monetária e cambial (agravada pela inflação)
  3. Estado e sua política econômica: fracasso das políticas keynesianas → aumento do déficit público → ascensão do neoliberalismo.
  • Neoliberalismo – medidas: desregulamentação dos mercados financeiros; liberalização dos fluxos internacionais de capital-dinheiro; internacionalização da propriedade do capital produtivo (antes praticamente sem mobilidade, devido à redução dos ganhos de produtividade, que inviabilizavam novos investimentos).

A Mudança na Dimensão Espacial do Sistema Econômico

  • modelo de desenvolvimento fordista: regime de acumulação intensivo combinado com modo de regulação monopolista e estruturado no espaço econômico do mercado nacional.
  • a dimensão espacial do fordismo → nacional, mas com projeção regional, o que justifica a precocidade do processo de integração da Europa.
  • os antigos impérios coloniais, adotando o padrão industrial norte-americano, criaram formas próprias de modos de regulação (nacionais), numa tentativa de estabilizar os processos de acumulação de capital em suas economias.
  • século XX: ordem mundial instituída pelos EUA → paridade cambial fixa; proteção no comércio exterior; OI’s (FMI, BIRD) controlam fluxos de capital financeiros e balanço de pagamentos → declínio nos anos 1970 → para os regulacionistas, crise final do Fordismo; para Arrighi, crise sinalizadora do declínio do ciclo de acumulação norte-americano.
  • pós-fordismo: aumento da interdependência econômica regional (União Europeia, MERCOSUL, etc), o que leva a um modo de regulação instituiído fora do espaço nacional; reordenamento da hierarquia na ordem mundial, onde cada país atua na cena internacional de acordo com a posição em que ocupa no cenário atual.