A Terceira Onda – democratização no final do século XX – Por quê?

HUNTINGTON, S. P., Por quê? In: ______ A terceira onda: a democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1994. cap. 2. p. 40-112.

Explicação para as ondas

  • Ondas de democratização e ondas reversas são manifestações de um fenômeno mais geral em política, que ocorrem em certas épocas históricas de maneira mais ou menos simultânea em diferentes países/sistemas políticos.
  • Considerando-se democratização como x, o que poderia ter causado o desencadeamento de xx? Explicações possíveis:
    • Causa única: todos os xx tem uma causa única (A) que ocorreu à parte dos acontecimentos em cada um dos países analisados. Essa causa única é um acontecimento importante que tenha impacto sobre muitas outras sociedades. Exemplo: surgimento de uma nova superpotência.
    • Desenvolvimento paralelo: os xx podem ser causados por desenvolvimentos semelhantes nas mesmas variáveis independentes (a1, a2, etc) manifestando-se mais ou menos simultaneamente em todos os países analisados. Exemplo: um país tende a ser democrático quando atinge certo desenvolvimento econômico; o progresso democrático é causado por algo interno e particular de tal país, mas causas semelhantes podem estar em ação simultaneamente (ou quase) em outros países produzindo mesmos resultados.
    • Bola-de-neve (snowballing): uma causa única (a1) em um país pode causar x1 nesse mesmo país, mas a partir daí x1 pode causar eventos comparáveis em outros países, que podem sofrer o efeito bola-de-neve. Isso porque o acontecimento x em um país é cada vez mais capaz de disparar um evento comparável quase simultaneamente em um país diferente.
    • Panaceia predominante (prevailing nostrum): causas imediatas do acontecimento x em diferentes países pode ser significativamente diferentes, entretanto podem provocar uma resposta comum, caso as elites dos diferentes países partilharem uma crença comum na eficácia daquela resposta (panaceia). As causas individuais específicas (a1, b2, c3, etc) de mudança política agem sobre um conjunto comum de crenças políticas (z) produzindo respostas semelhantes.

Explicação para as ondas de democratização

  • Variável dependente deste estudo: democratização.
  • Objetivo do estudo: explicar por que alguns países autoritários tornaram-se democráticos num determinado período de tempo, com foco na mudança do regime.
  • Para explicar uma mudança na variável dependente, precisamos de alguma forma de mudança na variável independente, no entanto a mudança na variável independente pode tomar a forma de persistência dessa mesma variável. Assim, o efeito cumulativo da variável independente ao longo do tempo acaba produzindo mudanças na variável dependente.
  • A variável dependente não é apenas dinâmica, mas também complexa. O fatores que levam ao fim de um regime não-democrático podem diferir significativamente dos que levam à criação de um regime democrático.
  • A democratização envolve: 1) o fim de um regime autoritário; 2) a instalação de um regime democrático; 3) a consolidação do regime democrático; sendo que esses desenvolvimentos podem ter causas diferentes e contraditórias.
  • A análise da variável independente “causas possíveis da democratização” também apresenta problemas. Por que as elites políticas alteram/derrubam regimes autoritários e instalam democráticos? A variável explicativa mais importante diz respeito às crenças e ações das elites políticas, porém não é satisfatória, já que a democracia poderia ser criada mesmo que as pessoas não quisessem.
  • A distinção entre variável independente e variável dependente fica mais clara quando são de ordens diferentes, por exemplo usar uma variável econômica para explicar uma variável política.
  • O problema da sobredeterminação (múltiplas teorias para explicar um acontecimento e a problemática de se estabelecer a validade relativa destas) não existe para quem está preocupado em explicar os acontecimentos. Para ocorrer historicamente, um acontecimento quase tem que ser teoricamente sobredeterminado, o que acontece claramente com a democratização.
  • Variáveis que se acredita que contribuam para a democracia e para a democratização: alto nível global de riqueza econômica, distribuição de renda, economia de mercado, desenvolvimento econômico e modernização social, aristocracia feudal em algum ponto da história, ausência de feudalismo, burguesia forte, classe média forte etc.
  • Cada variável e cada teoria, entretanto, muitas vezes têm relevância apenas para um pequeno número de casos.
  • Não adianta buscar uma variável independente comum (universalmente presente) para explicar o desenvolvimento político em países tão diferentes, isso porque as causas da democratização diferem substancialmente de um lugar/momento pra outro.
  • Existe uma cadeia de causação, além de fatores internacionais, sociais, econômicos, culturais e políticos, todos em operação, ora conflitivos ora convergentes, para a criação da democracia ou a sustentação do autoritarismo, por isso as causas da democratização são variadas e seu significado no tempo também tende a variar bastante.
  • Principais causas da primeira onda de democratização: desenvolvimento econômico e social, ambiente econômico e social das colônias de povoamento britânicas e vitória dos Aliados na I Guerra Mundial.
  • Principais causas da segunda onda de democratização: predomínio de fatores políticos e militares, podendo dividir os países em três categorias – 1) aliados impuseram a democracia (Alem. Ocid., Itália, Japão, Coreia do Sul etc); 2) moveram-se na direção democrática em razão da vitória dos Aliados (Grécia, Turquia, Brasil, Colômbia etc); 3) enfraquecimento dos Estados ocidentais e o crescente nacionalismo nas colônias desencadeou o processo de descolonização, muitos adotando a democracia.

Explicação para a terceira onda

  • Por que cerca de 30 países com regimes autoritários mudaram para sistemas democráticos, mas aproximadamente 100 outros não? Devemos analisar as histórias de mudanças de regime nestes países.
  • Padrões de mudança de regime, considerando-se A (regimes autoritários), D (regimes democráticos) estáveis e duradouros e “a” e “d” para regimes menos estáveis e de curta duração:
    1. padrão cíclico (a – d – a – d – a – d):
    2. segunda tentativa (A – d – a – D):
    3. democracia interrompida (A – D – a – D):
    4. transição direta (A – D):
    5. padrão de descolonização (D/a – D):
  • Por que as mudanças ocorreram entre 1970 e 1980 e não em outra época? Mudanças nas variáveis independentes plausíveis, nos anos 1960 e 1970, produziram a variável dependente “mudanças para regime democrático” nos anos 1970 e 1980. Quais foram essas mudanças?
    1. aprofundamento dos problemas de legitimidade dos sistemas autoritários num mundo onde valores democráticos eram amplamente aceitos e o solapamento desta por derrotas militares, fracassos econômicos e os choques do petróleo (1973-74 e 1978-79).
    2. crescimento econômico global sem precedentes na década de 1960, elevando padrão de vida, aumentando nível de instrução e expandindo a classe média urbana em muitos países;
    3. profundas mudanças na doutrina e atividades da Igreja católica: transformação das igrejas nacionais, passando de defensoras do status quo a opositoras.
    4. mudanças nas políticas de atores externos: nova atitude da CE (1960), mudança na política externa americana a partir de 1974, política de Gorbatchev no final dos anos 1980.
    5. efeitos bola-de-neve, possibilitados pelos novos meios de comunicação internacional, das primeiras transições para democracia na terceira onda, estimulando e fornecendo modelos para mudanças de regime em outros países.

O declínio da legitimidade e o dilema do desempenho

  • Muitos regimes autoritários dos anos 1970 enfrentaram problemas de legitimidade devido às suas experiências democráticas prévias; isso levou muitos governantes autoritários a venderem uma retórica democrática.
  • O problema da legitimidade varia de acordo com o regime:
    • sistemas de partido único produto de desenvolvimento nativo: ideologia e nacionalismo são utilizados conjuntamente pra sustentar o regime. Ex: Estados comunistas revolucionários, México e China.
    • sistemas onde o comunismo e o sistema de partido único foram impostos por forças externas: nacionalismo torna-se empecilho e a ideologia inicialmente conferiu legitimidade, mas ao mesmo tempo foi um entrave ao desenvolvimento econômico, afetando a legitimidade.
  • A legitimidade das maioria dos regimes declina com o tempo, porém na democracia há renovação através das eleições, já nos regimes autoritários não há auto-renovação, o que contribui para erodir sua legitimidade.
  • Em alguns casos, regimes autoritários desenvolveram mecanismos de renovação – sucessão rotinizada – (México e Brasil), o que trazia alguns benefícios: 1) levava as principais figuras do establishment a ter a esperança que da próxima vez que ascendessem o poder reduziriam as turbulências ou tentativas de derrubar a liderança existente (cada novo presidente era uma promessa); 2) a sucessão regular tornava possíveis e prováveis as mudanças políticas.
  • Legitimidade negativa: inicialmente os regimes militares beneficiavam-se de uma legitimidade negativa derivada dos fracassos do regime democrático anterior. Essa legitimidade declinava com o tempo.
  • Dilema do desempenho: os regimes autoritários (1960-1970) encaravam o desempenho como principal fonte de legitimidade, assim os governantes perdiam legitimidade quando não satisfaziam as expectativas de desempenho.
  • O desempenho econômico insatisfatório, causa pelas duas crises do petróleo (1974 e 1979) contribuiu para a crise dos regimes autoritários na década de 1970, pois levou países como Peru e Filipinas a abandonarem suas promessas de reformas social e econômica.
  • As políticas adotadas pelos governos autoritários para lidar com as crises do petróleo e da dívida pioraram a situação econômica dos países, logo, solaparam ainda mais a legitimidade do regime. Foi o que aconteceu nas Filipinas, Argentina, Uruguai, Grécia, Portugal, Peru e Brasil.
  • Os regimes comunistas não foram tão abalados com os acontecimentos da economia mundial, embora Polônia e Hungria tivessem contraído altas dívidas. A estagnação econômica nesses regimes, nos anos 1970-1980 é vista como resultada das economias de comando impostas pela URSS e não foi suficiente pra provocar movimento na direção democrática.
  • Fracassos militares também contribuíram para queda/enfraquecimento de cinco regimes autoritários (1974-1989): Portugal (que enfrentou a guerra colonial), Filipinas (oposição comunista), URSS (fracasso no Afeganistão), Grécia e Argentina (Malvinas).
  • Mas a legitimidade de um regime autoritário também era abalada quando ele cumpria suas promessas, pois ao alcançar seu propósito, ele perdia seu propósito, já que as razões para se apoiar o regime diminuíam dado os altos custos (ex. falta de liberdade etc). Caso da Argentina (Montoneros) e Brasil (dado o estabelecimento da ordem, o regime foi forçado a se institucionalizar, logo, levou a liberalização gradual).
  • Como a legitimidade estava baseada no desempenho, os regimes perdiam legitimidade quando não tinha bom desempenho e também quando apresentavam um.
  • Como os líderes respondiam à erosão da legitimidade?
    1. recusavam-se a reconhecer seu enfraquecimento, convictos de que se manteriam no poder e porque havia fracos mecanismos de feedback na maioria dos regimes autoritários.
    2. respondia tornando-se mais repressivo, baseado na obediência obrigatória e mudando-se a liderança. Caso da Grécia (1973), Argentina (1981), China (1989).
    3. provocar um conflito externo e recuperar a legitimidade pelo nacionalismo: isso enfrenta um obstáculo, que é o fato de que as forças militares dos regimes militares estão muito envolvidas na política, sem estrutura efetiva de comando para operações militares externas. Casos da Grécia (1974) e Argentina (1982).
    4. tentar dar uma aparência de legitimidade democrática ao regime: a maioria dos regimes autoritários dos anos 1970 prometia restaurar a democracia em algum momento, mas aí caíam no dilema das eleições e a imprevisibilidade do seu resultado.
    5. assumir a tarefa de liderar a transição para o sistema democrático, o que poderia exigir primeiro uma mudança de liderança no interior do sistema autoritário.
  • A queda da legitimidade de um regime autoritário não necessariamente leva imediatamente a um regime democrático. Caso do Irã (1978) e Nicarágua (1979) que passaram de ditaduras personalistas para outras formas autoritárias. Na África e outros lugares do Terceiro Mundo ocorreram transições para regimes marxistas-leninistas. Na América Latina, ditaduras de direita estimularam o movimento revolucionário de esquerda, contido pelos militares, mas que gerou uma nova intelectualidade na esquerda pró-democracia.

Desenvolvimento econômico e crises econômicas

  • Os fatores econômicos têm um impacto sobre a democratização, mas não são determinantes; assim, não há um nível de desenvolvimento econômico que seja necessário ou suficiente para provocar a democratização.
  • As democratizações da terceira onda foram afetadas por alguns fatores econômicos:
    1. saltos nos preços do petróleo em uns países e restrições marxistas-leninistas em outros provocaram turbulências econômicas que enfraqueceram os regimes autoritários.
    2. no início dos anos 1970 muitos países alcançaram níveis globais de desenvolvimento econômico que deram base econômica para a democracia, facilitando a transição.
    3. em alguns países o crescimento econômico acelerado desestabilizou os regimes autoritários, forçando-os a liberalizar ou aumentar a repressão.
  • Há uma correlação, desenvolvida no séc. XIX, entre riqueza e democracia. “A maioria dos países ricos é democrática e a maioria dos países democráticos, com exceção da Índia, é rica”. As transições para a democracia ocorrem primeiramente em países situados em um nível médio de desenvolvimento econômico.
  • Entre os países ricos e os pobres existe uma zona de transição política: países nesta zona têm maior tendência a transitar para a democracia. Assim, a medida que se desenvolvem economicamente passam para essa zona e são passíveis de democratização.
  • O surto de crescimento econômico pós-II Guerra, que durou até o choque do petróleo (1973-74) levou muitos países para a zona de transição, criando condições econômicos para desenvolver a democracia; assim, a onda de democratização que começou em 1974 foi produto do crescimento econômico das décadas anteriores.
  • As transições tinha maior tendência a ocorrer em países de nível médio e médio-superior de desenvolvimento econômico, concentrando-se na zona de renda um pouco acima da observada antes da II Guerra.
  • Os países da terceira onda variaram muito quanto ao nível de desenvolvimento econômico, tendo Índia e Paquistão com renda per capita inferior a $250 e Tchecoslováquia e Alemanha Oriental com mais de $3.000.
  • A democratização não é determinada apenas pelo desenvolvimento econômico, depende também da política e de forças externas. Ex. os países da Europa Oriental, que apresentavam condições já nos anos 1970 para se democratizar, mas contavam com os controles soviéticos, só removidos nos anos 1980.
  • Por que o desenvolvimento econômico e a passagem para o grupo dos países com níveis de renda média-superior promovem a democratização? Apenas a riqueza não foi um fator crucial, mas o desenvolvimento econômico de base ampla, envolvendo industrialização significativa, pode contribuir para a democratização, porque ele promove mudanças na estrutura e nos valores sociais, encorajando a democratização (p.73).
    1. “o nível de bem-estar econômico no interior da própria sociedade modela os valores e as atitudes de seus cidadãos, estimulando o desenvolvimento de sentimentos de confiança interpessoal, de satisfação com a vida e de concorrência, que, por sua vez, têm uma forte correlação com (…) instituições democráticas”.
    2. desenvolvimento econômico aumenta os níveis de instrução da sociedade, logo, desenvolvem “características de confiança, satisfação e concorrência que acompanham a democracia”.
    3. desenvolvimento econômico gera mais recursos para serem distribuídos, facilitando “a acomodação e compromisso”.
    4. nas décadas de 1960-70 o desenvolvimento econômico promoveu e exigiu “abertura das sociedades ao comércio, ao investimento e à tecnologia externos, o turismo e as comunicações”, abrindo a sociedade para o impacto das ideias democráticas dominantes no mundo industrializado.
    5. desenvolvimento econômico promove a expansão da classe média, que foi a verdadeira protagonista dos movimentos de democratização de terceira onda, a partir do momento em que não se viu mais ameaçada pela democracia e passou a acreditar nela. No Brasil, Argentina, Filipinas, Espanha, Taiwan, Coreia do Sul, Peru e Equador a classe média foi crucial para promover a transição democrática.
  • Portanto, a passagem dos países para faixas de renda média da zona de transição levou a mudanças nas estruturas sociais, crenças e cultura favoráveis ao surgimento da democracia (apoio à democratização).
  • Taxas de crescimento econômico extremamente altas geraram insatisfações com os governos autoritários existentes, casos de Portugal, Espanha, Grécia e Brasil. Isso porque o crescimento econômico rápido cria rapidamente base econômica para a democracia, ou seja, eleva as expectativas, escancara as desigualdades, criando tensões no tecido social, que estimulam a mobilização e as demandas por participação política. Os arranjos políticos mostraram-se anacrônicos diante das tensões de uma sociedade industrializada.
  • No Brasil, após o “milagre econômico”, os líderes militares estavam cientes das pressões geradas pelo rápido crescimento (desigualdade) e, por isso, Médici já considerava modos de produzir uma distensão, processo conduzido por Geisel até 1978 e ampliado por Figueiredo, através da abertura; ou seja, a ação dos dois presidentes evitaram um conflito social maior e abriram caminho para a democracia.
  • Nos casos de Taiwan e Coreia do Sul, também houve rápido crescimento econômico até 1980, porém a democratização ocorreu de forma mais lenta, pois as pressões eram menores do que na Europa e América Latina. Razões: 1) tradições culturais confucionistas, “atrasaram a articulação (…) de demandas mais intensas sobre o governo”; 2) o crescimento nesses países ocorreu num contexto de maior distribuição de renda.
  • Na terceira onda, a combinação de níveis substanciais de desenvolvimento econômico e crise econômica de curto prazo foi a fórmula para a transição de governos autoritários para democráticos.

Mudanças religiosas

  • Há uma forte correlação entre cristianismo ocidental e democracia e parece plausível a hipótese de que a expansão do cristianismo encoraja o desenvolvimento democrático. Porém, nos anos 1960/1970 o cristianismo se expandiu em poucos lugares, como na Coreia do Sul, onde a militância cristã substituiu o budismo e confucionismo.
  • O mais importante desenvolvimento religioso em favor da democratização foram as profundas mudanças na doutrina, lideranças, envolvimento popular e alinhamento político da Igreja católica.
  • O protestantismo era mais associado à democracia, por três razões:
    1. por sua doutrina;
    2. porque as igrejas protestantes eram mais democráticas, enquanto a Igreja católica era uma organização autoritária;
    3. tese de Weber: protestantismo encoraja a empresa econômica, desenvolvimento da burguesia, o capitalismo e a riqueza, que facilitam o aparecimento de instituições democráticas.
  • A terceira onda de democratização dos anos 1970/1980 foi essencialmente uma onda católica. Caso de Portugal, Espanha, América Latina, Filipinas, Polônia e Hungria. Três quartos dos países que transitaram para a democracia entre 1974 e 1989 eram católicos.
  • Por quê? Resposta parcial: no início da década de 1970 a maioria dos países protestantes já tinha se tornado democrática.
  • Por que católicos? A causa mais abrangente foi a mudança na Igreja católica nos anos 1960, que ocorreu em dois níveis:
    1. nível global: mudança realizada pelo papa João XXIII → Concílio Vaticano II (1962-65), nova orientação da Igreja mais engajada em questões de ordem política.
    2. bases da Igreja: mudanças no envolvimento popular e nas atividades eclesiásticas, maior papel das igrejas nacionais na oposição ao autoritarismo.
  • As relações entre a Igreja católica e os governos autoritários atravessaram três fases: aceitação, ambivalência e oposição. A posição da Igreja ia se modificando conforme o regime se mantinha no poder e intensificava a repressão, aliado às tendências convergentes dos movimentos de base e do Vaticano.
  • No Brasil, nas Filipinas, no Chile, nos países da América Central e outros, desenvolveram-se duas correntes de pensamento e ação oposicionistas no interior da Igreja católica:
    1. corrente socialista: pregava justiça social, os males do capitalismo, ajuda aos pobres, incorporando elementos marxistas da “teologia da libertação”.
    2. corrente moderada ou amarela: enfatizava os direitos humanos e a democracia (Filipinas).
  • Em algum momento, na maioria dos países, a Igreja católica rompeu com o Estado, colocando-se em explícita oposição ao regime: Chile (1976), Brasil, Espanha (1971), Filipinas (1979), Argentina (1981), Guatemala (1983), El Salvador (1977). A única exceção foi a Polônia, onde a Igreja católica apenas desempenhava papel de mediador entre governo e oposição.
  • As igrejas nacionais trouxeram muitos recursos materiais e humanos para lutar contra o autoritarismo: usavam os veículos de comunicação da Igreja, sua popularidade, sua máquina política nacional (milhares de padres, freiras, ativistas leigos), seus líderes (que também eram políticos hábeis) e a influência do Vaticano.
  • Com a ascensão de João Paulo II, então fica clara a posição da Igreja na luta contra o autoritarismo, através das visitas papais de fundo político em diversos países com regimes autoritários, a partir de 1979.
  • Em certos momentos também os líderes e organizações da Igreja católica intervieram politicamente em momentos críticos no processo de democratização de alguns países. Caso da República Dominicana, Panamá, Chile, Coreia do Sul e Filipinas.
  • Se não fossem as mudanças no interior da Igreja católica e as ações resultantes contra o autoritarismo, teria ocorrido um número menor de transições para a democracia na terceira onda. Assim, o catolicismo perde apenas para o desenvolvimento econômico como força em prol da democracia.

Novas políticas de atores externos

  • Além do catolicismo e do desenvolvimento econômico, a democratização também pode ser influenciada de forma decisiva por ações de governos e instituições externas.
  • Os atores estrangeiros são importantes na aceleração/retardamento dos efeitos do desenvolvimento econômico e social sobre a democratização, logo, eles podem influenciar os países a atingirem democratização até mesmo antes de entrar na zona de transição (onde aumenta a probabilidade de tomar a direção democrática), ou impedir/atrasar esse movimento.
  • Os atores externos ajudaram de maneira significativa as democratizações da terceira onda. No final da década de 1980 as principais fontes de poder no mundo (Vaticano, CE, EUA, URSS) promoveram ativamente a liberalização e a democratização.
  • A comunidade europeia contribuiu para a democratização principalmente no sul da Europa (Grécia, Portugal, Espanha) graças ao processo de ampliação do bloco (anos 1970), pois pertencer à Comunidade reforçava o compromisso com a democracia e dava um apoio externo contra o autoritarismo.
  • Nos países mediterrâneos, o estabelecimento da democracia era necessário para garantir os benefícios econômicos da integração e pertencer à CE era também uma garantia de estabilidade da democracia.
  • O começo da terceira onda coincide mais ou menos com a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) cujas resoluções ficaram conhecidas como Processo Helsinki.
  • Elementos nesse processo que afetaram o desenvolvimento dos direitos humanos e da democracia na Europa oriental:
    1. os objetivos evoluíram inicialmente de legitimidade internacional aos direitos e às liberdades individuais e ao monitoramento internacional desses direitos (1975) à defesa de um conjunto completo de liberdades e instituições democráticas (1990).
    2. a resolução final de Helsinki foi criticada pelos EUA, que argumentavam que legitimava as fronteiras estabelecidas pelos soviéticos na Europa Oriental, mas nas últimas conferências os EUA e a Europa ocidental pressionaram a URSS e países do leste europeu quanto aos compromissos assumidos e violações específicas.
    3.  o processo criou em cada país comissões ou grupos de observação para monitorar o cumprimento do acordo; na prática isso serviu para pressionar os governos comunistas à liberalização e legitimou os esforços dos dissidentes internos e dos países estrangeiros a induzi-los a isso. Teve impacto direito na Alemanha Oriental e na Bulgária.
  • A política dos Estados Unidos para promoção de direitos humanos e da democracia começou a se esboçar nos anos 1970, por iniciativa do Congresso, gerando emendas nas leis que previam interdição de assistência a países culpados de violações dos direitos humanos. Avançou com o governo Carter (1977), que colocou os direitos humanos na agenda mundial, e progrediu mais ainda com Reagan (1983), passando a atuar ativamente na promoção de mudanças democráticas nas ditaduras comunistas e não-comunistas.
  • O governo dos EUA usou uma série de meios para promover a democratização: defesa da democracia através de meios de comunicação e declarações de presidentes e secretários de Estado, pressões e sanções econômicas, ação diplomática (às vezes direta e crucial), apoio material às forças democráticas (apoio financeiro ao Partido Socialista Português e ao Solidariedade na Polônia), ação militar (República Dominicana, Espanha, Panamá, Filipinas, El Salvador), diplomacia multilateral (através do Processo Helsinki, de pressões sobre a URSS e do uso da ONU).
  • “Não é possível fazer aqui qualquer avaliação do papel dos Estados Unidos nas democratizações da terceira onda.” (p.103), entretanto assim como a Igreja católica, a ausência desse ator externo teria significado menos transições democráticas e mais tardias.
  • A democratização de fins dos anos 1980 na Europa oriental foi resultado de mudanças na política soviética mais drásticas do que as adotadas pelos americanos nos anos 1970: revogação da Doutrina Brejnev, aceno aos governos da Europa oriental e grupos de oposição de que não haveria mais intervenção da URSS em seus países, pelo contrário iria favorecer a liberalização e reformas políticas. Isso derrubou a velha guarda comunista, abriu as fronteiras para a Europa ocidental e intensificou tentativas de criar uma economia de mercado.
  • Não estava claro que grau de reforma política Gorbatchev apoiava e antecipava, assim como não era claro se ele era favorável à completa democratização dos países do leste europeu e ao colapso da influência soviética, entretanto foi isso que suas ações produziram.

Efeitos-demonstração ou de bola-de-neve

  • Outro fator que contribuiu para a terceira onda foi o efeito-demonstração: quando acontece uma democratização bem-sucedida em um país, isso encoraja a democratização em outros países, porque eles parecem enfrentar problemas semelhantes, porque a democratização é vista como solução para os problemas do país ou porque o país que se democratizou é visto como modelo político/cultural.
  • Papel-geral dos efeitos-demonstração na terceira onda:
    1. Os efeitos foram muito mais importantes na terceira onda do que nas anteriores, pois agora havia avanços consideráveis nas comunicações e nos transportes globais, assim os custos de se controlar a imprensa local para não serem influenciados pelas democratizações de outros países tornaram-se imensos.
    2. Os efeitos-demonstração tornavam-se mais fortes nos países mais próximos geográfica e culturalmente. Exemplo: a queda do autoritarismo em Portugal influenciou a democratização no sul da Europa e no Brasil; já a democratização da Espanha influenciou os países da América Latina de língua espanhola.
    3. a mudança, ao longo do tempo, da importância relativa das causas de uma onda de democratização, ou seja, o impacto dos efeitos-demonstração não dependeu significativamente das condições criadas por ondas anteriores, assim, à medida que avança o processo de bola-de-neve, o processo em si se torna substituto para tais condições, o que promovia aceleração.
  • “Quando as bolas de neve rolam morro abaixo elas não apenas aceleram e crescem, elas também derretem em ambientes que não lhes são propícios” (p.110). Foi o que aconteceu com a China, que, por mais que sofresse impacto de efeitos-demonstração, não havia cristianismo e a Igreja católica era fraca, não tinha uma burguesia poderosa, a renda per capita era metade da filipina, nunca teve experiência democrática prévia e sua cultura apresenta elementos autoritários, logo, estava longe da zona de transição política.