O Primeiro Reinado e as Repúblicas do Pacífico (1822-1831)

Resumo do capítulo 1 do livro O Império e as Repúblicas do Pacífico – As Relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, de Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos – Política Externa Brasileira I – Prof. André Luis Reis da Silva

A Revolução Americana

  • A guerra de libertação da América Espanhola começou de fato em 1817, quando San Martín nomeia, após campanha no Chile, O’ Higgins como novo governante chileno.
  • San Martín queria libertar o Peru, centro da resistência espanhola, porém não conseguiu por terra (através da Bolívia) e acabou passando a tarefa para Simón Bolívar, que em 1819 organizara governos provisórios em Nova Granada e na Venezuela.
  • 1825: Bolívar liberta o Peru, na batalha de Ayacucho.
  • 1826: espanhois retiram-se pelo porto de Callao, no Peru.
  • Por que o Brasil conseguiu manter sua integridade territorial, enquanto que a América hispânica não, apesar dos esforços de Bolívar? Fatores principais:
  1. a coesão da elite portuguesa (em termos ideológicos e de treinamento, segundo J.M. de Carvalho), na época da independência brasileira, o que não ocorria nas repúblicas hispano-americanas.
  2. a escravidão negra (como aponta Luiz Felipe de Alencastro), por homogeneizar as elites regionais em torno do tráfico internacional de escravos, o que assegurava à burocracia imperial o poder de negociar com os ingleses, contendo suas pressões pelo fim do escravismo; e, ao mesmo tempo, mantendo a integridade política e administrativa do Brasil, por atender aos interesses internos (escravocratas).
  • Autonomia possível: apesar de dependência econômica com a Inglaterra, o governo imperial resistiu em renovar os tratados de 1827 e acabou rompendo com os ingleses em 1863. 
  • As relações com os países vizinhos nas primeiras décadas da independência, em termos comerciais, eram pouco expressivas, exceto na região do Prata. Havia antagonismos (Império x repúblicas, manutenção do status quo x integração etc).
  • A preocupação do Império nesse imediato período pós-1822 era com a navegação na Bacia do Prata (para comunicação com Mato Grosso) e o comércio nessa região (importante para setores luso-brasileiros e pecuaristas do Sul).
  • A prioridade do Império era a região da Cisplatina, tanto que levou isso a guerra, enquanto que a expansão dos limites para oeste (questão de Chiquitos) foi descartada. 

Uma Possibilidade de Conflito

  • Após a batalha de Ayacucho (1824), as tropas bolivarianas dirigem-se para a Bolívia, sob o comando do general Sucre.
  • O governador da província boliviana de Chiquitos, Sebastián Ramos, propôs ao governo de Mato Grosso que sua província fosse colocada sob a proteção do Império até que a coroa espanhola reconquistasse o território.
  • A proposta foi aceita pelo governo provisório de Mato Grosso, pois este via com bons olhos a extensão das fronteiras brasileiras, já que com isso sua província deixaria de ser periferia.
  • A província de MT passava por um processo de estagnação econômica, em virtude do declínio da mineração na região e Vila Bela (ou Mato Grosso), sede da província, temia a perda do status de capital para Cuiabá, o que acentuaria o declínio da cidade, da qual muitos residentes faziam parte do governo provisório.
  • Ramos envia tropas a Chiquitos para consolidar a adesão, enquanto que, do lado boliviano, Sucre negocia o apoio das tropas argentinas para um eventual ataque ao Império. Bolívar, entretanto, não aderiu ao movimento e orientou Sucre a ser cauteloso, por temer uma reação da Santa Aliança.
  • Alguns dias depois as autoridades mato-grossenses retiram as tropas de Chiquitos, por razões ainda desconhecidas. De qualquer forma, meses depois o governo imperial, ao tomar conhecimento do incidente, desautorizou a anexação da província pelo governo do Mato Grosso.
  • Mato Grosso era região periférica na época, e estagnada economicamente, enquanto que o Império ainda articulava pelo reconhecimento de sua independência e preocupava-se com a ameça de guerra no Prata. Portanto, não havia como aquela província conduzir o governo do Rio de Janeiro a uma guerra de tamanha proporção, o que já havia sido interpretado por Bolívar.
  • Mesmo informados de que o Império não tinha pretensões de anexar Chiquitos, disseminaram-se hostilidades nas repúblicas hispânicas, principalmente por parte dos argentinos, com relação ao Brasil.
  • A atitude da província de Mato Grosso quase acabou por catalisar a formação da tão temida coalizão anti-brasileira.

Província de Chiquitos na época (à esquerda, em bege) e hoje (à direita, em vermelho).

A Guerra da Cisplatina e a Tentativa de Formação de uma Aliança Anti-Brasileira

  • Reconhecimento da independência brasileira por Portugal: 29 de agosto de 1825, sob a mediação inglesa.
  • Província Cisplatina: incorporada por D. João VI em 1816, acabou constituindo as províncias brasileiras na época da independência, graças ao Barão de Laguna.
  • Em 1823, Buenos Aires inicia os protestos sobre a anexação da província, exigindo sua entrega às Províncias Unidas do Rio da Prata.
  • Missão Alvear-Iriarte (1824): missão argentina rumo a Londres e a Washington, tentando apoio desses países a fim de que o Brasil mantivesse seus limites e liberasse a Província Cisplatina.
  • Missão Alvarez Thomaz (1824): missão argentina rumo ao Peru e ao Chile, buscando apoio na questão cisplatina. Pretendiam falar com Bolívar, mas não o encontraram.
  • Missão Alvear-Vélez (1825): missão argentina rumo à Bolívia, para tratar da Cisplatina. Argumentou que o incidente de Chiquitos dava respaldo ao Peru e à Grã-Colômbia para agirem contra o Império brasileiro, que “insultava o Exército Libertador”. Bolívar não conhecia a posição do governo colombiano e tampouco a da Inglaterra, por isso enviou carta ao presidente da Grã-Colômbia, Santander, o qual o aconselhou a não se envolver em tal conflito, justamente pelo não-conhecimento da posição inglesa.
  • 1826: chanceler inglês envia carta a Bolívar, opondo-se à guerra contra o Brasil. Bolívar, assim, recomenda a Sucre que fosse prudente e delicado com a questão, por Bogotá e Londres estarem em desacordo com tal intervenção.
  • Diplomacia argentina tenta apoio do Peru (1826), porém o governo peruano se opõe à questão. Tentam, ainda, apoio do Chile, cujo congresso não aceitou uma intervenção direta, no entanto venderam 3 navios de guerra à Argentina.
  • Os governos do Chile, Grã-Colômbia, Peru e Bolívia simpatizavam com a causa argentina, mas não viam o Império brasileiro como uma ameaça iminente, a ponto de justificar o envolvimento militar. Ademais, havia a oposição inglesa, que acabaria por tornar a possível guerra penosa demais para as elites hispano-americanas. Esses governos valorizavam o apoio britânico, pois ela era a potência naval da época, única que poderia impedir que a Santa Aliança intervisse na América do Sul, mantendo assim o status quo.
  • A irrupção de um conflito no Prata prejudicaria seriamente o comércio britânico na região e poderia criar um antagonismo ideológico entre a Europa e a América, o que só não acontecia porque os Bragança conduziam a monarquia no Brasil com relativa estabilidade. A Inglaterra, portanto, não tinha interesse algum em desestabilizar o Império.

 O Congresso do Panamá

  • Simón Bolívar queria unificar a América hispânica através de uma federação que trataria da defesa e da política externa comum dos novos Estados, resolvendo divergências entre eles e opondo-se ao Concerto Europeu. Para isso enviou, em 1821, agentes ao México, ao Chile e à Argentina, negociando tratados bilaterais de aliança, com vistas a organizar o Congresso.
  • Foram convidados também Colômbia, México, América Central, Províncias Unidas e Chile. A Colômbia encarregou-se de convidar o Brasil, a Inglaterra, os Estados Unidos, a França e os Países Baixos.
  • O Brasil era visto com desconfiança pelos vizinhos, por suas instituições monárquicas e sua origem portuguesa. Essa desconfiança aumentou com o Incidente de Chiquitos (1825) e pelas suspeitas de que D. Pedro I fosse favorável a uma intervenção da Santa Aliança, visando à restauração colonial.
  • A relação entre o Império e a Santa Aliança não se concretizou, pois não houve qualquer auxílio das monarquias europeias ao Brasil durante a Guerra da Cisplatina. Ademais, a Inglaterra, potência naval da época, era contra uma possível restauração nas Américas por parte da Santa Aliança, porque a volta do pacto colonial (com Espanha ou Portugal) prejudicaria em muito os interesses coloniais ingleses.
  • Congresso do Panamá (1826): compareceram Grã-Colômbia, América Central, Peru e México, os quais assinaram o Tratado de União e Confederação Perpétua, que acabou só sendo ratificado pela Colômbia. O Brasil, na verdade, não tinha intenção de participar, mas oficialmente designou um representante, que acabou não chegando a tempo no Panamá.  O Congresso acabou fracassando (em termos práticos, embora tenha plantado o ideário integracionista), pois não havia evidências de que o Brasil fosse de fato uma ameaça às repúblicas hispano-americanas e o projeto de confederação não prosperou, já que a maioria dos países não ratificou o tratado.
  • Os diplomatas brasileiros, especialmente Duarte da Ponte Ribeiro, constataram, ao contrário do que se imaginava ser uma tendência na época, que muitas repúblicas hispano-americanas tinham interesse em adotar instituições monárquicas. O Peru, por exemplo, cujas elites tinham algum interesse em abandonar a república e adotar uma monarquia, na qual possivelmente Bolívar poderia ocupar o trono. Esse desejo porém fracassou e o Brasil continuou como a única monarquia americana.

O Estabelecimento de Relações Diplomáticas

  • A imagem do Império junto às repúblicas vizinhas nos primeiros anos das independências era, sem dúvida, bastante negativa, muito por causa da questão de Chiquitos, da Guerra da Cisplatina e das desconfianças da relação Brasil-Santa Aliança.
  • O Chile e as Províncias Unidas mostraram-se pouco interessados na criação de um confederação, proposta por Bolívar.
  • Bolívar havia deixado Sucre na presidência da Bolívia, um outro governo de sua direta influência no Peru e tinha nas mãos a presidência da Grã-Colômbia. Queria, assim, integrar essas regiões na chamada Federação Andina.
  • 1826: o Peru envia Domingos Cáceres ao Brasil, encarregado de investigar a aproximação do Império com qualquer conspiração contra as repúblicas pacíficas e discutir os limites Peru-Brasil. O governo imperial, entretanto, não quis discutir o assunto.
  • 1827: a Grã-Colômbia de Bolívar envia Leandro Palacios como representante junto à Corte, para discutir os limites Colômbia-Brasil. O assunto mais uma vez não foi abordado, porque o Império alegou falta de dados necessários para tal negociação.
  • 1828: golpe no Peru derrubou o governo bolivariano, criando tensões entre esse país e a Grã-Colômbia.
  • 1828: o novo governo peruano invade a Bolívia e derruba Sucre da presidência. Após a deposição, assina o Tratado de Piquiza, com o novo governo boliviano (do general Urdininea), através do qual ambos os países se comprometem a não estabelecer relações com o Brasil até o fim da Guerra Cisplatina.
  • 1828: Bolívar tenta se aproximar do Brasil, para obter apoio na sua disputa com o Peru, e porque queria que o Brasil o ajudasse a obter o reconhecimento da independência da Grã-Colômbia com a Espanha.
  • 1829: Duarte da Ponte Ribeiro é enviado representante do Império brasileiro no Peru e Luiz de Sousa Dias na Colômbia. As instruções era que os diplomatas brasileiros tentassem algum tipo de tratado comercial com esses países, porém Ponte Ribeiro considerou inútil qualquer tratado de comércio com os peruanos naquele momento; e, Sousa Dias, por sua vez, constatou que a Grã-Colômbia estava demais fragmentada para que se pudesse negociar e previa uma iminente secessão naquele território.
  • Peru e Colômbia acabam entrando em guerra de 1828 a 29, o que resultou na independência do Equador. Peruanos e bolivarianos disputavam principalmente a região de Guaiaquil, importante porto do Pacífico e região produtora de madeiras de construção.

O Parlamento e a Diplomacia de D. Pedro I

  • O Parlamento brasileiro contestava as ações diplomáticas de D. Pedro I, era um dos principais pontos de atrito.
  • O imperador tinha o poder de ratificar tratados internacionais e de declarar guerra/paz, enquanto que o parlamento, além de ser responsável pela aprovação do orçamento de diversas pastas, influenciava (ou tentava) na condução da política externa, apresentando os interesses dos grupos dominantes.
  • O reconhecimento da independência brasileira se deu em troca de uma série de tratados com vantagens comerciais, coisa  que o Parlamento desaprovava.
  • Havia claramente duas correntes de visão: a própria bragantina, representada em D. Pedro I, que tentava manter relações com as cortes europeias sob a ótica de um sangue azul; e a do Parlamento, que possuía um sentimento anti-tratados, alegando que estes eram desnecessários ao Estado.
  • O sistema de tratados só cessou com as Regências e depois na República.